EPISÓDIO 18
No Episódio Anterior...
No Episódio Anterior...
Úgui invade covil -executivo!
De dentro da caçamba, Úgui não foi atrapalhado pelas
algemas, no bote que deu na garganta do motoboy, derrubando-o no chão. A
pistola correu para longe, enquanto, com um brilho feroz nos olhos, que deixou
o motoboy paralisado de terror, Úgui forçou as correntes das algemas contra o
pescoço dele, montado em sua barriga, fincando-o no solo, imobilizado.
- A garota? Onde está a garota? Diz!
O motoboy estendeu os dedos de uma mão, tentando
alcançar a pistola. Furioso, Úgui jogou o peso do seu corpo sobre as correntes,
esticando-as contra o pescoço dele. Um estalo, e a traqueia do motoboy
partiu-se. A língua e os olhos dele se espicharam para fora. A cabeça, com o
pescoço frouxo, pendeu para o lado. Não foi, afinal de contas, seu dia de
sorte.
Olhou em volta. Não tinha a menor ideia de onde viera
parar. De repente, um ruído atrás de si o fez girar o corpo, já com o corpo
preparado para a luta.
O velho paralisou-se, espantado, tanto com Úgui, eriçado
como uma ratazana acuada, quanto com o corpo retorcido, no chão.
- Calma, garoto! – disse, erguendo os braços. A
ferocidade no rosto de Úgui foi o bastante para impressioná-lo. – Sei que a
gente pode resolver nosso probleminha... se tiver calma.
Era o
engenheiro das piscinas. Em seu bolso, estava o memorando, notificando-o
sumariamente que acabara de ser demitido e que deveria deixar imediatamente as
instalações, sob pena de detenção.
EPISÓDIO 18
Chamava-se
Charles D.
Ou CÊ-Dê.
Estrangeiro,
de fato, com um fortíssimo sotaque. Mas, vivia na Meridional/B há quase
quarenta anos. Viera para cá quando o país ainda possuía seu próprio nome e ainda
era possível apaixonar-se pela vida por aqui. Depois, acomodado, fora ficando, e
trabalhava há quinze, no Atlântica Sereia. Sua função, de acordo com suas
palavras, era: “Manter quentinha e limpinha as piscinas das safadezas dos
executivos”.
O
fato é que CÊ-Dê tinha todas as razões do mundo para não querer ser morto,
naquela noite. E nenhuma para se arriscar a proteger a segurança do Condomínio,
tentando dar um alarme.
Assim,
permaneceu absolutamente imóvel, de braços erguidos, de modo a deixar claro
para Úgui que não representava ameaça para ele.
Já
Úgui, só de olhar, percebeu que o velho não tinha exatamente medo dele. Que,
por alguma razão, estranhamente não era seu inimigo. Seus músculos já estavam
prontos para explodir. Depois de semanas jogado no chão frio da delegacia,
estava de novo livre, em estado selvagem, ofegante, cheio de ódio. E de
medo.
Havia
matado o motoboy, poucos instantes antes. Matar era uma coisa que ele não fazia
desde a última batalha de bandos da qual participara. Mas, era evidente que não
se esquecera como fazer. Para o engenheiro das piscinas, o cadáver contorcido
do motoboy era prova de que ele não deveria subestimar aquele garoto.
<<<>>>
[Continua...18]
-
Posso ajudar você a fugir daqui... – disse, com voz lenta, tranquilizadora, CÊ-Dê.
Úgui
procurava entender a situação. Por exemplo, onde estava. E por que aquele velho
falava com ele naquele tom de voz e o olhava tão mansamente.
A
garagem subterrânea do Condomínio tinha paredes metálicas, luzes fluorescentes,
exaustores para limpar o ar e temperatura controlada em torno de 20ºC. Julgara-se que seria um gasto a se evitar, instalar
ali um sistema de segurança mais complexo, com sensores de movimento e câmeras
interligadas a uma central, já que, para chegar até ali, fosse quem fosse teria
de vir pela Via Expressa, intensamente monitorada.
A
administração sempre achara que as guaritas da entrada – que excepcionalmente
encontravam-se vazias – deveriam bastar para qualquer situação que chegasse até
aquele ponto. Jamais imaginaram que um garoto capturado saltaria da caçamba de
um veículo de transporte para se tornar uma ameaça infiltrada e à solta,
justamente na Torre residencial do Condomínio Fortificado. Depois do incidente,
iriam rever o protocolo de segurança. No momento, não sabiam que estavam sendo
invadidos, que Úgui se acostumava rapidamente a respirar o ar purificado do
ambiente, que compreendera que estava num lugar diferente de tudo o que
conhecia e que aquele velho sorrindo para ele estava lhe oferecendo ajuda.
-
... Mas, precisamos nos apressar! – alertou CÊ-Dê. – A cada dez minutos, a
segurança passa por aqui, nas motos. A garagem executiva é aí do lado. Aqui é a
de carga e a dos funcionários, mas, mesmo assim, não entendo como ainda não
apareceram. Eu levo você até a saída. Daí, você escapa e todos permanecemos
vivos. Que tal?
-
Liana...? – murmurou Úgui, brandindo a
arma, apontada para o velho.
- Como é que é?
Úgui
fez um esforço extra para se conter e disse, com voz pausada, esperando que o
velho pudesse, assim, entender:
-
Garota... magra... bonita ... com febre. Chegou com febre. Cabelos lisos.
Chegou faz pouco tempo ... Liana!
CÊ-Dê
abriu a boca – e a deixou aberta – de tanto espanto. Se entendera direito, o
garoto não queria fugir. Estava procurando alguém. Uma garota... E era CÊ-Dê
quem fazia a manutenção da piscina da cobertura. E da suíte anexa. Uma garota
que chegara há um mês e meio. Sim... Ele deu uma gargalhada.
-
Você veio pegar a “paixão do Chefe”!
<<<>>>
[18...Continua]
E
o chefe, o supervisor, era exatamente o sujeito que tomara a decisão de
demiti-lo.
-
Parece que temos um desafeto em comum, rapaz – disse CÊ-Dê. – Então, agora não
vou ajudar você somente porque preciso, mas porque quero. Mas, precisamos andar
depressa. Entende? Depressa! Vamos esconder o corpo desse coitado na caçamba do
veículo e pegar o elevador de serviço. Mas, tem de ser depressa. Tente entender
o que estou dizendo!
-
Liana! – respondeu Úgui, assentindo.
No
apartamento da cobertura, muitos andares acima, Chokita deixara Liana sozinha,
mas já vestida com a blusa de seda e toda arrumada. E Liana aproveitava que o
olhar de Chokita não a seguia para conversar com os livros e perguntar a eles o
que achavam do que estava pensando em fazer.
Seu
pai... Ele vivia recontando a história de como a mãe de Liana fora embora. E
para sempre. Muitas e muitas noites, o pai da garota passara chorando, com o
retrato da mulher nas mãos. Nunca se conformara de tê-la perdido. Ficava se
perguntando o que deveria ter feito para que isso não acontecesse. Não
encontrava respostas. Naquelas noites, sob os lamentos do pai, Liana fingia que
dormia. Mas, sofria junto com ele, ao longo de cada madrugada. Não havia explicação
para que a mãe a tivesse abandonado. Nem para o sumiço do pai.
Agora,
naqueles livros encadernados, ela sentia a presença dele novamente. Apertou novamente
o livro contra o peito – um gesto bem seu, nas últimas semanas - , como se
pudesse entrar dentro dele, esconder-se dentro do livro. Então, pensou:
“Nunca
mais vou perder coisa alguma!”...
A
imagem de Úgui atravessou sua mente. Liana sentia falta dele. Mas, era uma
recordação que doía, que vinha junto com muito medo, com ameaças flutuando no
ar que somente começaram a existir, para ela, quando conheceu o garoto.
De
repente, teve medo de que Chokita tivesse encontrado seu tesouro escondido.
Ergueu-se, sem soltar o livro, correu para o seu quarto, abriu a gaveta onde
estavam suas roupas antigas, emboladas... Não. Medo sem razão. A lembrança que
guardara de Úgui continuava ali. Um punhal.
Quase
prontamente, soltou um soluço assustado: a lembrança que guardava do garoto
tinha a ver com perigo e morte.
Chokita
fora chamar o Supervisor. Antes, havia penteado e maquiado Liana, enquanto lhe ensinava como achava que a garota devia
fazer para agradar ao chefe. Aquilo deu medo a Liana. E nojo. Mais nojo do que
medo.
Escondeu
então o punhal entre as almofadas da sala. Mas, estava decidida a não perder mais
nada. “Mais nada!”, repetiu para si mesma. E de novo: “Nunca mais! Nunca
mais!”.
Foi
nesse momento que um estalido na claraboia envidraçada que dava para a varanda coberta, onde ficava a piscina, chamou sua
atenção e a fez se voltar...
<<<>>>
[18...continua]
CÊ-Dê
conduzira Úgui pelos corredores de serviço. Também ali não havia câmeras de
segurança. Finalmente, chegaram ao terraço do apartamento A-1 e CÊ-Dê indicou a
claraboia:
-
Daí, você cai na varanda, e de lá, para dentro do apartamento. Uma última coisa
... – disse CÊ-Dê, detendo Úgui que já ia
abrindo impetuosamente a claraboia. – Já escutei muitas conversas dessas
meninas. Elas se sentem felizes aqui. Não é a toa, sabe?
Úgui,
com um safanão zangado, soltou-se de CÊ-Dê. O velho insistiu:
-
Entenda! Lá fora, você sabe como é... Só estou dizendo isso para você pensar
que, talvez... Bem, a sua garota pode não querer voltar com você para as ruas.
Escute... não se aborreça comigo. O que estou querendo dizer é que vocês não
precisam voltar para as ruas. Sei de uma coisa...É somente um boato, conversa
de funcionários em hora de folga. Mas, tanta gente comenta que... Quem sabe? Tem
um outro jeito, sabe?
Aquele
senhor intrigava Úgui. Sentia que ele estava do seu lado, e isso era tudo o que
importava, no momento. E CÊ-Dê continuava a falar, a falar... Até que o
ex-engenheiro das piscinas disse:
-
Ouviu, então? Entendeu tudo o que eu contei a você...? Olha, vou esperar você
por uma hora. Tenha cuidado, filho!
Úgui
fez que sim com a cabeça e soltou um
resmungo. Que também poderia ser um rosnado de quem está preparado para tudo,
até mesmo para morrer... Não gostava daquele clima de despedida. O velho o
fazia sentir coisas estranhas... Coisas que o incomodavam. Não queria pensar
nisso agora.
-
Tudo bem, não precisa agradecer! – disse CÊ-Dê, com um sorriso. – Foi um
prazer. Vá pegar sua garota... Vá!
Um
instante depois, quando Úgui, vindo da varanda, saltou para dentro da sala, Liana soltou um grito abafado. A garota
assustou-se e tentou correr. Úgui quase não a reconheceu, maquiada por Chokita,
os cabelos penteados, usando a blusa de seda... Mas, no momento seguinte deu um
bote sobre ela, derrubando-a.
-
Liana – murmurou o garoto.
Ela
começou a se debater, arranhando Úgui, lutando para se desvencilhar. E Úgui não
conseguia entender o que estava acontecendo. Esperava que Liana, ao vê-lo,
pulasse sobre ele e o abraçasse. Mas, ali estavam, brigando, ela chutando-a, dando-lhe tapas.
Rolavam no chão, e Úgui não conseguia contê-la. Nem acalmá-la. Ele a a
jogou longe, montou em cima de seu estômago e só então conseguiu imobilizar a
garota. E...
...
E a beijou. Liana parou de lutar. Lágrimas quentes começaram a descer pelas
faces dela, quando a garota o abraçou, aceitando seu beijo.
-
Liana – disse. – Vim buscar você. Eu disse que tudo ia ficar bem, não disse?
A
garota empurrou Úgui para o lado, sacudindo a cabeça furiosamente.
-
Como, não? Você não quer vir comigo? Ficou doida?
Só
então sentiu o cheiro da garota. O perfume. A atmosfera do quarto. Olhou em
volta, vendo tudo aquilo que estava à disposição da garota. Ficou furioso, então.
-
Você vem comigo, sim! - berrou Úgui,
levantando-se e tentando arrastá-la para a varanda. Liana se defendia como
podia. Agarrava-se a tudo, aos móveis, às almofadas... Então seus dedos se
fecharam em torno do cabo do punhal que havia escondido ali. Úgui não percebeu.
Descontrolado, esbofeteou a garota:
- O que deu em você? Eu vim buscar você! Eu cumpri minha promessa! Quero você comigo! Você... é minha. Você...!
- O que deu em você? Eu vim buscar você! Eu cumpri minha promessa! Quero você comigo! Você... é minha. Você...!
O
braço de Liana riscou o ar. Ùgui gritou de dor. A garota, horrorizada, largou
então o punhal. O sangue começou a correr da garganta de Úgui, tingindo de
vermelho o chão. O garoto recuou alguns passos, tropeçando nas próprias pernas,
sem conseguir se equilibrar. Então, murmurou, com toda a tristeza que poderia
caber dentro dele:
- Liana... -,
Úgui gemeu.
[Dia 11/04... Episódio 19]
No Próximo Episódio
(é o PENÚLTIMO... está
chegando o espetacular clímax de A Hora das Sombras!!)
No Condomínio Fortificado Atlântica
Sereia, o Confronto:
Liana ... Úgui... O Supervisor...
Enquanto isso, na cidade em
ruínas... Começa uma GUERRA de policiais...
E você vai estar no meio
dessa encrenca toda!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário