EPISÓDIO 14
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Úgui
avançou até a praça, esperando a aproximação do blindado. Quando os holofotes
caíram sobre ele, o garoto pensou em Náique., ainda pequeno, lhe perguntando para
onde iam, quando os blindados os engoliam. Talvez, Náique estivesse assistindo
aquela cena. Como se fosse um filme. Talvez.
-
Só mais um pouco, Liana! – murmurou o garoto. Eu prometo que você vai ficar
boa.
Os
megafones do blindado soltaram a cantoria, junto com as sirenes paralisadoras.
Os tiras cantavam ferozmente:
-
Somos mais que piratas! Muito mais que caubóis! Somos a Grande Dupla!
A Hora das Sombras
O
veículo blindado dançou no terreno, derrapando, quando Bazu deu uma arrancada
mais brusca, tentando escapar da vala no meio da descida do morro de lixo.
Frenético, da torre, Zuca gritava para o companheiro:
-
Eles estão escapando! Mais depressa, Bazu! Os desgraçadinhos estão escapando!
Já
fazia mais de duas semanas que estavam na cola daquele bando.
-
Não vai adiantar nada se a gente capotar, idiota! – respondeu Bazu aos berros.
Estava com enorme dificuldade para controlar o veículo. – E vê se deixa alguém
vivo desta vez! Precisamos de grana! Temo de tirar o prejuízo da propina que
pagamos ao Setor de Equipamentos pela liberação do drone, para segui-los e
mapear os esconderijos deles. Não dá pra gente morrer nessa grana, cara! Está
me ouvindo? Zuca, seu pirado!
Mas,
Zuca não lhe prestava mais atenção. Continuava a gritar para que acelerasse, e
vez por outra soltava um urro de fúria frustrada, por perceber que em poucos
instantes, o bando estaria fora do seu alcance. Suava. Um suor gelado, que
deslizava pelas suas costas, enquanto os batimentos no peito se aceleravam e a
respiração virava um ronco errático, produzindo solavancos no corpo. Sentia
ainda um aperto na garganta, como se sua traqueia estivesse se contorcendo,
virando um nó, que precisava desatar a
qualquer custo.
-
Mais rápido! Mais rápido! - engatilhava
e desengatilhava a metralhadora, louco para apertar o gatilho, mal conseguindo
esperar para varrer tudo em volta com os disparos.
Finalmente,
o veículo alcançou o sopé do monturo gigante. Estava na praça. A torre girava,
com seus holofotes destrinchando as sombras.
-
Onde estão, seus malditos? Onde estão?
De
repente, os holofotes caíram sobre um garoto trêmulo, lágrimas escorrendo de
seu rosto – a imagem surgiu na tela de Bazu – e que carregava um estranho pacote. Ele estava bem no caminho do
blindado, parado, de pé.
Bazu
escutou Zuca engatilhar de novo a metralhadora, na torre acima da sua cabeça.
-
Não mata eles, Zuca! Não mata!
<<<>>>
[14... continua]
Os
dedos de Zuca chegaram a pressionar de leve o gatilho. Então, ele se afastou,
virou-se com ódio, aos berros, e começou a esmurrar a parede interna da torre.
-
A rede, Zuca! Solta a rede!
Mas,
com uma saliva grossa escorrendo da sua boca, Zuca voltou-se de novo, debruçou-se
sobre a metralhadora. Bazu não podia vê-lo, mas pelos estalidos que escutou
adivinhou o que seu parceiro iria fazer. Então, girou o volante do veículo,
fazendo-o dar uma guinada para o lado. A rajada da metralhadora levantou
estilhaços da crosta de lama e lixo, a menos de um metro de Úgui. O garoto se agachou, apavorado. Foi
um esforço e tanto, para não deixar Liana cair. O cobertor escorregou,
mostrando Liana.
-
O que você fez, seu cretino? -, berrou Zuca. – Eu ia conseguir cortar o moleque
ao meio, com esse disparo. Ia ser lindo!
-
Seu doido! – gritou Bazu, surgindo por trás de Zuca, na torre, com a pistola na
mão. A coronhada abriu a cabeça do parceiro, o sangue espirrou por toda a
volta. Ele cambaleou para trás, mas não perdeu os sentidos. Ainda tentou voltar
para a metralhadora. Bazu lhe acertou um soco na cara. Ambos despencaram da
torre, agarrados.
-
Sobraram apenas aqueles dois lá fora! Vamos pegar eles, certo? – disse Bazu,
retornando para seu lugar e brecando o veículo. – Ei, o pivete está carregando
uma garota! Uma garota! Sabe quanto ela
pode valer?
Zuca
estava tão vermelho que parecia que o sangue ia estourar suas carótidas. Mesmo
assim, a voz de comando de Bazu mexeu em algo que reconectou sua mente ao que
estava fazendo. Resmungando, lançando olhares de raiva para o companheiro, ergueu-se, enfim.
Bufando, respirando fundo... Deu em seguida um murro em cada têmpora para se despertar
e, ainda respingando sangue, içou-se ao seu posto na torre. No painel de controle, puxou uma alavanca que
ejetava a rede.
O
artefato caiu com precisão sobre Úgui e Liana, imobilizando o garoto. A seguir,
começou a puxá-lo. Sua maior preocupação era proteger Liana para que ela não se
ferisse. Mesmo assim, berrou, quando foram engolidos pelo alçapão da dianteira
do blindado:
-
Vou poder responder sua pergunta agora, Náique!
<<<>>>
[14... continua]
Apesar
de chamarem o veículo de “bicho-blindado”, Úgui sabia que eram tiras que o
pilotavam. E não se surpreendeu ao se ver no seu interior metálico. Bazu o
arrancou da rede sob uma saraivada de tabefes.
-
Não tente nada, ou estouro você, moleque! – Algemou então Úgui na viga central,
mas se deteve quando agarrou Liana. A garota estava inerte.- Essa aqui está
morta?
-
Não!... – deseperou-se Úgui, tentando se comunicar com o policial. – Doente! Só
doente!
Bazu
ficou olhando para ele, depois examinou Liana com mais cuidado.
-
Bonita... muito bonita. Vai valer muito... se viver!
-
Só doente! Doente! – disse Úgui, esforçando-se para pronunciar as palavras bem
e devagar.
Por
sorte, nesse instante Liana se remexeu e soltou um gemido fraco. Bazu ficou mais
alguns momentos pensando, então disse:
- Nada que
alguns antibióticos não curem, então!...Muito bonita!
- Doente! Só
doente! – disse Úgui, sem entender o que o policial disse.
- Já sei! –
berrou Bazu, chutando Úgui no rosto. O garoto caiu para trás, mas fez força
para não perder os sentidos. Sentia que poderia ajudar ainda Liana, de alguma
maneira. Bazu algemou-a próxima a ele. Úgui arrastou-se para junto da garota.
Lá em cima,
Zuca soluçava.
- Os outros já
fugiram, seu louco! – disse Bazu irritado. – Fica para a próxima vez, certo? Me
escutou?
Em resposta,
Zuca acionou a metralhadora, mirando-a para o alto, disparando até esgotar a
munição.
Liana tremia.
Ùgui, com os dentes, conseguiu puxar o cobertor de volta e cobri-la, parcialmente.
Com seu corpo, agasalhou a garota, protegendo-a como pôde, enquanto os saltos
do veículo jogavam-nos de um lado para o outro. Ele conseguiu apertar a cabeça
dela contra o peito, para que não batesse. E, como se o reconhecesse, a garota
aconchegou-se mais ao corpo de Úgui.
- Acho que
vão... tratar de você, Liana. Não iam capturar a gente se fosse para matar!
Estava agindo
como chefe de novo – fingindo ter certeza. E sabia disso. Não tinha a menor
noção do que iriam fazer com eles. Mas, sabia também que, sozinho, não
conseguiria salvar a garota. A febre parecia cada vez mais alta.
- É... um
risco – confessou, finalmente, balbuciando no ouvido da garota. – Estamos
correndo um risco. Se não der certo, desculpa... tá? Eu gosto muito de você.
Já na delegacia,
o detetive Zerossix recebeu a dupla de cara feia:
- Só trouxeram
esses dois?
Bazu sentiu
ímpetos de lhe dar um tiro na cara. Não tinha mais paciência com burocratas,
que ficavam posando de comandantes, sem sair do escritório, e levavam sempre a
comissão deles. E sem se ferrar nas ruas, como eles faziam. Zuca recolheu-se num canto, alheio a tudo,
brincando com uma pistola. Zeromeia trouxe Úgui e Liana arrastados pelas
algemas.
- Não estão
mais comprando garotos! – disse. – Só garotas!
- Que novidade
é essa? – rugiu Bazu. – Tá querendo engolir nossa parte também?
- Pode
perguntar ao mensageiro, quando ele chegar. Só garotas!
- Então,
guarde meu prisioneiro para depois – disse Bazu, ainda irritado. – A coisa pode
mudar.
Úgui tinha
alguma dificuldade para entender o que diziam os policiais. Mas, quando
tentaram separá-lo de Liana, começou a se debater, e agarrou-se com mais força
à garota. Conseguiu acertar um soco no olho de Zeromeia, que abriu o supercílio
do tira, fazendo-o sangrar. Arrancaram-no, por fim, de cima de Liana, aos tapas
e torcendo seus braços até fazê-los
estalar. Bazu veio ajudar no espancamento. Era uma maneira de aliviar a raiva
que estava sentindo de Zerossix e Zeromeia.
Quando se
cansaram de bater no garoto, deixaram-no estirado num canto, enquanto
carregavam Liana para outra sala. Úgui, no chão, sorriu, antes de perder a
consciência. Havia conseguido fazer o que queria. No meio da confusão, enfiara
o pequeno punhal escondido no short que Liana usava por baixo da calça.
Então, de
repente, o garoto sentiu a respiração se tornando dolorosa demais. Teve certeza
de que iria morrer. A vista escureceu e uma pressão absurda ameaçava explodir
em cacos a sua cabeça. Lembrou-se então da história que contou certa vez para
Náique e os outros pequenos do bando, sobre anjos, que desciam nesses momentos do
céu para buscá-los... Para levá-los para um lugar melhor.
[Episódio 15... 14/03]
No próximo Episódio, entra em cena o Vilão, o Operador-Chefe, aquele que faz as empresas andarem: o Sr.
Supervisor...
Havia um mês que os funcionários que trabalhavam no bloco da administração do
complexo chamado Condomínio Fortificado Atlântica Sereia só se referiam à
novidade como “a paixão do chefe”.
Era o Supervisor, como era tratado, ou Senhor
Supervisor, o Diretor de Instalações da Região
Meridional/B. Ou seja, o responsável pela
administração do Condomínio Atlântica Sereia, um empreendimento que servia de
sede a inúmeras empresas, dividas pelos diversos blocos, e de residência para
seus executivos, na quadra residencial.
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