terça-feira, 13 de setembro de 2016

EPISÓDIO 14

No Episódio Anterior

  Úgui avançou até a praça, esperando a aproximação do blindado. Quando os holofotes caíram sobre ele, o garoto pensou em Náique., ainda pequeno, lhe perguntando para onde iam, quando os blindados os engoliam. Talvez, Náique estivesse assistindo aquela cena. Como se fosse um filme.  Talvez.
   - Só mais um pouco, Liana! – murmurou o garoto. Eu prometo que você vai ficar boa.
    Os megafones do blindado soltaram a cantoria, junto com as sirenes paralisadoras. Os tiras cantavam ferozmente: 

                - Somos mais que piratas! Muito mais que caubóis! Somos a Grande Dupla! 



 A Hora das Sombras


                O veículo blindado dançou no terreno, derrapando, quando Bazu deu uma arrancada mais brusca, tentando escapar da vala no meio da descida do morro de lixo. Frenético, da torre, Zuca gritava para o companheiro:
                - Eles estão escapando! Mais depressa, Bazu! Os desgraçadinhos estão escapando!
                Já fazia mais de duas semanas que estavam na cola daquele bando.
                - Não vai adiantar nada se a gente capotar, idiota! – respondeu Bazu aos berros. Estava com enorme dificuldade para controlar o veículo. – E vê se deixa alguém vivo desta vez! Precisamos de grana! Temo de tirar o prejuízo da propina que pagamos ao Setor de Equipamentos pela liberação do drone, para segui-los e mapear os esconderijos deles. Não dá pra gente morrer nessa grana, cara! Está me ouvindo? Zuca, seu pirado! 
                Mas, Zuca não lhe prestava mais atenção. Continuava a gritar para que acelerasse, e vez por outra soltava um urro de fúria frustrada, por perceber que em poucos instantes, o bando estaria fora do seu alcance. Suava. Um suor gelado, que deslizava pelas suas costas, enquanto os batimentos no peito se aceleravam e a respiração virava um ronco errático, produzindo solavancos no corpo. Sentia ainda um aperto na garganta, como se sua traqueia estivesse se contorcendo, virando um  nó, que precisava desatar a qualquer custo.
                - Mais rápido! Mais rápido!  - engatilhava e desengatilhava a metralhadora, louco para apertar o gatilho, mal conseguindo esperar para varrer tudo em volta com os disparos.
                Finalmente, o veículo alcançou o sopé do monturo gigante. Estava na praça. A torre girava, com seus holofotes destrinchando as sombras.
                - Onde estão, seus malditos? Onde estão?
                De repente, os holofotes caíram sobre um garoto trêmulo, lágrimas escorrendo de seu rosto – a imagem surgiu na tela de Bazu – e que carregava um estranho pacote. Ele estava bem no caminho do blindado, parado, de pé.
                Bazu escutou Zuca engatilhar de novo a metralhadora, na torre acima da sua cabeça.
                - Não mata eles, Zuca! Não mata!

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[14... continua]


                Os dedos de Zuca chegaram a pressionar de leve o gatilho. Então, ele se afastou, virou-se com ódio, aos berros, e começou a esmurrar a parede interna da torre.
                - A rede, Zuca! Solta a rede!
                Mas, com uma saliva grossa escorrendo da sua boca, Zuca voltou-se de novo, debruçou-se sobre a metralhadora. Bazu não podia vê-lo, mas pelos estalidos que escutou adivinhou o que seu parceiro iria fazer. Então, girou o volante do veículo, fazendo-o dar uma guinada para o lado. A rajada da metralhadora levantou estilhaços da crosta de lama e lixo, a menos de um metro  de Úgui. O garoto se agachou, apavorado. Foi um esforço e tanto, para não deixar Liana cair. O cobertor escorregou, mostrando Liana. 
                - O que você fez, seu cretino? -, berrou Zuca. – Eu ia conseguir cortar o moleque ao meio, com esse disparo. Ia ser lindo!
                - Seu doido! – gritou Bazu, surgindo por trás de Zuca, na torre, com a pistola na mão. A coronhada abriu a cabeça do parceiro, o sangue espirrou por toda a volta. Ele cambaleou para trás, mas não perdeu os sentidos. Ainda tentou voltar para a metralhadora. Bazu lhe acertou um soco na cara. Ambos despencaram da torre, agarrados.
                - Sobraram apenas aqueles dois lá fora! Vamos pegar eles, certo? – disse Bazu, retornando para seu lugar e brecando o veículo. – Ei, o pivete está carregando uma garota! Uma garota!  Sabe quanto ela pode valer? 
                Zuca estava tão vermelho que parecia que o sangue ia estourar suas carótidas. Mesmo assim, a voz de comando de Bazu mexeu em algo que reconectou sua mente ao que estava fazendo. Resmungando, lançando olhares de  raiva para o companheiro, ergueu-se, enfim. Bufando, respirando fundo... Deu em seguida um murro em cada têmpora para se despertar e, ainda respingando sangue, içou-se ao seu posto na torre. No  painel de controle, puxou uma alavanca que ejetava a rede.
                O artefato caiu com precisão sobre Úgui e Liana, imobilizando o garoto. A seguir, começou a puxá-lo. Sua maior preocupação era proteger Liana para que ela não se ferisse. Mesmo assim, berrou, quando foram engolidos pelo alçapão da dianteira do blindado:
                - Vou poder responder sua pergunta agora, Náique!

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[14... continua]
                Apesar de chamarem o veículo de “bicho-blindado”, Úgui sabia que eram tiras que o pilotavam. E não se surpreendeu ao se ver no seu interior metálico. Bazu o arrancou da rede sob uma saraivada de tabefes.
                - Não tente nada, ou estouro você, moleque! – Algemou então Úgui na viga central, mas se deteve quando agarrou Liana. A garota estava inerte.- Essa aqui está morta?
                - Não!... – deseperou-se Úgui, tentando se comunicar com o policial. – Doente! Só doente!
                Bazu ficou olhando para ele, depois examinou Liana com mais cuidado.
                - Bonita... muito bonita. Vai valer muito... se viver!
                - Só doente! Doente! – disse Úgui, esforçando-se para pronunciar as palavras bem e devagar.
                Por sorte, nesse instante Liana se remexeu e soltou um gemido fraco. Bazu ficou mais alguns momentos pensando, então disse:
- Nada que alguns antibióticos não curem, então!...Muito bonita!
- Doente! Só doente! – disse Úgui, sem entender o que o policial disse.
- Já sei! – berrou Bazu, chutando Úgui no rosto. O garoto caiu para trás, mas fez força para não perder os sentidos. Sentia que poderia ajudar ainda Liana, de alguma maneira. Bazu algemou-a próxima a ele. Úgui arrastou-se para junto da garota.
Lá em cima, Zuca soluçava.
- Os outros já fugiram, seu louco! – disse Bazu irritado. – Fica para a próxima vez, certo? Me escutou?
Em resposta, Zuca acionou a metralhadora, mirando-a para o alto, disparando até esgotar a munição.
Liana tremia. Ùgui, com os dentes, conseguiu puxar o cobertor de volta e cobri-la, parcialmente. Com seu corpo, agasalhou a garota, protegendo-a como pôde, enquanto os saltos do veículo jogavam-nos de um lado para o outro. Ele conseguiu apertar a cabeça dela contra o peito, para que não batesse. E, como se o reconhecesse, a garota aconchegou-se mais ao corpo de Úgui.
- Acho que vão... tratar de você, Liana. Não iam capturar a gente se fosse para matar!
Estava agindo como chefe de novo – fingindo ter certeza. E sabia disso. Não tinha a menor noção do que iriam fazer com eles. Mas, sabia também que, sozinho, não conseguiria salvar a garota. A febre parecia cada vez mais alta.
- É... um risco – confessou, finalmente, balbuciando no ouvido da garota. – Estamos correndo um risco. Se não der certo, desculpa... tá? Eu gosto muito de você.
Já na delegacia, o detetive Zerossix recebeu a dupla de cara feia:
- Só trouxeram esses dois?
Bazu sentiu ímpetos de lhe dar um tiro na cara. Não tinha mais paciência com burocratas, que ficavam posando de comandantes, sem sair do escritório, e levavam sempre a comissão deles. E sem se ferrar nas ruas, como eles faziam.  Zuca recolheu-se num canto, alheio a tudo, brincando com uma pistola. Zeromeia trouxe Úgui e Liana arrastados pelas algemas.
- Não estão mais comprando garotos! – disse. – Só garotas!
- Que novidade é essa? – rugiu Bazu. – Tá querendo engolir nossa parte também?
- Pode perguntar ao mensageiro, quando ele chegar. Só garotas!
- Então, guarde meu prisioneiro para depois – disse Bazu, ainda irritado. – A coisa pode mudar.
Úgui tinha alguma dificuldade para entender o que diziam os policiais. Mas, quando tentaram separá-lo de Liana, começou a se debater, e agarrou-se com mais força à garota. Conseguiu acertar um soco no olho de Zeromeia, que abriu o supercílio do tira, fazendo-o sangrar. Arrancaram-no, por fim, de cima de Liana, aos tapas e torcendo seus braços até  fazê-los estalar. Bazu veio ajudar no espancamento. Era uma maneira de aliviar a raiva que estava sentindo de Zerossix e Zeromeia.
Quando se cansaram de bater no garoto, deixaram-no estirado num canto, enquanto carregavam Liana para outra sala. Úgui, no chão, sorriu, antes de perder a consciência. Havia conseguido fazer o que queria. No meio da confusão, enfiara o pequeno punhal escondido no short que Liana usava por baixo da calça.
Então, de repente, o garoto sentiu a respiração se tornando dolorosa demais. Teve certeza de que iria morrer. A vista escureceu e uma pressão absurda ameaçava explodir em cacos a sua cabeça. Lembrou-se então da história que contou certa vez para Náique e os outros pequenos do bando, sobre anjos, que desciam nesses momentos do céu para buscá-los... Para levá-los para um lugar melhor.


[Episódio 15... 14/03]

No próximo Episódio, entra em cena o Vilão, o Operador-Chefe, aquele que faz as empresas andarem: o Sr. Supervisor...

                  Havia um mês que os funcionários  que trabalhavam no bloco da administração do complexo chamado Condomínio Fortificado Atlântica Sereia só se referiam à novidade como “a paixão do chefe”.
                Era o Supervisor, como era tratado, ou Senhor Supervisor, o Diretor de Instalações da  Região Meridional/B. Ou seja, o responsável  pela administração do Condomínio Atlântica Sereia, um empreendimento que servia de sede a inúmeras empresas, dividas pelos diversos blocos, e de residência para seus executivos, na quadra residencial.


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