domingo, 17 de abril de 2016


(SonHos em AmaReLo)


OBRA-PRIMA TRATA JOVENS
COMO GENTE GRANDE

Gustavo Bernardo *
Publicado originalmente
em O GLOBO de 06/10/2007





Uma maneira de avaliar a qualidade de um livro para jovens é observar a reação de leitura de um adulto. Se o livro “captura” a atenção e a emoção do adulto, então ele deve ser um livro bom também para o leitor adolescente. Isso acontece porque o adolescente é muito mais adulto do que supõe a nossa vã pedagogia.
Ainda que o nosso sistema social e correspondentes meios de comunicação se esforcem bastante para espichar a infância e desresponsabilizar os jovens pelo máximo de tempo possível, há reservas de inteligência, afetividade e responsabilidade que resistem. Elas aparecem e brilham sempre que um professor os trata não como iguais mas como pares responsáveis, ou sempre que eles se deparam com um livro para jovens que não os infantiliza nem menospreza, isto é, que os respeita como adultos que já são.
Entre os escritores que manifestam esse respeito, encontramos Luiz Antonio Aguiar. Sua última novela para jovens chama-se Sonhos em amarelo: o garoto que não esqueceu Van Gogh (São Paulo: Melhoramentos, 2007). Avaliação sucinta: trata-se de nada menos do que uma obra-prima. Quando a lemos, ficamos profundamente tocados, como se ainda fôssemos... jovens! Em contrapartida, pode-se supor que um jovem “de verdade”, ao ler essa novela, dirá logo que ela “não é para crianças!”, e a desejará ler por isso mesmo: para ser tratado como gente que já tem o cérebro e o coração grandes.



A solução narrativa de Luiz Antonio contempla essa condição: a história é narrada por um senhor de 37 anos à beira da 1ª Guerra Mundial, relembrando a época em que tinha 11 anos de idade. Esse narrador é um personagem da vida “real” trazido para a ficção: seu nome é Camille Roulin. Quando garoto, ele foi retratado várias vezes por Vicent Van Gogh. Um dos quadros que o retrata é dos mais populares do pintor e se encontra no Museu de Arte de São Paulo – chama-se O garoto de quepe.
A história se passa no final da vida do pintor, quando ele foi mais produtivo e ao mesmo tempo mais sofreu. O pai do narrador, o simplório carteiro Joseph Roulin, se tornou o melhor amigo de Van Gogh. O pai humilde e o seu jovem filho parecem entender Van Gogh e suas pinturas melhor do que seus contemporâneos e até do que o famoso Paul Gauguin.
Entremeando-se à descrição cuidadosa da vida cotidiana em uma aldeia do sul da França entre 1888 e 1890, quando o pintor se suicidou com um tiro no peito, lemos a descrição-narração espetacular de vários dos mais famosos quadros de Van Gogh. Dizemos “descrição-narração” porque eles nos são mostrados pela ótica de um garoto que os viu serem pintados, portanto eles nos são mostrados em movimento, desde os primeiros esboços. A percepção desses quadros pelo narrador é iluminadora, porque ele os vê com o olhar virgem tão perseguido pela filosofia daquele período, a fenomenologia.
Essa percepção colide com os preconceitos dos que não aceitavam de modo algum a “incerteza da beleza”, digamos assim, promovida e provocada pelas pinturas de Van Gogh. Os maiorais da aldeia não suportavam nem a personalidade tão agressiva quanto tímida do pintor, nem seus quadros, que lhes davam vertigem. À página 53, um deles, propositalmente sem nome, discursa com rancor: “ora, me diga alguém, o que se aprende com essas pinturas dele? São um mal! Que mensagem edificante se pode depreender delas? (...) o que o seu pincel toca, distorce. Nada do que ele pinta é reconhecível, tudo delírio, tudo falsificação. (...) Em suas telas, há tudo para os olhos, e nada para o espírito ou a mente.”



A novela de Luiz Antonio Aguiar prega todo o contrário do que diz o personagem sem nome. Ela não pretende de modo algum fazer uma literatura edificante ou didatizante, mas sim uma literatura que propositalmente distorce a realidade para melhor nos mostrar novas e inusitadas perspectivas sobre ela. Como nos quadros do pintor, ela não confirma nem reafirma os clichês que grudaram na nossa mente, mas oferece aos olhos e à imaginação do leitor outras tantas cores intensas, como devem de ser.

*
Gustavo Bernardo é professor de Teoria da Literatura na UERJ. Ele escreveu alguns ensaios, como A dúvida de Flusser e A ficção cética, e alguns romances, como A alma do urso e Reviravolta.

sábado, 16 de abril de 2016

DREAMS IN YELLOW/ VICENT IL MATTO

(Sonhos em Amarelo)





Reviews Giunti Editore edition - Italy

https://biblioragazziletture.wordpress.com/2014/05/27/vincent-il-matto/

http://latartarugasimuove.blogspot.com.br/2015/04/recensione-vincent-il-matto-di-luiz.html


http://www.goodreads.com/book/show/22064063-vincent-il-matto-quell-anno-con-van-gogh







MASTERPIECE TREATS KIDS
AS GROWN-UPS

Gustavo Bernardo *
Originally published in
O GLOBO ** on 06/10/2007
One way of evaluating the quality of a book for children is to observe the reactions of an adult as he reads it. If the book “holds on to” the adult’s attention and emotions, then the adolescent reader will also consider it a good book. This is because the adolescent is a lot more adult than vain pedagogy would have us believe.
While our social system, and the corresponding communications media, make considerable efforts to stretch out infancy and to ward young people from any sort of responsibility for as long as possible, there are bastions of intelligence, affectivity and responsibility that still resist. They show up and shine forth each time a teacher treats his pupils, not as equals, but as responsible peers, or when bright young people come across a book that neither belittles their intelligence nor treats them like babies, i.e. when they find a book that respects them like the adults they already are.
Luiz Antonio Aguiar is one of the writers who show this respect. His latest short novel for young people is called Dreams in yellow: the boy who didn’t forget Van Gogh (São Paulo: Melhoramentos, 2007). Succinct assessment: this is nothing less than a masterpiece. When we read it, we are profoundly touched, as though we still were... youngsters! On the other hand, it is easy to imagine that a “real” youngster, on reading the book, would stoutly affirm that “it’s not for children!”, and that was exactly why he enjoyed reading it: to be treated as someone who has a grown-up heart and brain.
The narrative solution adopted by Luiz Antonio encompasses this condition: the story is told by a gentleman of 37, just on the brink of World War I, as he reminisces about the time when he was only 11. This narrator is a “real-life” character transposed into fiction: his name is Camille Roulin. When he was a boy, his portrait was drawn a number of times by Vincent Van Gogh. One of these portraits became one of the painter’s most famous works and hangs in the São Paulo Art Museum – the title is: Boy with Cap.
The story takes place towards the end of the painter’s life, when he was at his most productive, and when he most suffered. The narrator’s father, a simple postman called Joseph Roulin, became Van Gogh’s closest friend. The humble father and his young son seem to understand Van Gogh and his painting better than his contemporaries do, including the famous Paul Gauguin.
Interlaced with the painstaking description of the day-to-day life style of a small village in the South of France between the years of 1888 and 1890, when the painter killed himself with a shot in the heart, we read the spectacular description-narrative of a number of Van Gogh’s most famous paintings. We say “description-narrative” because they are presented to us through the eyes of a boy who saw them being painted, so they are shown to us in movement, right from the first outline sketches. The narrator’s perception of these paintings is illuminative, because he sees them with the virgin outlook that was so sought after by the philosophy of the time, phenomenonology.
This perception clashes with the prejudices of those who in no way accept the “uncertainty of beauty”, if we may use the expression, promoted and provoked by the paintings of Van Gogh. The village big-shots had no time for either the painter’s bipolar aggressive / timid personality or for his painting, which gave them vertigo. On page 53, one of them, nameless by design, discourses with rancor: “Can anyone tell me what we can learn from his paintings? They are evil! What edifying message can they give us? (...) his brush distorts everything it touches. Nothing he paints is recognizable; it is all delirium, all falsification. (...) His paintings offer the eyes everything, but leave nothing for the mind or spirit.”
Luiz Antonio Aguiar’s novel promotes everything that is contrary to the words of the nameless character. The book has absolutely no pretensions towards edifying or didactic literature; it is a literature that purposely distorts reality so as to better show new and novel perspectives. Like the painter’s works, they neither confirm nor reaffirm the clichés that stick in our minds, but rather offer the reader’s eyes and imagination a plethora of intense color, just as they should.



Gustavo Bernardo is professor of Literary Theory at UERJ, Rio de Janeiro. He wrote some essays, like A dúvida de Flusser and A ficção cética, and some novels, like A alma do urso e Reviravolta.

  ** O Globo is the newspaper of greatest number of copies sold everyday in Brasil and one of the most influential in Brasil. 






About "Dreams in Yellow"  in YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=LAW3KWW8ui0


In Amazon:

http://www.amazon.it/Vincent-matto-Quellanno-Van-Gogh/dp/8809792254

Contact Luiz Antonio Aguiar
luizantonio.aguiar@gmail.com

quinta-feira, 14 de abril de 2016

HOMERO
 O Mestre em Contar Falsidades
ou
OS Ancestrais do Ladrão de Raios




                Aquiles – ou pelo menos o Aquiles que Homero criou em Ilíada[1] – era um sujeito complicado. Não vou aqui[2] contar o quanto pode ter contribuído para essa complicação a mãe dele, a Ninfa Tétis, obrigada por Hera a se casar com um mortal, Peleu, o rei de Ftia.[3] Nem entrar muito a fundo no rancor que ele foi acumulando em sua curta vida por ser um quase-deus, um quase-imortal (havia o Calcanhar de Aquiles).[4] Basta dizer que ele, podendo escolher seu destino, decidiu morrer jovem – se com isso se tornasse um guerreiro eternizado pelas suas proezas em batalha -; daí, recebeu a profecia que lhe revelava que, se fosse para Tróia, lutar junto aos gregos, não retornaria de lá, e para Troia ele foi, sem hesitar; noutro recadinho, lhe os deuses comunicaram que, se matasse Heitor, o príncipe e grande herói de Troia, morreria a seguir. E foi exatamente o que ele fez, cuidando de temperar o ato com requintes de desrespeito ao cadáver do inimigo, a tal ponto que os deuses do Olimpo se sentiram insultados, e mais ávidos de acabar com o rebelado Aquiles.
                As profecias – dicas sobre o futuro concedidas pelos deuses aos mortais, via videntes ou outros – perseguiram Aquiles.[5] A tal ponto que, na cena em que Aquiles parte para a frente de luta, decidido a matar Heitor, até mesmo seu cavalo, Xanto, ganha voz para adverti-lo:[6]

A isso, contido pelo cabresto, o veloz Xanto respondeu,
abaixando sua cabeça de modo que sua crina
se derramou, alcançando o chão, e Hera,
de braços brancos como o mármore,  lhe concedeu
voz para dizer: “Sim, poderoso Aquiles, protegeremos sua vida, hoje,
outra vez. No entanto, o seu fim se aproxima.
A sua morte está cada vez mais próxima. E não seremos a causa dela, mas sim um grande deus, a Onipotente Fortuna. Assim como não foi
por falta de empenho nem de esforço nosso
que os troianos despiram Pátroclo de sua armadura.
Não, o magnífico deus gerado por Leto matou-o em meio à batalha
e transferiu a glória a Heitor.
Devemos trotar ligeiros como o vento oeste,
Mais rápidos, aliás, do que qualquer vento; mas
Ainda assim é seu destino ser abatido por golpes
De um deus e de um homem.”[7]

                E Aquiles, que não aguenta mais escutar que a morte o espreita e que vai pegá-lo em breve, responde:

               Nisso, as Fúrias forçaram Xanto a se calar.
Com raiva sombria, Aquiles lhe replicou:
“Xanto, por que profetizas minha morte? É
desnecessário. Sei, e muito bem, o que me está reservado:
morrer aqui, longe de meu amado pai e também
de minha mãe. Não importa. Tudo o que interessa
é que não ordenarei a interrupção dos combates
hoje, antes que os troianos estejam enojados de
tanta guerra!”
               E com um grito, conduziu suas tropas montadas em corcéis
de poderosos cascos à linha de frente da batalha.


Uma biografia Romanceada, ficcional do Mestre em dizer falsidades como se deve... A aventura de compor Ilíada e Odisseia... Monstros, Heróis e Deuses da Mitologia criada por Homero



                E lá se vai ele, em busca de seu destino. Como sabemos, ele o encontra.
                Haveria milhares de coisas a se dizer sobre esse trecho, infinitos comentários a se fazer sobre Aquiles e sobre o Ilíada. Quero, no entanto, me concentrar num aspecto específico: o que levou Aristóteles a proclamar que Homero foi o grande mestre dos demais poetas, em dizer falsidades como se deve. [8]
                Em outras palavras, Homero, nos seus dois poemas, Ilíada  e Odisseia, [9] criou os recursos da arte de contação de histórias que deram origem à narrativa longa, o épico, que por sua vez deram no romance, na novela e no conto.  
                A  poesia arcaica grega era restrita a hinos de adoração aos deuses. O poeta estava ostensivamente presente, homenageando sem cessar os deuses olímpicos e agregados, seus atributos, sua beleza, sublimidade, seu poder, numa postura de submissão e adoração religiosa. A poesia era a revelação de momentos dos imortais, para pasmo e assombro das criaturas humanas, que não participavam dessas cenas, a não ser muito, muito raramente.[10] Redescoberto pelo  Classicismo Grego – Atenas, sec. V a.C. –, quando os poemas de Homero ganharam pela primeira vez versão escrita e estonteante influência sobre os cidadãos,[11] descobriu-se também em Homero a fonte de técnicas e recursos para se compor cenas, para envolver o espectador[12], emocionalmente, nos conflitos da trama, nos dilemas dos personagens, na agudeza de um diálogo...
                Hoje, lemos uma passagem como essa, de Aquiles e seu corcel de batalhas dialogando, sem estranheza. Mas, nada disso existiu antes de Homero. A personalidade de Aquiles foi lapidada por Homero, e expressa por ele em ação, em cenas (não mais em declarações, ou hinos) – um recurso muito mais envolvente. A ação, o movimento da cena, sem a infiltração constante e, de certo modo, monocórdia, de um poeta – o deixar a cena correr por si, a ação puxar a trama, ganhar vida, o desempenho dos personagens livres de interferências e interpretações on line no texto... Tudo isso é exaltado por Aristóteles como a arte da verossimilhança, de criar um momento que não está no real, nem na mentira... De possibilitar ao leitor viver  a cena como se ela fosse de verdade...
                De dizer falsidades como se deve.
                Homero, segundo Heródoto, com esses dois poemas, cunhou os próprios deuses [13]. Para tanto, compilou lendas regionais (como Afrodite e o próprio Zeus), histórias de deuses vindos do Oriente (como Dioniso) e a tradição oral. Alguns deuses ganharam trono no Olimpo, outros não. Alguns foram ratificados, outros rebaixados, ou mesmo relegados a plano inferior (como Mnemosine, a Memória, mãe das Musas, importantíssimas na tradição grega). Os imortais ganharam atributos, poderes, características físicas e de temperamento.[14] Ou seja, de retalhos, ele compôs um conjunto, um contexto – fundou a Mitologia.[15]
A dicotomia Imortal x Mortal (ou imortalidade x perecibilidade, um tema permanente e universal da Literatura), com todas as suas consequências e derivações, ficou de uma vez por todas estabelecida como a separação entre o divino e o  mundano. Esse talvez seja o aspecto mais amplo da criação de Homero. Já, pontualmente,  Zeus, por exemplo, será sempre Zeus, vaidoso, ardiloso, infiel a Hera, explosivo, um cara que desdenha os mortais e é um canalha com as mulheres – suas amantes – e os filhos que faz por aí, deixando uns e outros  se ferrarem, nas mãos da esposa traída – isso, em qualquer trama da qual participe.[16] Um Zeus generoso e compassivo, humilde, simplesmente seria anti-homérico, não convenceria ninguém... não existe!


Em "Alceste", Hércules 
resgata uma princesa do reino da Morte...

Uma Biografia do Heróii 
através das peças do teatro clássico estreladas por ele... 

                A Mitologia Grega, por causa de Homero, ganhou uma influência cultural que atravessou eras, culturas. Foi do momento arcaico grego para o Momento Clássico, daí para Roma, daí para o Renascimento... e se formos seguir esse rastro vamos passar tanto por Monteiro Lobato no Brasil,[17] como por Percy Jackson – entre muitos e muitos ramos dessa árvore genealógica monumental.



A todo instante,  usamos alguma referência da Mitologia Grega... seja ao dizer que estudar para determinada prova foi um esforço hercúleo...  seja ao contar que conseguir que a operadora de celular aceitasse nosso direito de cancelar um contrato, depois de uma infinidade sofrida de contatos com o SAC deles,  foi uma odisseia... Para não falar nas Olimpíadas, o maior espetáculo esportivo do Planeta, e que tem como origem e inspiração a Civilização Grega e portanto a sua Mitologia.

O Mais Completo Almanaque sobre 
os Jogos Olímpicos... TUDO... da Mitologia Grega a Rio-2016



                Então, foi assim que aconteceu ... Para que a Mitologia Grega entrasse para o nosso dia a dia, um poeta que ninguém garante que tenha existido compôs  em poesia deuses e heróis, da maneira como os imaginou, lutando numa guerra que é bem possível que ele tenha inventado... E por causa disso, muitos povos sonharam, aprenderam mais sobre a vida e sobre o mundo, reinventaram esse mundo... E foi assim, ainda, que o mestre em dizer falsidades como se deve criou também a Literatura.






[1] A História da guerra dos gregos contra a cidade de Ílion, ou, como a conhecemos, Tróia.
[2] Mas, conto bem essa história em Homero, aventura mitológica.
[3] Zeus estava de olho em Tétis; daí, a mulher dele, Hera,  não sendo nada boba, enganchou a ninfa à força em Peleu.
[4] Quase, sempre quase... É como Homero repetidamente o chama, como se fizesse questão de acentuar a frustração do filho de Tétis de não ser um Deus completo. Ou como se quisesse persegui-lo, deixa-lo ainda mais louco de raiva, ao longo de todo o poema, com essa pecha... tipo bullying contra Aquiles!
[5] Nas histórias da Mitologia, as profecias, muitas vezes pareciam maneiras de os deuses interferirem no caminho dos mortais, manipulando suas ações e decisões. Verdadeiras armadilhas,  joguetes dos olimpianos para afastar o ´pocio decorrente da imortalidade. 
[6] Ilíada, Canto XIX, versos 404-424. Botar um animal para falar, e contracenando com um  herói é uma ousadia bem homérica. Uma possibilidade (licença) poética inventada por ele...!
[7] O deus foi Apolo, que deu um empurrãozinho para Aquiles ser ludibriado nesse episódio crucial e cumprir o roteiro que lhe fora reservado. O homem foi Páris, o mesmo que raptou Helena, um inepto geral, que precisou de Apolo para firmar o arco no qual dispararia a seta envenenada contra o calcanhar do quase-deus.  


MITOS de todo o mundo transformados em aventuras...







[9] Odisseia, por sua vez, é a história do retorno de Odisseu – nome grego de Ulisses -  para casa, a ilha na qual era rei, Ítaca, e para sua esposa, Penélope. Não vou entrar aqui na chamada Questão Homérica – Homero existiu ou não? Os dois poemas, Ilíada  e Odisseia, foram escritos pelo mesmo autor? A Guerra de Troia aconteceu mesmo? O inventor da História, Heródoto, e o universal Aristóteles não questionam a existência de Homero. Poética, de Aristóteles, uma das obras fundamentais do pensamento estético da Humanidade, é, todo ele, uma homenagem a Homero. Com essas referências, por que vou dar valor a esse desconstrutivismo ocioso e chato?
[10] Assim são os poemas de Hesíodo, Teogonia  e O trabalho e os dias.  
[11] Nascidos em Atenas, homens,  livres e proprietários. Na época, não se entendia a educação dos jovens cidadãos , a sua preparação para assumir a condução dos rumos de Atenas, sem a leitura de Homero.
[12] Aquele que assistia à recitação (musicada) do poema, a apresentação do aedo – aquele que compõe e canta os poemas, geralmente um artista mendicante, visitando cidades e apresentando-se em troca de comida e um canto para dormir, como se descreve Homero, a partir de um retrato que ele mesmo criou e transmitiu, em Odisseia, Canto VIII, com o personagem Demódocos... Havia outro artista semelhante, o rapsodo, que entretanto não compunha suas próprias obras.
[13] E também Hesíodo, segundo o Pai da História. Histórias,  Livro II, 53.
[14] Homero coloca deuses e mortais para contracenarem  em diversos momentos, o que não seria de bom tom, ou seja, seria visto como indevida promiscuidade (entre o divino e o mundano). Mas, foi esse um dos elementos que tornaram os deuses tão atraentes – tão humanizados, em seus defeitos e paixões. Foi isso, enfim, que tornou os deuses gregos, realmente, imortais.  
[15] É o que faz a diferença entre lendas e uma Mitologia, esse conjunto, essa consistência, e é delicioso saber que isso é obra, não extraterrena, nem sobrenatural, mas de um poeta genial: Homero.
[16] Hera nunca parte para cima de Zeus – sempre se vinga nas mulheres que o Senhor dos Deuses seduziu, transformado em chuva de ouro, cisne e outros deslumbres... E nenhum filho bastardo de Zeus sofrerá tanto quanto Hércules.



[17] Hoje, Lobato pode ser uma leitura difícil para alguns jovens. Mas vale a pena o esforço: topar o desafio. Os 12 trabalhos de Hércules, o Minotauro... estão entre as melhores aventuras com a Mitologia Grega que se pode ler. E nenhum Hércules será tão dramático, tão cativante e heroico quanto o de Lobato...


ONDE COMPRAR

http://www.saraiva.com.br/homero-aventura-mitologica-7579966.html
http://www.travessa.com.br/odisseia-olimpica/artigo/38384e61-7084-4fba-adc9-3bd261f206a8
http://www.extra.com.br/livros/ArtesCinemaTeatro/LivrodeTeatro/Livro-Hercules-Luiz-Antonio-Aguiar-4289788.html
http://www.buscape.com.br/que-haja-a-escrita-luiz-antonio-aguiar-8530504453

quarta-feira, 6 de abril de 2016

De Júlio Verne
a
Interestelar

A Ciência faz Histórias





               
                No  meu livro de terror + humor + aventura, “Memórias mal-assombradas de um fantasma canhoto”, um garotão maneiro, o Anjão, tem ideias muito instigantes sobre o que são fantasmas. Numa cena, ele diz: “... E se o que a gente chama de fantasma forem habitantes de um outro universo que às vezes se mistura com o nosso? Os cientistas chamam isso de interação... Pode acontecer. Só que a matéria e a energia de um universo paralelo são diferentes das do nosso. Daí, os habitantes desse universo parecem... outra coisa.”




                Tudo isso é parte de uma armadilha que ele e a turma dele, “Os Achudos”, estão aprontando pra cima do fantasmão que assombra essa história.
                Bem, claro que o Anjão é um nerd tipo vidrado em ciência.
                Mas, meu caso aqui é dizer que a Literatura – de aventura, mistério, suspense – precisa atualizar seus temas. E uma dessas fontes são as mais recentes descobertas e especulações das diversas ciências, da tecnologia, que anunciam um universo magnificamente interessante, que se tornará acessível para todo mundo, nos próximos anos.
                Que serão o Universo no qual essa garotada de hoje fará sua vida.
                Que seria um barato começar a imaginá-lo, como escritores como Júlio Verne, lá no século XIX, alimentou a imaginação de muitos leitores seus, que se tornariam cientistas...







                Vou contar uma história curiosa...
Em Viagem à lua (1865), um projétil lançado da Terra deveria descer na Lua, numa cratera chamada Mar da Tranquilidade. Isso não aconteceu, no livro de Verne, para frustração de muitos leitores, que sonhavam com a conquista do nosso satélite natural, mesmo que fosse na ficção. No entanto, muitos desses leitores se tornaram cientistas e inventores. E todos os cientistas e inventores do século XX, todos os que mantiveram o sonho de chegar à Lua, foram necessariamente leitores de Júlio Verne, que os contaminou com o micróbio da ciência e, especificamente, das viagens espaciais.
Daí, em 20 de julho de 1969, quando a Apollo 11 alunisou (desceu na Lua), pousou... no Mar da Tranquilidade. Porque Verne adivinhou que isso iria acontecer? Não creio... Mas creio que aqueles cientistas-leitores de Verne, desde quando resolveram dedicar sua vida à ciência, à astronomia e à engenharia especial, somente tinham um lugar, em suas mentes, onde o “pequeno passo de um homem, mas um passo gigantesco para a Humanidade” deveria ser dado: no Mar da Tranquilidade. Verne e Viagem à Lua  foi a inspiração de muitas dessas pessoas que idealizaram e realizaram o Projeto Apollo.
Em suas “Viagens Maravilhosas”, a série de aventuras que escreveu, Júlio Verne botou em cena diversos ramos da ciência. O mais evidente foi em “20 Mil Léguas Submarinas” (1870), com o prodígio do submarino Nautilus e do seu gênio, o capitão Nemo. E não podemos esquecer que outro dos personagens principais, o Professor Aronnax, é um grande naturalista, especializado em vida marinha – todo um mundo desconhecido ainda da grande maioria das pessoas na época.
Também em Volta ao mundo em 80 dias (1872), entrou um tanto de invenção, de atualização, sem os quais a trama seria impossível. Phileas Fogg propôs a aposta ciente de que novidades nos diversos meios e vias de transporte, que pretendia utilizar, tornariam possível dar a volta ao mundo naquele prazo que os outros achavam impossível.

Verne assim colocou a ciência dentro da história. As novidades. A imaginação de um mundo diferente, desafiante totalmente renovado, no século seguinte. Era um homem que acreditava no futuro. E que enxergava como esse futuro idealizado atraía o interesse dos leitores. Sua Viagens Maravilhosas foram um espetacular sucesso. E seus livros são lidos até hoje com prazer.








Bem, mas se Verne usava  como fantasia  a viagem do homem à Lua, ou seja, uma aventura restrita ainda ao nosso micro-sistema orbital (Terra-Lua), Arthur Clarke, em 1968, um ano antes de Neil Amstrong pisar o solo lunar, lançava um livro que iria fazer borbulhares todas as mentes daquele tempo quando ainda não eram chamados de nerds. Foi 2001, uma odisseia no espaço[1].  Na trama, uma missão espacial vai da Terra a Júpiter desvendar um mistério que tem a ver com uma civilização antiga, de nossa galáxia, e que criou uma maneira de fazer contato conosco, quando atingíssemos um certo nível de desenvolvimento científico e tecnológico. Enfatizo: se a ação, agora, já não é mais restrita à nossa vizinhança orbital mais próxima, ainda não deixa o Sistema Solar.
Dando outro grande salto, temos o recente Interestelar (2014). Novamente, uma missão especial, que sai em busca de um planeta alternativo para a espécie humana – já que a Terra se tornara inabitável (irrespirável)... E que acaba defrontando-se com as singularidades de um buraco negro,  com o labirinto em que as leis da relatividade transformam o espaço-tempo, o antes e o depois, o passado e o futuro.



Quem lê um texto farejando as intenções do autor – instinto detivesco ! – já deve ter percebido aonde quero chegar. O “universo” está se expandindo (não somente no cosmos, de fato) na ficção, nas demandas e exigências de nossa imaginação. Há cento e sessenta e poucos anos, juntávamos um bando de cientistas, que construíam um gigantesco super canhão (foi assim em “Viagem à Lua”), que disparava um projétil para alcançar a Lua. Hoje, nos envolvemos nas intimidades das forças fundamentais que criaram e sustentam este e outros universos – já que não mais se pensa em um único Universo, mas em múltiplos universos, no MULTIVERSO, segundo concepção corrente.  
Ou por outra... quando eu tinha 11 anos, meio século atrás, no colégio religioso onde estudei, se não era declaradamente pecado, era quase,  perguntar-se se haveria outros planetas, além do Sistema Solar. Em 1989, o Telescópio Hubble foi posto no espaço, um ano depois começou a nos enviar fotografias, e hoje sabemos que existem (porque já os “enxergamos”) pelo menos outros dez mil planetas, além das bordas do Sistema Solar, o que sugere fortemente que existam incontáveis planetas, galáxia afora, e sabe-se lá quantos e o que mais, nesse universo de bilhões de galáxias.




Novamente: o universo está ficando maior. A imaginação de nossos leitores – o que eles prenunciam do futuro próximo -  está com novas demandas, novas exigências. A ciência, as descobertas, as especulações científicas, sempre foram fonte, tema, ambientação para grandes aventuras, para livros e autores muito populares. Não estaria em tempo de os autores brasileiros entenderem um pouco mais de ciência? lerem um pouco mais sobre as descobertas científicas que estão se acumulando? Suprirem-se de informação e superarem esse atraso, em relação ao que o mundo lá fora lê, sonha, conversa...?



Uma dica... Um joguinho de computador super popular entre a garotada: Minecraft. Tem até romances-aventuras passados no universo Minecraft, e que são avidamente lidos por essa garotada que a gente cisma que não lê. Podem não ler o que alguns de nós acham que eles deveriam ler, embora eles não achem. Mas lêem essas histórias... E tem mais. O jogo é uma divertida exploração das concepções de universos paralelos, própria dos nerds e dos cientistas mais ousados. Entra-se por um buraco, uma fenda, e se sai num novo cenário, numa nova “textura”... num outro universo. E o garoto e a garota estão lá, se habituando a essa maneira nova de entender dimensões, tempo e espaço... que bem podem ser aquela à qual estarão vivenciando no cotidiano do seu mundo, daqui a alguns anos... (enquanto alguns dos “velhos”  de hoje vão insistir em temáticas locais, analógicas, ditas edificantes e/ou cívicas...).
Um passeio por capas de revistas já é o bastante para “suspeitarmos” quantos novos temas se abrem para a imaginação e quantas e quantas histórias há para serem escritas. E não somente pensando em Física, Astronomia...







O passado tem encantado tanto quanto a imaginação futurista, e desde Indiana Jones que a Arqueologia está na moda e nas fantasias desse pessoal que queremos como nossos leitores. Tudo a ver!



ARQUEOLOGIA E AVENTURA

Mistérios do passado
dando encrenca para uma garotada 
aqui e agora! 
   





A Engenharia Genética tem proposto soluções para o tratamento de doenças que já aterrorizaram tanto as pessoas, que sequer seu nome era pronunciado dentro de caso – o câncer, por exemplo... que hoje, muitos casos, é tratável e curável[2]. Não há mais sentido em se apavorar com o câncer, o diagnóstico de câncer não é mais uma sentença de morte, e esse é um mundo diferente do que há duas ou três décadas atrás.  
E olha que nem vou falar de informática, inteligência artificial, robótica... [3]





E das cavernas e subcavernas da Internet... e de outras nets ocultas... 
E sabe-se lá mais o que poderíamos escavar, inventar, xeretar...
Nesse novo cosmos, há tantos dilemas, tantos conflitos (a velha, permanente, universal Natureza Humana) a explorar, testando o que muda, o que não muda quando pomos nossos personagens indo até onde nenhum homem nem mulher jamais esteve. 
Em suma, vamos atualizar as histórias que escrevemos? Vamos ler mais sobre ciência, sobre as descobertas que acontecem num ritmo e num volume doidos? Vamos estimular que mais e mais leitores nossos se apaixonem por esses temas?  Que chamar alguém de futurista seja tão legal quanto chamá-lo de irado? Vamos corresponder à paixão e ao pioneirismo, a coragem para ser pousado, arrebitado e diferente, dos nerds?  ... E ao que mais atrai os leitores que tanto desejamos agradar?[4]

Montes deles, de preferência!

Vida Longa e Prosperidade para todos!
Que a Força esteja com vocês!
Nerds... Tamo’Junto! (Eu  nerds)
e=mc2 até segunda ordem!

               




[1] Estou pulando um bocado de gente, como H.G. Wells, com A guerra dos mundos, de 1868, mas minha intenção não é escrever sobre ficção científica, por isso, esta simplificação serve bem ao tema... Creio que a maioria das pessoas não leu 2001, uma odisseia no espaço, o que é uma pena, e conhece a história (com modificações em relação ao original) apresentada na antológica versão cinematográfica, do mesmo ano, dirigida por Stanley Kubrick. Por exemplo, o Planeta-destino da nave comandada pelo computador serial killer, HAL, é Saturno, no primeiro livro, e Júpiter, no filme e nos episódios seguintes (2010, o ano em que faremos contato). Vou resumir bastante a trama, aqui, mencionando somente o quen é necessário para este artigo.
[2] Não deixa de ser irônico que,  enquanto no mundo doenças como essa são alvo de pesquisas avançadíssimas, no Brasil (mas não somente aqui), doenças do século XIX, como a dengue, a zica e a febre amarela constituam o pesadelo atual de nossa população.  
[3] Ave,Isaac Asimov!
[4] Usei essa palavra por pura provocação porque tem muito chato que diz que não devemos procurar agradar nossos leitores. Eu quero sim... agradar, adular, babar, cativar, seduzir, intrigar... O que aliás é uma meta totalmente consistente com a Cultura e a Literatura Pops. Como Júlio Verne bem fazia!