quarta-feira, 30 de novembro de 2016


Literatura não é tortura


Luiz Antônio Aguiar




Diante de algumas situações de inércia, torna-se necessário repetir o óbvio: Literatura é prazer. Um prazer às vezes combinado à dor, à perplexidade e à turbulência mental/existencial: que se confunde com gana de viver mais o mundo. Mas, Prazer!!! 

Transformada em dever de casa ou/e matéria de prova – como acontece  quando ignoram (inercialmente) a viva discussão que se empreende contra a utilização paradidática da literatura para crianças e jovens leitores – seu efeito é devastador: forma gerações de inimigos do livro, para quem malignos autores aliados a sádicos professores conspiraram para arruinar os fins de semana de jovens saudáveis e desejosos de viver.

O desafio posto é o seguinte: precisamos seduzir o jovem e a criança para a Literatura: devemos rejeitar, repudiar todos os artifícios que tornem a Literatura uma obrigação. Literatura não é coadjuvante nem acessório do currículo. Não pode ser rebaixada a servir de instrumento (paradidático) do ensino da gramática, muito menos da moral e dos bons costumes e de molduras afins.

Pelo contrário,  coloca-se ao lado do leitor no seu direito de experimentar o mundo. Há professores-heróis-idealistas que, apaixonados pela Literatura, a tornam, para a garotada, no maior estímulo a descobertas e ao crescimento intelectual e espiritual. Mas, nem sempre isso é incentivado, até mesmo por exigências mercadológicas.

Ler Literatura é um ato de troca entre o indivíduo e o livro. É um ato também de intimidade (introspecção) e de liberação. Não pode ser devassado por pressões externas,  por "cobranças de leitura", disfarçadas em trabalhos pós-leitura, nem pelo que «vai cair na prova» ou pela interpretação que " o gabarito determina como correto". Literatura, enfim, é algo à parte, singular, dentro de casa, na escola e no mundo. É um procedimento de formação informal, iluminista e humanista, visionário e especulativo, subjetivo e incerto como a vida (costumo dizer que às vezes é caso único de se plantarem tomates para colherem-se pirâmides). É para ser oferecido em espaços estimulantes e particularizados, tais como oficinas, bibliotecas, espaços extracurriculares – que não valem nota –, que podem se dar ao luxo de transgredir, de cultuar o proibido, de praticar o lúdico, sugerir o acesso ao inconfessável e explorar o conflito. Precisa tornar-se tentadora, irresistível, fascinante. Fracassa sempre que o jovem ou a criança se refiram ao momento de ler Literatura com um «ai, que saco!» do qual não tem como escapar.

Enfim, leitura e escritura são uma coisa só. São um gesto de apropriação do mundo, de descoberta e de aprofundamento, através da expressão escrita. São para romper (ou para oferecer a possibilidade de ruptura a quem queira tentá-la) o monolitismo bem-aceito e para inventar humanas verdades contra a ditadura da verdade única. São o «hipermercado... de impossíveis possibilíssimos» (Drummond, A suposta existência), onde o leitor produz matéria-prima para criar mundos para si. São a aventura que não estará nunca refletida no boletim escolar, mas no reconhecimento do que se ganhou, do que se aproveitou e se ampliou na existência.


(Publicado no «Caderno de Idéias», Jornal do Brasil, 30/4/94

domingo, 13 de novembro de 2016

LIMA BARRETO É  POP TAMBÉM
Luiz Antonio Aguiar



- Vossa excelência vai obrigar o povo a andar nu.
- Não apoiado. O vestuário deve ser coisa 
majestosa e imponente, para bem impressiona
os estrangeiros que nos visitem.

Os Bruzundangas






                Escolhido como escritor homenageado para a FLIP 2017, Lima Barreto não deveria ser lembrado somente pelo (glorioso!) O triste fim de Policarpo Quaresma. Há mais a se descobrir nesse escritor que transformou desilusão (com a República), padecimento pessoal e rebeldia em pura Literatura. Aqui, dou dicas de leitura que mostram um Lima Barreto em facetas de caricatura/paródia e aventura, muito pouco mencionadas.





Apesar do humor ácido empregado nos textos, 
ao ler Os Bruzundangas, tenha certeza
 de que seu autor os escrevia também num 
tom de lamento. É possível, ainda, imaginar
 que se trate de uma obra dolorida, sofrida,
 um desabafo feito por quem preferiria retratar 
seu país de maneira bem diferente. 
Quem sabe como o país sonhado por Policarpo Quaresma, um
 dos mais íntegros e 
idealistas personagens da Literatura Brasileira? 

Luiz Antonio Aguiar em 
"À moda de Gulliver", 
comentário à edição da FTD de Os Bruzundangas



Entre abril e junho de 1905, Lima Barreto, então repórter do Correio da Manhã, publicou uma série de reportagens sobre escavações no Morro do Castelo, parte do empreendimento de modernização da cidade do Rio de Janeiro, promovido pelo Prefeito Pereira Passos. Na época, foi descoberto um enorme labirinto de galerias, abaixo do antigo convento jesuíta, datado do século XVI. Já nessa época, o Colégio Jesuíta fundado por Manuel da Nóbrega servia a outras destinações – os Jesuítas foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII. O Convento seria demolido em 1922.
                A descoberta das misteriosas galerias, cujo propósito permanece desconhecido, levantou rocambolescas  hipóteses. Talvez, fossem uma via de fuga dos jesuítas – já prevendo as perseguições que sofreriam, por parte do todo poderoso Pombal. E a mais popular dessas histórias, que acabaram se transformando em lendas urbanas do Rio de Janeiro antigo, falava num colossal tesouro que os jesuítas, não podendo carregar consigo, ao serem expulsos do país, deixaram oculto, naqueles subterrâneos.
                As galerias, segundo alguns, também teriam servido de passagem para os assassinos do pirata Jean François Duclerc.  Os piratas de Duclerc haviam chegado por mar e feito uma tentativa de tomar a cidade, em 1710.  A invasão foi repelida e Duclerc, capturado. No entanto, foi misteriosamente assassinado, durante a madrugada, na mansão que lhe servia de prisão, em 17 de março de 1711.



Envolta em segredos e mistérios, a morte de Duclerc serviu de desculpa para a segunda invasão francesa, naquele mesmo ano, promovida pelo pirata Dugain Trouin. Dessa vez, bombardeado pelos canhões da poderosa frota francesa, o Rio de Janeiro teve (segundo alguns historiadores, os moradores mais ricos da cidade preferiram não lutar) de se render. O pirata saqueou a cidade e maltratou o povo das ruas por 40 dias, somente se retirando mediante o pagamento de um resgate. Na verdade, Duclerc e Touin eram corsários que saqueavam  a serviço do seu rei, Luis XIV, e de patrocinadores da iniciativa privada francesa, aos quais cabia uma alta percentagem dos butins aferidos.
Os subterrâneos do Morro do Castelo, ou, D. Garça, é um folhetim, publicado no Correio da Manhã, em que Lima Barreto, aproveitando a curiosidade popular atiçada pela descoberta das galerias subterrâneas,  cria uma versão ficcional para o assassinato de Duclerc, reavivando o mistério sobre uma secreta história de amor e sobre tramas envolvendo o lendário tesouro do Morro do Castelo.

O própio Lima Barreto em participação especial em 
O triste Fim de Policarpo Quaresma em HQ
Roteiro Luiz Antonio Aguiar / Desenho Cesar Lobo



É uma obra aventuresca, um folhetim, de enorme apelo para os leitores, como muitas histórias de mistério e ação da Literatura Pop de hoje. Não seria todo escritor – mas somente um com gana de alcançar os leitores, de seduzi-los e entretê-los –, que se atreveria a publicar uma obra que poderia (e foi) considerada menor, literatura barata.



"O Escritor Guerreiro

            Ao abrir mão de criar uma obra
 mais profundamente ficcional, em Os bruzundangas,
 Lima Barreto cunha suas críticas 
mais contundentes
 à sociedade brasileira. Há trechos 
em que o ataque tem alvos certeiros, inclusive 
a defesa de suas concepções e práticas literárias."

Luiz Antonio Aguiar
em "Os Desiludidos",
comentário à edição da FTD de
Os Bruzundangas







Ainda na linha POP, preconizada inadvertidamente por Lima Barreto, temos Os Bruzundangas (1923), uma paródia, impregnada de ironia, e que carrega um certo tom de As aventuras de Gulliver (1726 , alterado em 1735), de Jonathan Swift.  A República dos Bruzundangas é uma sátira corrosiva, debochada, dos desacertos da incipiente república brasileira, principalmente nos anos da ditadura de Floriano Peixoto – que não foi chamado de O Marechal de Ferro à toa. Uma paródia sem rabo preso ao limitante realismo,  em que a fantasiosa República da Burungúdia espelha a matéria- prima perfeita do seu original, para essa caricatura que expõe o dano que pode produzir a mediocridade humana, política e cultural (realista?), combinada ao autoritarismo. A nação inventada por Lima Barreto ostenta, sem constrangimento,  vícios familiares ao leitor brasileiro. 
Vale lembrar também, como investida na paródia fantástica, O homem que sabia javanês – um malandrão que obtém enorme prestígio, e benefícios variados, fingindo saber o que ninguém no país pode conferir se ele sabe de fato. Trata-se de um conto de 1911,  outra peça em que ficam expostos a mediocridade intelectual e o viés farsesco da cultura oficial e erudita brasileira da virada do século.

Cena da adaptação em Graphic Novel


Sem o tom épico nem os heróis e heroínas de José de Alencar, nem a letalidade existencialista tramada com requintes de crueldade estética por Machado de Assis,  como reflexão para o Brasil de então e de hoje (!) Lima Barreto não poderia ser mais contundente. Homenageado pela FLIP, em 2017, teremos agora a chance de descobrir (e POPularizar!) os muitos momentos desse escritor que nunca foi aceito pelo status quo literário e cultural que lhe foi contemporâneo, um insubmisso jamais domesticado,  que encontrou seu jeito próprio e único de transformar o país, o cotidiano do povo e seu tempo em Literatura. 
É tempo de consolidá-lo como uma referência para o público e especialmente para todos nós que nos dedicamos ao ofício da escrita.


... Nem que seja para redimir, com sua segunda sentença, as palavras iniciais do profético fragmento que Lima Barreto deixou em seu relato autobiográfico...



“Viveu infeliz e morreu humilhado, mas teve glória e foi amado.”

Lima Barreto, O cemitério dos vivos (1920)

sexta-feira, 4 de novembro de 2016



O CASO DA ESCOLA FRIENDENREICH



Mistério, Terror e Suspense: e tudo isso é uma Oficina Literária!





RIO- Posta em risco pelo próprio poder público, a Escola Municipal Friedenreich, que quase foi demolida pelo governo Estadual para ser substituída por equipamentos de apoio aos megaeventos, registrou o melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da escolas públicas da cidade nos anos iniciais do ensino fundamental (4º e 5º ano), com nota 8,3, segundo dados divulgados hoje pelo Ministério da Educação (MEC). A unidade, localizada no Complexo do Maracanã, empatou no primeiro lugar com a Escola Municipal Roberto Coelho, e ficou à frente de escolas de excelência como o CAP-Uerj e Colégio Pedro II- unidade Humaitá.

(O Globo, reportagem de Paula Ferreira em 08/09/2016)
 






O CASO DA ESCOLA FRIENDENREICH começou para mim quando li a matéria acima no jornal. Havia ainda uma declaração da diretora da Escola, Sandra Russomano, explicando que o extraordinário aproveitamento escolar da sua garotada se devia a um intenso trabalho com Literatura realizado lá.
Telefonei para a Escola, falei com a Diretora, dizendo a ela que ficara interessado em visitar a Friedenreich, conhecer a escola, a Biblioteca e conversar com a garotada. Sandra me encaminhou para a Bibliotecária Andrea Neves. Eu já a conhecia (sem saber que trabalhava nessa escola), porque foi minha aluna num curso de qualificação para professores em Literatura, produzido pela parceria entre a SME-RJ e a FNLIJ.  Nesse curso, este ano, dei aulas de Literatura de Terror  e Literatura Policial.




Daí, tudo se encaixou... Porque Andrea, visitando este meu blog, viu meus “Seriados de Aventura”. Então, teve uma ideia. Começou a ler “Dados da Maldição” para uma garotada, e, para a outra, “A Hora das Sombras”. Contou  com a colaboração de outros professores, que tornaram suas aulas em sessões de leitura. A garotada gostou muito dos seriados, e daí teve a ideia de escrever histórias de mistério, suspense e terror. Então, Andrea me pediu que transformasse minha visita em uma OFICINA DE CRIAÇÃO LITERÁRIA, que teria um formato bastante breve, para os alunos de 4º, 5º e 6º anos, algo em torno de 150 meninas e meninos. Esse é o tipo de trabalho criativo com Literatura que destaca o Friendenreich, em avaliações como o Ideb.






Eu teria cerca de 1 hora para falar para cada turma. E todos os encontros deveriam ser no mesmo diz, 3 pela manhã e 3 à tarde. Bolei um trabalho na medida das possibilidades. Não seria uma oficina aprofundada, mas o que era viável fazer.  
Dividi  nosso encontro em duas partes. Numa primeira, eu daria dicas sobre como escrever (para mistério, suspense e terror) e, na segunda, eles me fariam perguntas sobre o texto que haviam lido, assim como eu daria recomendações de leitura de obras literárias, a depender do interesse que um e outro aluno fosse mostrando.
A parte de “dicas” foi necessariamente simples, bastante básica, em função do pouco tempo que tivemos. Falei da importância de um candidato a escitor ler bastante, principalmente livros que tivessem a ver com aquilo que ele queria escrever. 
O princípio é simples... Ler Literatura dá ideias e desenvolve habilidades para escrever Literatura. 
Depois, passei toques  sobre :







1)      como iniciar bem uma história (ganhar o leitor de início é fundamental, nesse tipo de Literatura);
2)      como criar um bom personagem principal, o protagonista; e também um pouco sobre elenco de apoio;
3)      como dar à história um bom final, que recompense a expectativa que criamos ao longo da trama.




Para arrematar, indiquei um livro meu, O mistério da Pegada Vermelha, como um mistério legal para eles lerem, conferirem tudo o que eu disse a respeito do gênero e bolarmos futuros trabalhos! 
Repito, tudo em termos bem breves, bem básicos, dentro das possibilidades.
Mas, a garotada gostou bastante, e eu mais ainda, por ter tido contato com eles, que são lindos, e com  professores e gestores de escolas heroicamente apaixonados por Literatura, e que fazem um trabalho importante, com resultados, mesmo nas condições precárias que são proporcionadas ao ensino público do Rio de Janeiro.

Esse foi o caso da Escola Friendereich.





OS SERIADOS QUE OS GAROTOS LERAM;

A Hora das Sombras




http://luizantonioaguiar.blogspot.com.br/search/label/A%20Hora%20das%20Sombras


Os Dados da Maldição



http://luizantonioaguiar.blogspot.com.br/2016/09/os-dados-da-maldicao-episodio-1_75.html