terça-feira, 13 de setembro de 2016


EPISÓDIO 19



No Episódio Anterior

                O braço de Liana riscou o ar. Ùgui gritou de dor. A garota, horrorizada, largou então o punhal. O sangue começou a correr da garganta de Úgui, tingindo de vermelho o chão. O garoto recuou alguns passos, tropeçando nas próprias pernas, sem conseguir se equilibrar. Então, murmurou, com toda a tristeza que poderia caber dentro dele:
- Liana... -, Úgui gemeu.

[E com vocês...o Penúltimo Episódio!]


A HORA DAS SOMBRAS



                 Logo que foi comunicado que um policial da Delegacia 12 Sul surtara e que invadira o território da Delegacia Centro 5 com seu veículo blindado, o Operacional Unificado dos Condomínios decidiu tomar providências. Tinham por princípio, em obediência à política traçada na Matriz,  se envolverem o mínimo possível em conflitos locais. Mas, foi avaliado que uma guerra entre policiais poderia trazer consequências desastrosas.
                Mal ou bem, a polícia impunha uma primeira barreira aos “nativos”, impedindo-os de qualquer acesso à zona dos condomínios. Manter mendigos, bandos e outras perturbações distantes, como se não existissem, era um compromisso contratual e uma exigência dos executivos.
Os três complexos foram chamados a enviar efetivos. No caso do Fortificado Atlântica Sereia, submetido a uma permanente contenção de custos por determinação do seu supervisor, isso implicaria em mobilizar para a ação forças já comprometidas com funções de segurança interna. Não havia unidades de reserva, graças à permanente política de contenção de custos.
A mensagem de alerta do Delegado Zerossix, eximindo sua delegacia de qualquer responsabilidade na ação do blindado extraviado fora captada como uma ameaça à estabilidade dos arranjos locais. Com efeito, mal o policial atacou um blindado da 5ª Centro, fazendo vítimas, os policiais de lá se revoltaram, passaram por cima das ordens de seus superiores – para que se limitassem a caçar o veículo invasor – e marcharam sobre a 12ª Sul.
O Operacional Unificado enviou três helicópteros para a área de conflito. Um deles tinha ordens de guardar a fronteira entre as duas delegacias. A esperança era abater prontamente o blindado rebelado para abortar a crise. No entanto, nessa altura, Bazu já havia esquecido quem era seu inimigo, no momento, e penetrara também no território da 4ª Delegacia, que respondeu enviando um pelotão, que por sua vez entrou em conflito com o pelotão enviado pela 5ª, no momento em que o da 12ª e da 13ª atacaram, pensando que estavam fazendo fogo unicamente sobre a 5ª, mas abatendo unidades das delegacias do Centro e também do Operacional Unificado.
Quando se viu, as delegacias haviam entrado em conflagração geral, todos contra todos, sem ninguém saber ao certo quem estava no comando e contra quem estavam  disparando.

<<<>>> 

[19 ...continua]
E, no que tocava ao Condomínio Fortificado Atlântica Sereia, o que importava  era que, para atender à convocação do Unificado, as posições internas – como as guaritas que vigiavam a entrada da garagem de carga – foram desguarnecidas. Por isso, não houve nenhuma intervenção deles em todo o episódio.
O ex-engenheiro das piscinas, CÊ-Dê, não sabia disso, ou não estaria tão nervoso, enquanto aguardava pelo retorno do garoto – com ou sem a “paixão do chefe”. Temia que a qualquer momento, seguindo a rotina, uma ronda aparecesse por lá e o detivesse.
“Devia ter dito ao garoto que só ia aguardar meia hora por ele”, recriminava-se CÊ-Dê. “Aliás, se eu tivesse juízo, ia embora agora!”...
                Já o Supervisor, em seu gabinete, alisava as têmporas, tenso, diante da situação, maldizendo os muitos problemas com que tinha de lidar, quando a secretária surgiu na tela da sua mesa, anunciando que Chokita pedia para falar com ele.
                - Mas, por que ela não me contatou pelo comunicador? – rugiu o Supervisor, sobressaltado. – O que aconteceu?
                - Não sei, senhor! – gaguejou a moça. – Mas, ela disse que é urgente. E que precisa falar com o senhor pessoalmente.
                - Mande que a tragam aqui! – disse ele, rispidamente.
                Chokita jamais estivera naquele gabinete. A rigor, aliás, não tinha permissão sequer para solicitar entrar ali. Sabia de garotas que haviam sido devolvidas para as ruas por terem se atrevido a por os pés fora da Torre. Mas, tinha certeza de que  o Supervisor gostaria de saber das novidades sobre sua patroa, e não poderia lhe contar nada com ela escutando. Por isso, venceu o medo que o olhar duro do Supervisor deixou desabar sobre ela e conseguiu falar...
                E realmente, à medida que relatava que a garota A1 o estava esperando, no apartamento, e do jeito como ele sempre quis, disposta a agradá-lo e vestida para recebê-lo, que ela tinha afinal cumprido sua tarefa... um sorriso foi se desenhando no rosto do Supervisor.
                - Você vai ser bem recompensada! – prometeu ele. – Um vestido novo. Um ano de chocolates especiais. Talvez, um colar. Vai ser promovida. Qual a sua categoria, hoje?
                - D3 – disse ela. E não se conteve mais.
                Disparou a descrever em detalhes toda a sua insistência, que por fim convencera Liana. O Supervisor não esperou que ela conseguisse se calar. Já se levantara de sua poltrona – e nem assim Chokita parava de falar. Ele não a escutava mais. Passou por ela, a caminho da porta. Chokita compreendeu que deveria segui-lo para fora do gabinete. O Supervisor deteve-se somente na mesa da sua secretária, para deixá-la a cargo das providências com Chokita, ordenando que todas as comunicações que recebesse fossem gravadas. A crise entre as delegacias ainda não havia atingido seus momentos mais dramáticos.
                - Alojamento categoria A3 para ela! Só até amanhã.  – disse, apontando Chokita. E, voltando-se para ela, ordenou: - Não apareça mais no apartamento esta noite.
                No trajeto até a Torre, pensou em levar flores – mas teria de pedir ao DELEX para trazê-las, e isso implicaria em burocracia... espera ... Não. “Além do mais, não devo parecer meloso demais. Eu venci a batalha! Eu venci!”
                Na entrada do apartamento, mudou de ideia novamente e fez menção de retornar. Mas, poderia encomendar as flores dali mesmo, e aguardaria a entrega já na companhia da garota – que finalmente, ele assim esperava, lhe diria seu nome. Que conversaria com ele.  Que lhe faria pedidos e...
                Suas mãos tremiam, quando abriu a porta, na expectativa de onde ela o estaria esperando... “Na sala?... No quarto?”... Suas pernas, ansiosamente, já se conduziam sozinhas, apertando o passo...
                E foi então que escutou o grito de Liana. E deu-se conta da presença de Úgui – que, mesmo ferido e atordoado, voou sobre ele, atacando-o. O ferimento na sua garganta sangrava ainda, mas não fora profundo. O sangue do rapaz manchou imediatamente o terno elegante do Supervisor, que ficou sem ação por um segundo... e caiu para trás sob o impacto do salto de Úgui sobre ele.


<<<>>> 

[19 ...continua]

                O Supervisor era um homem corpulento. E não descuidava de algum treinamento físico – normas da corporação para executivos em regiões remotas. Conseguiu lançar Úgui para o lado e rolou, erguendo o tronco.  O disparador elétrico estava num bolso interno do paletó. O Supervisor sacou o dispositivo e acionou-o contra Úgui.
                - Seu... rato nojento! – rugiu o homem. – Você não sabe quem eu sou! Como se atreve a me tocar?  Pensou que a iria tomar... de mim? Ela é minha! Quem manda aqui sou eu! Mais ninguém! Eu sou o poder aqui! Eu! Sou um dos que inventaram que este país ainda existe! Só que não existe mais nada parecido com um país! É tudo mentira! E você é um dos que acreditam nessa historinha! Vai morrer por causa da sua estupidez! Vai morrer e ser atirado numa lixeira, junto com restos de comida e sacos de descarte de fezes, por acreditar nessas historinhas!  Vai morrer por nada! Você é nada! Este país é nada! 
                Úgu não entendeu uma palavra sequer do que lhe disse o Supervisor. Mesmo que compreendesse o que ele falava – o que não era o caso – não entenderia. A descarga o havia tonteado e o fez perder parte do controle de seus movimentos. Mas, ainda conseguiu voltar para cima dele, acertando um chute na sua mão, que jogou longe o disparador. A segunda pancada foi com o calcanhar, de cima para baixo, na cara do Supervisor, quebrando-lhe os implantes dentários da frente e fazendo-o sangrar. Úgui lutava contra a sensação de desmaio, contra a dor que se irradiava em aguilhadas por todos os músculos,  e, mesmo com a vista se turvando cada vez mais,  enganchou-se nas pernas do Supervisor. O disparador elétrico fora parar junto aos pés de Liana, que o apanhou por puro reflexo.
                A garota tentava fazer mira, mas suas mãos tremiam, ela chorava. A cãibra começou a se espalhar pelos braços e pernas de Úgui – efeitos do choque elétrico. E agora o Supervisor parecia reanimar-se. Com um safanão, livrou-se de Úgui. 
                Finalmente, Liana conseguiu firmar o disparador. Úgui percebeu que ela o apontava para ele. Sem poder mais reagir, quase sem fôlego, encarou a garota, que ele pensava que fosse sua, com tristeza.
“Não quero perder mais nada!”, pensou Liana.
                - Atire! – ordenou o Supervisor, cuspindo sangue e cacos de dentes. - Atire logo, coragem. Paralise o nojento.  Vou ordenar que o matem devagar, depois! Atire! Estou mandando você atirar!
                De repente, Liana girou o disparador no ar e apertou a tecla de disparo. A centelha desprendeu-se, o dardo atingiu o Supervisor no rosto. Ela continuou pressionando a tecla, repetidamente, liberando uma descarga depois da outra. O Supervisor perdeu os sentidos e desabou no assoalho, tremendo convulsivamente.




Na Próxima Semana...
O EPISÓDIO FINAL
de
A HORAS DAS SOMBRAS
No Ar dia 18/04
Todos os episódios continuarão no BLOG e no Wattpad

Nenhum comentário:

Postar um comentário