EPISÓDIO 19
No Episódio Anterior
O braço de Liana riscou o ar. Ùgui gritou de dor. A
garota, horrorizada, largou então o punhal. O sangue começou a correr da
garganta de Úgui, tingindo de vermelho o chão. O garoto recuou alguns passos,
tropeçando nas próprias pernas, sem conseguir se equilibrar. Então, murmurou,
com toda a tristeza que poderia caber dentro dele:
-
Liana... -, Úgui gemeu.
[E com vocês...o Penúltimo Episódio!]
A HORA DAS SOMBRAS
Logo que foi comunicado que um policial da
Delegacia 12 Sul surtara e que invadira o território da Delegacia Centro 5 com
seu veículo blindado, o Operacional Unificado dos Condomínios decidiu tomar
providências. Tinham por princípio, em obediência à política traçada na
Matriz, se envolverem o mínimo possível
em conflitos locais. Mas, foi avaliado que uma guerra entre policiais poderia
trazer consequências desastrosas.
Mal
ou bem, a polícia impunha uma primeira barreira aos “nativos”, impedindo-os de
qualquer acesso à zona dos condomínios. Manter mendigos, bandos e outras
perturbações distantes, como se não existissem, era um compromisso contratual e
uma exigência dos executivos.
Os três
complexos foram chamados a enviar efetivos. No caso do Fortificado Atlântica
Sereia, submetido a uma permanente contenção de custos por determinação do seu
supervisor, isso implicaria em mobilizar para a ação forças já comprometidas
com funções de segurança interna. Não havia unidades de reserva, graças à
permanente política de contenção de custos.
A mensagem de
alerta do Delegado Zerossix, eximindo sua delegacia de qualquer
responsabilidade na ação do blindado extraviado fora captada como uma ameaça à
estabilidade dos arranjos locais. Com efeito, mal o policial atacou um blindado
da 5ª Centro, fazendo vítimas, os policiais de lá se revoltaram, passaram por
cima das ordens de seus superiores – para que se limitassem a caçar o veículo
invasor – e marcharam sobre a 12ª Sul.
O Operacional
Unificado enviou três helicópteros para a área de conflito. Um deles tinha ordens
de guardar a fronteira entre as duas delegacias. A esperança era abater
prontamente o blindado rebelado para abortar a crise. No entanto, nessa altura,
Bazu já havia esquecido quem era seu inimigo, no momento, e penetrara também no
território da 4ª Delegacia, que respondeu enviando um pelotão, que por sua vez
entrou em conflito com o pelotão enviado pela 5ª, no momento em que o da 12ª e
da 13ª atacaram, pensando que estavam fazendo fogo unicamente sobre a 5ª, mas
abatendo unidades das delegacias do Centro e também do Operacional Unificado.
Quando se viu,
as delegacias haviam entrado em conflagração geral, todos contra todos, sem
ninguém saber ao certo quem estava no comando e contra quem estavam disparando.
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[19 ...continua]
E, no que
tocava ao Condomínio Fortificado Atlântica Sereia, o que importava era que, para atender à convocação do
Unificado, as posições internas – como as guaritas que vigiavam a entrada da
garagem de carga – foram desguarnecidas. Por isso, não houve nenhuma
intervenção deles em todo o episódio.
O
ex-engenheiro das piscinas, CÊ-Dê, não sabia disso, ou não estaria tão nervoso,
enquanto aguardava pelo retorno do garoto – com ou sem a “paixão do chefe”.
Temia que a qualquer momento, seguindo a rotina, uma ronda aparecesse por lá e
o detivesse.
“Devia ter
dito ao garoto que só ia aguardar meia hora por ele”, recriminava-se CÊ-Dê.
“Aliás, se eu tivesse juízo, ia embora agora!”...
Já
o Supervisor, em seu gabinete, alisava as têmporas, tenso, diante da situação,
maldizendo os muitos problemas com que tinha de lidar, quando a secretária
surgiu na tela da sua mesa, anunciando que Chokita pedia para falar com ele.
-
Mas, por que ela não me contatou pelo comunicador? – rugiu o Supervisor,
sobressaltado. – O que aconteceu?
-
Não sei, senhor! – gaguejou a moça. – Mas, ela disse que é urgente. E que
precisa falar com o senhor pessoalmente.
-
Mande que a tragam aqui! – disse ele, rispidamente.
Chokita
jamais estivera naquele gabinete. A rigor, aliás, não tinha permissão sequer
para solicitar entrar ali. Sabia de garotas que haviam sido devolvidas para as
ruas por terem se atrevido a por os pés fora da Torre. Mas, tinha certeza de
que o Supervisor gostaria de saber das
novidades sobre sua patroa, e não poderia lhe contar nada com ela escutando.
Por isso, venceu o medo que o olhar duro do Supervisor deixou desabar sobre ela
e conseguiu falar...
E
realmente, à medida que relatava que a garota A1 o estava esperando, no
apartamento, e do jeito como ele sempre quis, disposta a agradá-lo e vestida
para recebê-lo, que ela tinha afinal cumprido sua tarefa... um sorriso foi se
desenhando no rosto do Supervisor.
-
Você vai ser bem recompensada! – prometeu ele. – Um vestido novo. Um ano de
chocolates especiais. Talvez, um colar. Vai ser promovida. Qual a sua
categoria, hoje?
-
D3 – disse ela. E não se conteve mais.
Disparou
a descrever em detalhes toda a sua insistência, que por fim convencera Liana. O
Supervisor não esperou que ela conseguisse se calar. Já se levantara de sua
poltrona – e nem assim Chokita parava de falar. Ele não a escutava mais. Passou
por ela, a caminho da porta. Chokita compreendeu que deveria segui-lo para fora
do gabinete. O Supervisor deteve-se somente na mesa da sua secretária, para
deixá-la a cargo das providências com Chokita, ordenando que todas as
comunicações que recebesse fossem gravadas. A crise entre as delegacias ainda
não havia atingido seus momentos mais dramáticos.
-
Alojamento categoria A3 para ela! Só até amanhã. – disse, apontando Chokita. E, voltando-se
para ela, ordenou: - Não apareça mais no apartamento esta noite.
No
trajeto até a Torre, pensou em levar flores – mas teria de pedir ao DELEX para
trazê-las, e isso implicaria em burocracia... espera ... Não. “Além do mais,
não devo parecer meloso demais. Eu venci a batalha! Eu venci!”
Na
entrada do apartamento, mudou de ideia novamente e fez menção de retornar. Mas,
poderia encomendar as flores dali mesmo, e aguardaria a entrega já na companhia
da garota – que finalmente, ele assim esperava, lhe diria seu nome. Que
conversaria com ele. Que lhe faria
pedidos e...
Suas
mãos tremiam, quando abriu a porta, na expectativa de onde ela o estaria
esperando... “Na sala?... No quarto?”... Suas pernas, ansiosamente, já se
conduziam sozinhas, apertando o passo...
E
foi então que escutou o grito de Liana. E deu-se conta da presença de Úgui –
que, mesmo ferido e atordoado, voou sobre ele, atacando-o. O ferimento na sua
garganta sangrava ainda, mas não fora profundo. O sangue do rapaz manchou
imediatamente o terno elegante do Supervisor, que ficou sem ação por um
segundo... e caiu para trás sob o impacto do salto de Úgui sobre ele.
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[19 ...continua]
O
Supervisor era um homem corpulento. E não descuidava de algum treinamento
físico – normas da corporação para executivos em regiões remotas. Conseguiu
lançar Úgui para o lado e rolou, erguendo o tronco. O disparador elétrico estava num bolso interno
do paletó. O Supervisor sacou o dispositivo e acionou-o contra Úgui.
-
Seu... rato nojento! – rugiu o homem. – Você não sabe quem eu sou! Como se
atreve a me tocar? Pensou que a iria tomar...
de mim? Ela é minha! Quem manda aqui sou eu! Mais ninguém! Eu sou o poder aqui!
Eu! Sou um dos que inventaram que este país ainda existe! Só que não existe
mais nada parecido com um país! É tudo mentira! E você é um dos que acreditam
nessa historinha! Vai morrer por causa da sua estupidez! Vai morrer e ser
atirado numa lixeira, junto com restos de comida e sacos de descarte de fezes, por
acreditar nessas historinhas! Vai morrer
por nada! Você é nada! Este país é nada!
Úgu
não entendeu uma palavra sequer do que lhe disse o Supervisor. Mesmo que
compreendesse o que ele falava – o que não era o caso – não entenderia. A
descarga o havia tonteado e o fez perder parte do controle de seus movimentos.
Mas, ainda conseguiu voltar para cima dele, acertando um chute na sua mão, que
jogou longe o disparador. A segunda pancada foi com o calcanhar, de cima para
baixo, na cara do Supervisor, quebrando-lhe os implantes dentários da frente e
fazendo-o sangrar. Úgui lutava contra a sensação de desmaio, contra a dor que
se irradiava em aguilhadas por todos os músculos, e, mesmo com a vista se turvando cada vez
mais, enganchou-se nas pernas do
Supervisor. O disparador elétrico fora parar junto aos pés de Liana, que o
apanhou por puro reflexo.
A
garota tentava fazer mira, mas suas mãos tremiam, ela chorava. A cãibra começou
a se espalhar pelos braços e pernas de Úgui – efeitos do choque elétrico. E
agora o Supervisor parecia reanimar-se. Com um safanão, livrou-se de Úgui.
Finalmente,
Liana conseguiu firmar o disparador. Úgui percebeu que ela o apontava para ele.
Sem poder mais reagir, quase sem fôlego, encarou a garota, que ele pensava que
fosse sua, com tristeza.
“Não quero
perder mais nada!”, pensou Liana.
-
Atire! – ordenou o Supervisor, cuspindo sangue e cacos de dentes. - Atire logo,
coragem. Paralise o nojento. Vou ordenar
que o matem devagar, depois! Atire! Estou mandando você atirar!
De
repente, Liana girou o disparador no ar e apertou a tecla de disparo. A
centelha desprendeu-se, o dardo atingiu o Supervisor no rosto. Ela continuou
pressionando a tecla, repetidamente, liberando uma descarga depois da outra. O
Supervisor perdeu os sentidos e desabou no assoalho, tremendo convulsivamente.
Na Próxima Semana...
O EPISÓDIO FINAL
de
A HORAS DAS SOMBRAS
No Ar dia 18/04
Todos os episódios continuarão no BLOG e no Wattpad
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