Episódio 20
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De repente, Liana girou o
disparador no ar e apertou a tecla de disparo. A centelha desprendeu-se, o
dardo atingiu o Supervisor no rosto. Ela continuou pressionando a tecla,
repetidamente, liberando uma descarga depois da outra. O Supervisor perdeu os
sentidos e desabou no assoalho, tremendo convulsivamente.
A HORA DAS SOMBRAS
de Luiz Antonio Aguiar
(episódio final)
Os
blindados do Operacional Unificado dos Condomínios conseguiram, afinal, cercar
o veículo pilotado por Bazu. Um dos helicópteros de combate baixava sobre ele,
levantando poeira, para cegá-lo. Uma descarga descomunal de projéteis foi
disparada contra o veículo, praticamente destruindo- o. Pouco restava da
carcaça metálica.
-
Parem de gastar munição! – soltou a mensagem, o helicóptero. – Ele está fora de
combate. Deve ter virado torresmo dentro dessa lata velha!
De
fato, os veículos enviados pela segurança do condomínio eram muito mais
modernos e bem equipados que os utilizados pelas delegacias. E, fosse como
fosse, o alvo já não respondia aos disparos.
-
Precisamos conferir! – retrucou, também pelo comunicador, o comandante da força
terrestre. E deu ordem para que um grupo abordasse o veículo abatido.
O
helicóptero parou a cerca de dez metros de altura, bem em cima do blindado,
dando cobertura.
-
Ele não pode estar vivo, cara! – disse o piloto, rindo, no comunicador.
O
metal da carcaça externa do veículo de Bazu estava muito quente. Equipados com
luvas e roupas especiais, os homens do Operacional o escalaram e, no topo, abriram a escotilha.
Um dos seguranças pulou dentro do blindado e foi só então que enxergou o buraco
na lateral interna da cabine, por onde Bazu escapara.
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-
Tem muita fumaça aqui dentro. Não estou
enxergando direito, mas acho que... aquele desgraçado...! Atenção...!
As
palavras do segurança foram cortadas por uma explosão que praticamente
pulverizou o que restava do veículo e os homens lá dentro, tanto os que havia
entrado nele como os que estavam no topo, junto da torre. Bazu com certeza
sabia armar uma bomba de maneira a não deixar sobreviventes.
Mas, o efeito
foi maior do que ele imaginara, já que estilhaços de metal foram projetadas,
como se fossem arpões contra o helicóptero, acima do blindado, perfurando sua
fuselagem.
O
aparelho debateu-se no ar, tentando evitar a queda, mas já havia virado uma
bola de fogo descontrolada, enquanto o piloto berrava:
-
Vamos cair! Minha nossa! Vamos morrer!
O
helicóptero despedaçou-se sobre dois blindados da força do Operacional
Unificado dos Condomínios, causando outra explosão que matou todos os seus
ocupantes. Outros blindados em volta foram atingidos pelos destroços,
transformados em perfurantes projéteis incandescentes. Os seguranças os
abandonavam, em pânico, expulsos pelo calor.
-
Vai tudo explodir! – gritaram alguns, enquanto uma nuvem de poeira fervente e
vapor de lama derretida elevava-se, queimando lábios, interior da boca,
gargantas, traqueias, pulmões.
Bazu
saltou de dentro de um prédio, onde se
ocultara. Jogou fora o controle remoto que detonara a arapuca em seu blindado e
engatilhou a metralhadora.
-
Você queria ter estado comigo, garoto? Naqueles dias, não queria? Quando a
gente atirava para tudo que é lado, e os idiotas só caíam. Como se fossem
feitos de papelão. Vamos lá, garoto. Você está comigo agora! Mate! Mate!
Bazu
penetrou na fumaça ardente. Sua metralhadora crepitava. Os seguranças tentavam
responder aos tiros, sem enxergar nada em volta, e atingiam uns aos outros,
enquanto o policial continuava atirando em qualquer vulto que se mexesse.
Poucos
sobraram vivos. Nenhum sem ferimentos. Bazu tombou depois de levar repetidos
balaços. Primeiro caiu de joelhos. E continuou atirando. Atingido mais vezes,
rindo alto, ainda atirava, quando finalmente a vida escapou dele e o policial
caiu de cara no chão. Até o último momento, cantava a toda altura: “Nós somos a
Grande Dupla!”.
<<<>>>
Já
o Supervisor, somente foi se inteirar da catástrofe muitas horas depois.
Despertou com a manhã avançada, na sua suíte, com o corpo dormente e muita dor
de cabeça.
Enquanto ele
estivera fora do ar, a Matriz, alertada imediatamente do conflito entre
policiais, tentou uma reunião on-line de emergência com os supervisores dos
três condomínios. O executivo encarregado do Fortificado Atlântica Sereia não
compareceu. Seus subordinados informaram que ele havia sido “vitimado” por uma
A1, num apartamento privado, anexo aos seus aposentos, na cobertura executiva.
Era o que poderiam dizer. E que se encontrava desacordado, sob cuidados
médicos.
A Matriz não
aprovou que o Supervisor tivesse se ausentado no meio de uma guerra entre as
forças policiais sob a sua
administração, que na verdade se transformou numa conflagração geral, com
represálias de todos os lados e uma escalada fora de controle nos
enfrentamentos.
Na reunião, os
executivos presentes responsabilizaram o Supervisor do Atlântica Sereia pelos
acontecimentos (“Se providências imediatas e eficazes tivessem sido tomadas,
sem demora...”) Já nesse momento era oficial a sua transferência para a Região
Afastada 7. E rebaixado para o posto de gerente de serviços de entrega. Iria
dirigir o DÊ-SEX de lá, sem direito a fazer aquisições próprias. O
ex-Supervisor não teve oportunidade de responder às acusações. Da cama, foi
colocado imediatamente no helicóptero que o levaria para o aeroporto e, dali,
para a Região Afastada 7, num continente onde ninguém desejaria trabalhar, e
com “nativos” diante dos quais não teria de fingir
para que suas ordens soassem com sotaque
estrangeiro.
Foi toda essa
confusão que salvou Chokita. Se o Supervisor ainda fosse supervisor,
descontaria nela parte da sua raiva. Como não tinha mais autoridade para isso,
a garota passou várias semanas esquecida na suíte A3, com todo o conforto, até
ser reencaminhada para o harém.
<<<>>>
“É só uma
história...”... Úgui jamais esqueceria o afago do velho CÊ-Dê quando se
despediram. Lamentou que o velho não quisesse ir com eles. “Uma história que os
funcionários contam.”
- Tenho minha
toca na Zona Norte – disse... – Uma casinha. Um lugar seguro. Ninguém vai lá.
Ninguém acha que tem nada lá. Eu me preparei para uma situação como essa. Mas,
vocês... Se for verdade, sigam com cuidado a orla marítima, passando pela Zona
dos Condomínios, e continuem. Vai ter uma reserva florestal imensa. E uns
pântanos. Tudo abandonado. Cuidado com os jacarés por lá. Não, não estou
brincando. Explico depois o que são jacarés... Então, se forem até bem longe,
vão encontrar umas fazendas. Um pessoal que morou aqui na cidade, no passado.
Os cretinos daqui não se interessam por eles, a não ser como fornecedores de
ovos, queijo, verduras... É de onde vem muita coisa que os executivos gostam de
ter na mesa. Hoje são artigos de luxo. Mas já se vendeu tudo isso em feiras,
nas ruas... Em lojas... Não importa. Lá, vocês vão ficar sabendo de tudo isso.
E tem lugar para vocês, se quiserem
trabalhar e viver em paz. Ninguém daqui
perturba esse pessoal. Precisam deles. Ora, é somente uma história... Mas,
repetem tanto. Pessoas diferentes, com detalhes. Mas, sempre a mesma história.
Não pode ser mentira, não. Tem alguma coisa lá. Daí, quem sabe? Se for isso
mesmo... Bem, pode ser bom para vocês. Se eu fosse mais moço... Vão! Para vocês, vale a pena tentar.
Apenas uma
história. E Úgui era bom para contar histórias. Era uma das qualidades
necessárias a um chefe de bando, contar histórias. Por isso, mesmo não sabendo
direito o que iriam encontrar, soou bastante convincente diante do seu antigo
bando. Decidiram acompanhá-lo. Liana também. A história devolveu o sorriso ao
rosto dela. Os dois de braços dados, ele ajudando a carregar as sacolas de
livros que ela trouxera, e lá foram,
seguindo uma história. Somente uma história. Mas, lá iam eles.
No que
derrubou o Supervisor, Liana correu para Úgui. Deteve-se a um passo dele, sem
tocá-lo. Ele a fitou. Estavam assustados. O garoto ainda teve dificuldades para
se por em pé. As pernas tremiam. Pareciam que não iam sustentá-lo. O corte em
sua garganta voltara a sangrar. Mas, não tirava os olhos dela. Quando ela
estendeu a mão para ele, Úgui a puxou para si. E se abraçaram.
- Tem um
velho... esperando por nós. Pode nos tirar daqui. Mas, vai embora logo.
Liana assentiu
de cabeça, compreendendo o que deveria fazer. Ou melhor, decidindo o que iria fazer
a seguir, apesar dos protestos de Úgui. Ela correu para arranjar sacolas, na
despensa, e depois começou a enfiar os livros encadernados dentro delas.
- O que você
está fazendo, sua doida? Essa sua mania de catar porcaria! Liana! A gente não
tem tempo para isso!
- Meu pai ...
– murmurou a garota, para espanto de Úgui. – Meu pai morreu. Esses livros são
ele. Para mim. Dele para mim!
Úgui sabia que
não tinha tempo para ficar espantado. Respirou fundo e então foi auxiliá-la a
juntar os livros. Havia muitas coisas que não sabia sobre Liana. Muitas coisas
que ele queria conhecer.
- Seu pai...
de verdade? Como antigamente? Você viveu com um... pai?
Liana obrigara
Úgui a virar de costas enquanto ela tirava a blusa de seda e vestia as roupas
com que tinha chegado no Condomínio. Depois, passou no banheiro para lavar a
maquiagem e soltar os cabelos. Tudo isso com ignorando mais protestos de Úgui.
- O velho é
meio maluco. Conta umas histórias, não sei... Pode ser que seja verdade. Mas,
ele não vai ficar esperando para sempre. Vamos, Liana! Por favor! Se apressa,
tá?
Cê-Dê
os conduziu no seu carro velho até o shopping, onde estava o bando. E foi aí
que se despediram. Já havia blindados da polícia levando a guerra à Via
Expressa. Na confusão, Úgui conduziu o
seu bando, à noite, para se esgueirarem pela orla, junto à rodovia, fora do
alcance do sistema de segurança – que, fosse como fosse, fora danificado pelos
combates e funcionava apenas precariamente.
Num
dado momento, já a boa distância dos condomínios, quando alcançaram o alto de
um morro, Úgui se deteve, observando todo o bando, que o seguia. Todos com
muita esperança. Estava satisfeito consigo mesmo por ter voltado para pegá-los.
Sentia que era o tinha de fazer. Que era o certo. Mas, tinha medo. As histórias
que contara ao bando...
-
E se não tiver nada lá? – segredou para Liana, indicando uma planície e o
horizonte ao longe.
-
Vai ter! – disse Liana. – Vai ter a gente, não vai?
Úgui
assentiu, confortado. Talvez, Liana tivesse razão. Talvez, tivesse chegado a
hora deles. A hora de viver num mundo do qual não fossem apenas sombras.
FIM
[Este é o último episódio de A HORA DAS SOMBRAS.
Todos os episódiops ficarão ainda um tempo aqui no BLOG e definivamente
no Wattpad:https://www.wattpad.com/story/56742459-a-hora-das-sombras ]
A SEGUIR
OS DADOS DA MALDIÇÃO
Você não deve
fazer acordos com o Mal, porque ele uma hora cobra a conta...
E você não
deve brincar com o Mal, quando ele pode sair para fora do jogo ...
... E vir
brincar com você!
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