terça-feira, 21 de março de 2017

EPISÓDIO 5



Não se brinca com o MAL quando ele pode saltar fora do jogo e vir brincar com você!







Continua rolando o Dia do Aniversário de Nani...
Mas, de aniversário mesmo... NADA!!!!
  

                 Nani acordou crente que aquele seria o SEU dia.
Afinal, era seu aniversário. 
13 anos.
Com o Fator Gogoia pairando no ar. 
... E mais todos os paparicos  que esperava receber do pai e da mãe. 
... E o ciumeco que contava causar em  seu irmão mais novo, o Zé, auto-intitulado Monstro, inconformado por ter de aturar Nani na posição de dono da festa. 
...E tudo o mais que todo mundo espera do seu aniversário. Pacote completo!
Só que não foi nada disso que aconteceu. 
E para pesar ainda mais contra nosso herói sonado... Ricardo-o-Ogro acaba de entrar em cena! 
PUTZ!!!!!!!
Aquele seria MESMO o dia mais esquisito que Nani já havia vivido. 
Se é que ele vai sobreviver até o final desse dia...!



Meio-Dia
ou Meia-Noite menos 12hs
ou
O OGRO


                - Bom dia, seu síndico... quer dizer... Tio! – gaguejou Nani. – Hoje é meu aniversário, lembra?
                - Claro que me lembro! Hoje faz um ano que você deu aquela festa aqui no play que quase destruiu o terraço inteiro!
                - Puxa, tio! Que exagero! O som estava meio alto, mas...
                - Não tô aqui como seu tio, garoto! E dessa vez, o que você fez?
                - Eu... - ia dizendo Nani, mas então brecou...
                Nesse instante, lembrou-se do que estava fazendo até três segundos atrás, virou-se para trás esperando ver Gogoia,  agora que a fumaça havia baixado, mas  a garota havia sumido. Ele ficou totalmente sem ação, enquanto Ricardo-o-Ogro continuava a esbravejar:
                  - Acorda, garoto danado! O que deu em você para tentar por fogo no prédio? Quando os moradores souberem, acaba de vez essa ridícula candidatura do seu pai, tentando me tirar do meu cargo de síndico...
                - Seu cargo? Mas, tio... – tentou argumentar, Nani, quando escutou um ruído vindo do bolso da calça de Ricard-o-Ogro.  Bem ligeiro, Nani decidiu que não era hora para conversar com o tio sobre democracia num condomínio etc. Ouviu um tilintar metálico que reconheceu no ato. Só não conseguiu lembrar onde havia deixado os dados que produziam aquele barulho. Havia pensado em jogá-los fora na primeira lixeira que encontrasse, mas... não se lembrava se tinha feito isso, ou ... ou...
                Ricard-o-Ogro, o síndico, tinha o rosto mais vermelho do que pintura de carro de bombeiros. Agarrou Nani pela camiseta, na altura do peito e lhe deu uma sacudida...
                - Me larga Tio! – gritou Nani. – Se não, digo pro meu pai pra dar queixa na polícia contra você!
                - Seu pai? – replicou o síndico, com uma risadinha debochada. – E onde é que está seu pai? Você sabe?
                Nani arregalou os olhos...
                E começou a somar uma pista na outra, uma suspeita noutra...
                Então... Ricard-o-Ogro, o inimigo do seu pai, de toda a sua família, estava com os dados de Diábolo no bolso, sem Nani saber como e onde os tinha largado, e, pelo jeito, sabia que alguma coisa muita estranha havia acontecido com seu adversário nas eleições do condomínio.
                Então... O texto maroto que tinha aparecido na tela do laptop do pai entregava o lance do Inimigo Geral: ele tinha de conseguir um representante na dimensão material para armar seu jogo e suas ações malignas... O pior “inferior” disponível...
                Então... que representante seria melhor do que um cara que (segundo seu pai) já não era, de natureza, totalmente humano?  Muito conveniente para uma entidade do Mal... Não?
                Nani foi recuando de costas. Enquanto o síndico bufafa. O homem estava totalmente transtornado de irritação, suas faces haviam ficado roxas, os cabelos se eriçaram, faltando pouco para ele se transformar de vez em alguma-coisa-não-deste-mundo... E continuava bufando. Mais e mais! Como um Minotauro alucinado prestes a explodir.
                Nani alcançou a porta que dava nas escadas do terraço, abriu-a e disparou pelas escadas. Havia um zumbido obstruindo seus ouvidos, tanto que o garoto não saberia dizer se o tio, que ficou lá parado, ejetando farpas de raiva contra ele, berrou exigindo que ele voltasse ou soltou um rugido de besta-fera. Não escutou, nem quis saber. Não estava nem um pouco curioso sobre nada que acontecesse às suas costas. Com uma dor de barriga atroz, o coração disparado numa batida de altos e baixos como se estivesse quicando em ricochete dentro do peito, ele só queria chegar ao seu apartamento...
                Entrou correndo, tropeçando, bateu a porta atrás de si... E somente para tomar um susto, e gritar, quando algo deu um bote sobre ele...
                Ou não foi um bote. Não foi um bicho. E não era algo. Era ... Lúcio Filho.
                - Que susto, cara! – berrou Nani, empurrando o amigo, que tropeçou nas próprias pernas e caiu de costas.
                - Nani! – exclamou ele, rosto suado, vermelho, assustado. – Ainda bem que encontrei você!
                - Ficou doido, cara?
                - Não, não...! Escuta! – gaguejou Lucio Filho, erguendo-se, meio no trambulhão. – Escuta... Você é o único que pode resolver essa parada! E salvar todo mundo!
                - Como é que é? Mas, se foi você quem me meteu nessa encrenca! Você foi quem me mostrou aqueles dados!
                - Eu não mandei você por eles na mão! Aliás, disse para você não tocar neles!
                - Peraí! – disparou Nani. – Como você sabe que eu pus os dados na minha mão? Você não estava mais no clube quando eu fiz isso.
                - Nani! Por favor, a gente não tem tempo pra isso!  
                - Mas...
                - Não, pára! Me responde primeiro. A maldição pegou você também?
                - A maldição? Você quer dizer...?
                - Irra! Já entendi! Ferrou!
                - Mas, cadê o seu pai? Ele deve entender dessa história e desfazer a coisa, né? Quem sabe, bater um papo com o tal Diábolo, propor um acordo, um...
                - Ficou doido? Onde estão os dados?
                - Bem, acho que... com ele!
                - Com... ele? Jura que não estão com você?
                - Ora, não mesmo... – disse Nani, levando a mão ao bolso. E de repente: - Epa!
                - Os dados... – murmurou Lucio, empalidecendo agora, vendo que sua mão saía do bolso com as três peças de bronze.
                - Toma! – disse Nani, desesperado, tentando segurar Lúcio Filho. - Leva isso de volta pro seu pai e diz pra ele devolver o... meu aniversário! Diz que...
                - Não dá! – replicou Lucio aflito, se soltando. – Nem sei onde está meu pai. Ele me chamou na oficina, mas logo depois desapareceu.
                - Você também desapareceu – acusou nani.
                - Vai ver eles pegaram meu pai.  
                - Como? Você não viu acontecer?
                Lucio Filho já estava fugindo correndo pela porta e disse alto, sem se virar:
                - Eles são super poderosos! Estão por toda a parte! Ferrou! Ferrou!
                - Pára! Volta aqui! Não me deixa sozinho! Lúcio...
                Mas, no que Nani atravessou a porta, as luzes do corredor se apagaram e uma risada, estridente, debochada, perversa, soou lá do meio do escuro. Uma risada que não podia ser do seu amigo. Uma risada algo  ... diabolizada!



Meia-Noite Menos 11 horas
PARTINDO PRA BRIGA


                Ou... ia pra debaixo da cama, esperando o mundo virar do avesso...
                Ou partia pra briga...
                Foi o que pensou Nani. E a primeira providência que tomou foi telefonar para o síndico. Mal Ricard-o-Ogro atendeu o telefone, gritar , disfarçando a voz, um dos apelidos que seu pai havia inventado contra ele:
                - Lagartixa Vegetariana Viciada em Laxante!
                O síndico, que já conhecia essa alcunha por ouvir dizer (havia quem fizesse questão de fazer ele saber, com bilhetinhos enfiados na caixa de correio dele e outros meios alternativos de comunicação), berrou meia dúzia de palavrões em resposta. Nani bateu o telefone:
                - Fase 1 concluída! – disse.
                Fase seguinte, então...
                Nani pegou o elevador até o andar do síndico.  Escancarou a porta de incêndio totalmente, de um jeito que a mola da porta fizesse ela retornar bem devagar, e então a soltou. Daí, já na porta do Ogro, deu uma parada, tomou fôlego, então enfiou o dedo na campainha. Contou 1, 2, 3... era para ser até 5, mas o medo bateu e ele disparou e se escondeu no vão da lixeira.
                Ainda furioso por ter sido chamado de lagartixa (etc...) e, agora, por ter a sua sagrada campainha usada indevidamente, o síndico nem pensou, ao ver a porta de incêndio se fechando. Correu para ela e disparou escadas abaixo, berrando ameaças, mas deixando a porta do seu apartamento entreaberta. Como Nani torcia para que ele fizesse. Ricard-o-Ogro morava sozinho...
                Dois minutos depois, quando o síndico retornou ao seu apartamento e fechou a porta, um Nani fazendo de tudo para que os batimentos do coração, refletindo-se nas carótidas, não o denunciassem, o observava escondido por trás da cortina. Ficou observando enquanto o Ogro, o tal que queria mover ação de despejo contra os Lúcios e toda a garotada que frequentava a Além da Imaginação, andava de um lado para o outro, na sala. De repente, parou junto a uma estante, meteu a mão por trás dos livros e tirou uma caixinha de papelão de lá. Nani quase desmaiou ao escutar o tilintar metálico, dentro da caixinha. Levou as mãos ao bolso, e se deu conta de que, se os Dados estavam ali, durante seu encontro rápido com Lucio Filho, haviam desaparecido, sem que ele soubesse como vieram, nem como foram.
                “Se, para ganhar o jogo e tudo voltar ao normal, eu tenho de encontrar Diábolo antes que ele me encontre...”, raciocinou Nani, hesitante... “quem sabe vai ser agora. É só flagrar meu tio se transformando na tal entidade milenar do Mal... Aiii! Só não pode ser defeito de família, tá?”...
                Mas, Ricard-o-Ogro não abriu a caixinha. Com ela nas mãos, retomou a caminhada de um lado para o outro na sala. De um lado para o outro. Como se não conseguisse se decidir o que fazer. E resmungava alto, como se estivesse brigando com a própria sombra:
- Eu aqui duro! Precisando inventar dinheiro, e só me aparece aporrinhação! Só aporrinhação!
... (rugidos, roncos e grunhidos...)
Então, subitamente, o interfone tocou na cozinha, ele deixou a caixinha sobre a mesa e foi atender. A voz dele estava tão alterada, que Nani escutou tudo o que ele dizia. Algum problema na garagem... Estava falando com  Seu Zildo, o zelador, e gritava:
                - Eu ponho você na rua, seu... seu molenga! Como? Eu sou o quê? Seu... !
                No impulso, Nani abandonou seu esconderijo, agarrou a caixinha e saiu correndo pela porta. O síndico percebeu o movimento na sala e, mesmo sem saber quem era o intruso, largou o telefone e saiu berrando da cozinha. Tarde demais.  
                Nani pensou que o tilintar dentro da caixinha pudesse denunciar seu rastro. Mas, chegando em casa, novamente ofegante e com o coração querendo ganhar o mundo por conta própria, pôde comemorar sozinho sua proeza. Ele era ou não era o maior, como Mestre de Jogos? Inventava armadilhas, surpresas inimagináveis, reviravoltas no enredo, na trama dos jogos. Era ou não um adversário que Diábolo, fosse quem fosse o malvadão, nunca deveria ter desafiado? Agora que ele tinha os dados de volta, ia tomar conta do jogo, e aí... aí...
                Aí coisa nenhuma porque, quando fechou a porta às suas costas e avidamente abriu a caixinha que tinha surrupiado, num lance de aventura e suspense sem igual, em vez dos dados de bronze, o que ele encontrou foram chaves. Chaves de cadeados. Muitas velhas e enferrujadas. Como se fosse uma coleção do Ricard-o-Ogro. Uma coleção sem graça, na opinião de Nani. Mas, que se danasse a opinião dele porque... nada de dados!
                E Nani se deu conta de que poderia ter suspeitado errado do seu tio. Ricard-o-Ogro podia até ser o maior verme do planeta... ou do prédio, pelo menos... Mas nem por isso seria capaz de sumir  com seus pais, de endoidar  seu irmão e a Gogoia (“Ah, a Gogoia... meu presente de aniversário!”) ... Talvez ele não tivesse feito nada disso. Nesse caso, quem seria o hospedeiro de carne e osso de Diábolo, nesta dimensão?
                “Quer saber, Nani?” –disse consigo mesmo o garoto, arriando no chão... “Senhor gênio dos aprontos e lances, quer saber?...A verdade, a verdade mesmo... é que você nem desconfia!”



Meia-Noite Menos
8 horas...
ADVINHE QUEM LIGOU PRA VOCÊ!
ou
Nunca Mais! Nunca Mais!

                Depois de muito, muito tempo ali, estirado no chão, olhando para o teto, e decidido a ficar ali para sempre, algo finalmente aconteceu...
                Um estalido em seu celular, que saltitou vibrando. O ifone tocou em seguida. Um toque que não era o que Nani tinha programado. Parecia... o tilintar dos dados.
                E quem estava ligando? Não havia número de chamada...
                - Você se rende? – inquiriu a voz rouca, ecoante, com um tom cortante de sarcasmo que machucava só de escutar.
                Nani não precisou perguntar quem era.
                Estava à beira de chorar, mas também não queria chorar.
                - Onde estão meu pai e minha mãe?  
                - Eles dois por você. Uma troca.
                - Tá... – ele murmurou.
                - Você tem de jogar o jogo! – rugiu a voz.
                - Tá... – repetiu Nani, se apertando por dentro.
                - O lance final!
                - ...
                - É sua última chance de tomar os dados de mim. Senão...
                - Onde...? Diz...!
                E, no que perguntou, já sentia lá no seu íntimo que não conseguiria vencer aquela coisa. Não,  algo com aquela voz. “Nunca mais vou ver minha mãe! Nem meu pai. Nunca mais! Vou ... até sentir falta do meu irmão, ridículo, absurdo, bizarro, sentir falta daquele... Nossa... Nunca mais vou ver ele também. Nunca mais! Nunca mais! “...
                - Então? – apertou a voz.
                Nani balançou a cabeça assentindo. E, como se a voz o tivesse visto, e entendido que ele aceitara, que iria obedecer, um sussurro soou. O garoto engoliu em seco três, quatro vezes, pressionou o botão de desligar do ifone e dirigiu-se para a porta.
                A voz havia dito: “Além da Imaginação!”.





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