terça-feira, 21 de março de 2017

EPISÓDIO 4









Não se brinca com o MAL quando ele pode saltar fora do jogo e vir brincar com você!




  


             Nani acordou crente que aquele seria o SEU dia.
Afinal, era seu aniversário. 
13 anos.
Com o Fator Gogoia pairando no ar. 
... E mais todos os paparicos  que esperava receber do pai e da mãe. 
... E o ciumeco que contava causar em  seu irmão mais novo, o Zé, auto-intitulado Monstro, inconformado por ter de aturar Nani na posição de dono da festa. 
...E tudo o mais que todo mundo espera do seu aniversário. Pacote completo!
Só que não foi nada disso que aconteceu. 
Ainda mais que o Mal nessa história - DIÁBOLO ! - está prestes a saltar do jogo... e vir jogar com Nani. AIIII! E bem neste episódio!
Definitivamente, aquele seria o dia mais esquisito que Nani já havia vivido. 
A pergunta é se vai viver mesmo até o final do dia...?







DIÁBOLO

“Desde o tempo em que os magos surgiram no mundo, um dos segredos mais bem guardados daquilo que se costuma chamar de ‘Ocultismo’ é a existência de uma entidade que é puro Mal, pura ânsia por dominar e corromper mentes e espíritos humanos, e os destinos daqueles a quem possui, bem como ter agentes seus a atuar no plano físico.
Muitas histórias se contam e já se contaram sobre essa entidade. Mais do que uma criatura, ele/ela já surgiu diversas vezes no caminho dos seres humanos como uma potência devastadora. Tantas foram as suas manifestações que raros são os que desvendam que se trata sempre do mesmo inimigo.
A referência mais antiga que se tem dele remete à Antiguidade, ainda antes do nascimento da História, nos mitos da Suméria, na Idade do Bronze, mais de 5 mil anos atrás. Desde aquela época, um de seus nomes mais citados, transmitidos aos servos, cujo espírito capturou, e durante cerimônias de sacrifício humano, em altares construídos de ossos de inocentes imolados, foi e tem sido com constância... DIÁBOLO.
Seus signos favoritos são aqueles ligados à Incerteza, ao Acaso, à Fortuidade. Como se trata de uma entidade corruptora e viciada, se conta que é uma de suas compulsões armar esquemas enigmáticos nos quais enreda mortais, forçando-os a disputar jogos de vida e morte. Quem perde, se torna seu servo, ou então um prisioneiro de um submundo de escuridão, dor e eliminação de consciência, onde vagará para sempre, reduzido a uma não-existência. Seu rastro na História, embora sempre dissimulado, está impregnado de maldições ancestrais, eventos repletos de estranheza e vilanias.
Diábolo não tem forma material própria. Mas, segundo a tradição, escolhe o pior ser, numa comunidade, infiltra-se nele e, através dessa sua criatura, satisfaz sua sanha perversa. Age sempre antes que se apercebam da sua intervenção, ou que, aqueles que o pressentem, consigam convencer-se inteiramente, ou aos demais, que estão sob a trama que ele elabora, de que ali está Diábolo, que ele existe e está agindo sublinarmente a cada episódio em curso.   
Pouca esperança há para aqueles sobre os quais baixa sua sombra. Uma vez entre os inocentes, fica à espreita, o tempo todo, ampliando cada vez mais seu predomínio. Tudo o que se pode fazer é torcer para que a Providência os proteja, se apiede deles e os salve. Muito embora, isso jamais tenha ocorrido!
Um aviso... Há um antiquíssimo ditado que aconselha: ‘ Não se brinca com o MAL quando ele pode saltar fora do jogo e vir brincar com você!’.   Seria sensato dar atenção a essas palavras.
Boa Morte... Ou melhor, Boa Sorte!”



RECAPITULANDO

                A imagem da tela do laptop estremeceu, as letras se dissolveram, Azazel Fisto, o jabuti virtual de estimação do pai de Nani retomou seu arrasta-pra-cá/arrasta-pra-lá e, como se nada tivesse acontecido, ignorou o garoto e sua aflição.
                - Peraí! Peraí! – disse Nani, sem ligar para o fato de estar falando para si mesmo. – Deixa ver se entendi. Acordo, no dia do meu aniversário. Sei que é feriado porque... me disseram que seria. Meu pai, ou minha mãe, nem lembro mais quem foi. Só que a minha família está desaparecida. A não ser meu irmão, mas esse não conta. Se nunca foi muito meu parente, nem parte da espécie humana, pelo que estou informado,  muito menos agora! Na Além da Imaginação, só acontece doideira, e no final os Lucios desaparecem. O Azazel Fisto também endoidou (e não estou totalmente convencido de que não é ele o possuído por aqui! O culpado de tudo...!), o laptop do meu pai sabe de coisas que não deveria saber, porque foi o Lúcio Filho que me contou e era segredo, pelo que ele me disse. Tem umas ideias malucas pipocando na minha cabeça (como desconfiar do Azazel Fisto, e até inventar uma história para ele). E para fechar a bagunça, tem estes dados... – disse, puxando os dados de bronze do bolso -... que não deviam estar no meu bolso, mas estão  ... e é claro que eu vou jogar os três na primeira lixeira que encontrar... mas não aqui dentro da minha casa... E o que mais? O que está faltando? Quem?...
                Foi então que se lembrou de um detalhe... Que não era detalhe coisa nenhuma., Que era toda a suadeira de quando fora dormir, na noite anterior. De tanta ansiedade, de tanto nervoso e pressa e medo juntos. De sonhos confusos, tumultuados, onde ela aparecia, cada momento de um jeito diferente, como se fossem vários personagens da mesma atriz. Uma atriz de olhos de pérolas negras. Olhos oblíquos. Olhos de arrasar.
E ele, sonhando, se debatia, e acordava por instantes, tomado da vontade de chegar logo o momento, e ao mesmo tempo apavorado, querendo que não  chegasse nunca...
                ... Porque, acima de tudo, havia o Fator Gogoia.
                A Linda.
                A Poderosa Gogoia.
                A Indecifrável Gogoia.
                Em quem ele pensava tanto... tanto...
                E que sabia disso.
                Sabia mesmo. Como sabia!
                E que mandara para ele uma mensagem via ifone prometendo que, na comemoração de aniversário dele, ia lhe dar um beijaço!
                (Seu primeiro beijo e ainda por cima  um beijaço...Então, como seria?)...
                 Isso, ele querendo ou não. Que estivesse preparado.
                E ele estava.


DARK GOGÓIA


                Gogóia, quase Gótica!
                 Nani a encontrou numa situação muito estranha.
                Gogóia sempre se apresentava estilosa, mas nunca como hoje. Ainda mais ali, no terraço do prédio, tudo armado como se fosse um templo, e ela era a habitante, a dona, a maioral do pedaço.
                Nani não entendera muito bem como chegara até ali. No apartamento, instantes atrás, ainda se refazendo da liçãozinha que Azazel Fisto, o jabuti, lhe dera,  sobre Diábolo, de repente escutou um zumbido e algo em seu bolso vibrou ... O grito que Nani deu seria capaz de transformar Azazel Fisto em velocista.
                Mas, o garotão ainda tinha miolos o bastante para raciocinar que, bem mais fácil do que sua bermuda ter ficado mal-assombrada,  era que o seu ifone estivesse chamando.
                E era... Havia uma mensagem na tela: “A Sacerdotisa está no alto acima do mais alto...”
                E o número do chamador, esse, ele sabia de cor. Era de Gogóia.
                De todas as garotas que ele conhecia, Gogóia era a recordista em tirar seu sono. Como pensava nela. E nos sonhos... como sonhava com ela.
                Matar a charada fora fácil.  O “alto acima do mais alto” era o play onde, quando era criança, ia brincar, no terraço do prédio. Acima do andar mais alto do prédio. Fora lá que conhecera um dia uma menina, que morava num outro bloco do edifício, e que apareceu ali, com seus olhos que mais pareciam o canto das sereias da Mitologia, e os cabelos encaracolados super esvoaçantes, dizendo:
                - Vim brincar com vocês!
                Gogóia não pedia licença. E se convidava na maior.
                Sempre fora uma figura, mas, naquele dia... Estava D++++!   
                Seus cabelos estavam bem curtos – um corte que ela estava estreando ali, naquela cena, que era toda dela (e ele, nem figurante; somente plateia) –, espetados para o alto, como se fossem cobrinhas ouriçadas. Ou como se tivesse acabado de tomar um choque elétrico (e bota voltagem nisso!). Vestia um colante, absolutamente colado, preto. A maquiagem também era toda dark: sombra e lábios pretos. Esmalte preto nas unhas que pareceram a Nani bem mais compridas do que quando cruzara com a garota, no dia anterior.
                ...“Quando essa doideira ainda não tinha começado a acontecer...”, lamentou.
                Estava sentada numa banqueta – devia ser isso – coberta por um tecido brilhoso, também negro. Que tinha sido colocada para ela sobre um tablado, igualmente pintado de preto, no qual havia um enorme espelho, com moldura de madeira escura. Gogóia não olhava diretamente para ele. Estava na cara que ela esperava por ele, mas de costas, mirando no espelho. Seu corpo estava meio torcido, meio de serpente enroscada numa árvore, faktando, é claro, a árvore, o que deixava a torção mais no ar, mais estranha. E assim que a imagem dele apareceu no espelho, ela disse, numa voz mais do que arrepiante ...
                - Preparado para escutar sua sentença, Inferior?
                - Como é que é? Gogóia! – exclamou Nani, tentando aproximar-se e olhar Gogoia de frente. – Eu sou o quê? Ei! Meu aniversário é hoje! Isso não lembra nada a você, não? Era tudo papo, era?
                - Silêncio, Inferior! – disse Gogoia, com voz estridente. Nani paralisou-se. –  E não ouse tentar olhar nos meus olhos, ou será reduzido a pó!
- Tá bem, tá bem! Mas...
- Sou a Sacerdotisa de Diábolo – interrompeu Gogoia. – Em nome do meu mestre, transmito a você o que foi decidido sobre seu destino. Escute com atenção.  A cada cem anos, meu Mestre, para divertir-se, escolhe um ser inferior para o desafio. Você terá de jogar o Jogo de Diábolo. Foi escolhido por se declarar o maior Mestre dos Jogos. Agora, vai ter de enfrentar feras que você jamais seria capaz de imaginar que existam!  
- Eu...? Mas era só... de brincadeira, sabe? Não queria zoar com ninguém, não, não! Falei por falar, ora!
- Cale-se! – bradou. –  Não há mestre a não ser o Mestre. Aprender isso será o castigo por sua vaidade. Se perder, irá reunir-se a seus pais, e juntos atravessarão a fronteira da dimensão das trevas. Nunca mais nenhum de vocês será visto neste plano. Se vencer, tudo voltará ao que era. 
- Tudo? Meu aniversário? O presente que você prometeu me dar...?
- Tudo! Mas, previno você de que, em todos os seus incontáveis milênios de existência, meu Mestre nunca perdeu uma disputa. Você não tem escolha. É tudo ou ... o mais absoluto nada!
-  Deixa disso ...! – arriscou Nani. – Vocês todos ficaram doidos de repente? Escuta só...
- Escute você, Inferior! – ameaçou a sacerdotisa, erguendo-se, sempre de costas, da banqueta, e sempre mantendo a torção desconcertante do corpo. – Você tocou os Dados da Maldição. Ao fazer isso, aceitou o desafio!
- Eu?
- O Jogo será jogado. Precisa encontrar o Mestre, antes que ele aniquile você. É esse o desafio. Está transmitida a mensagem!
Nani nem teve tempo de pedir um beijinho de consolação – já que não ia receber a versão completa. Não teve tempo para nada, na verdade. Quase imediatamente a seguir das palavras da Sacerdotisa, uma série de pequenas explosões começou a ocorrer no terraço, uma fumaça roxa raiada de verde jorrou de debaixo do tablado, cobrindo tudo em volta. Nani não enxergava mais nada, mas alguma coisa o agarrou e ele começou a se debater.
- Me larga! Me larga! – gritava o garoto.
 No entanto, o agarrão era bem mais forte do que ele. Logo, não conseguia mais se mexer, estava exausto de tanto lutar, e ainda levou uma bruta sacudidela, quando escutou uma voz fanhosa, desagradável, que ele reconheceu de imediato, berrar nos seus ouvidos:
- Peste de garoto! O que você andou aprontando por aqui! Que fumaça é essa? Responde logo”! Responde!


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