EPISÓDIO 3
Não se brinca com o MAL quando ele pode
saltar fora do jogo e vir brincar com você!
Nani acordou crente que aquele seria o SEU dia.
Afinal, era seu aniversário.
13 anos.
Com o Fator Gogoia pairando no ar.
... E mais todos os paparicos que esperava receber do pai e da
mãe.
... E o ciumeco que contava causar em
seu irmão mais novo, o Zé, auto-intitulado Monstro, inconformado por ter
de aturar Nani na posição de dono da festa.
...E tudo o mais que todo mundo espera do seu aniversário. Pacote
completo!
Só que não foi nada disso que aconteceu...
A sua família havia sumido. O irmão apareceu transformado. E até na Além da Imaginação começaram a acontecer lances pra lá de sinistros... MISTERIOSOS!
Definitivamente, aquele seria o dia mais esquisito que Nani já havia vivido.
OS DESAPARECIDOS
Além de
descobrir passagens que ninguém mais farejava, entre dimensões virtuais
paralelas, enfiando-se por frestas que se abriam para outros universos... e de
ser o mais feroz caçador de monstrinhos digitais, desses que passeiam como quem
não quer nada mas querendo, pelos diferentes mundos... Bem, além dessas aptidões, tão
preciosas para um garotão que quer sobreviver hoje em dia... Nani se orgulha de
ser um tremendo detetive.
Esperto
pacas – é o que ele se acha.
Daí,
quando a tal “explosão abafada” aconteceu, ele correu para a porta da oficina
do Zumbi-Sorriso, já com três ou quatro conjecturas detetivescas na cabeça. Mas
nenhuma delas o preparou para encontrar o que o esperava...
Nada.
A
oficina estava vazia.
E, pelo
que Nani sabia, não havia nenhuma porta
secreta nos fundos, nem nenhum alçapão, nem
cabine de transporte, nada que pudesse permitir que os dois Lúcios, pai e
filho, saíssem de lá sem passar por ele, na entrada.
Nani ficou parado na porta. Estava meio escuro
lá dentro. E ele ficou com medo de entrar. Mas, não precisava atravessar a
porta para saber que não tinha ninguém ali. Era uma paradeira mal-assombrada.
Um silêncio de abismos.
Ou
melhor, só para ser mais preciso... Nani, apertando a vista, teve a impressão
de ver uma espécie de névoa pairando no ar. Muito tênue, muito fina. Quase
invisível. Quase desaparecendo. Quase podendo ser somente impressão dele,
ilusão de ótica...
Ou não.
Era de
arrepiar. Como se os Lucios tivessem desaparecido naquela névoa.
Ou transformado nela: PUFSHT!
De
repente, escutou um chocalhar metálico. Tlect! Tlect! Tlect!
Levou
alguns segundos para querer acreditar. Eram os dados. Os dados estavam na sua
mão. E ele os estava rolando, rolando... Tlect! Tlect! Tlect!
No
mesmo instante, ele se sentiu cercado de olhos, como se criaturas o espionassem,
ocultas pelos véus entre as dimensões paralelas.
-
Lucio! – chamou ele. – Ei, cara! A
brincadeira acabou, tá? Tô começando a ficar apavorado de verdade! Chega, cara!
Aparece aí!
Mas, ao
mesmo tempo, um a voz lhe dizia que, se fosse uma piadinha de Lucio Filho, para
fazê-lo de bobo, o garoto precisaria ter convencido o pai a entrar numa
brincadeira...
“ E ele não é disso! Deve ser um
problema de alergia dele, ou...”
Seu
estômago roncou tão alto, que Nani se assustou, lembrando ao garoto que ele não
tomara café da manhã. “Fica quieto, traidor!”, exigiu, em pensamentos, olhando
para os lados para ver se alguém ou algo
havia escutado. Mas, nada parecia capaz de perturbar o fúnebre silêncio da
loja. Da loja inteira. E não podia ser normal. Ninguém entrava. Os Lúcios
desaparecidos. Aqueles dados, que ele não conseguia parar de rolar e de
espremer uns contra os outros, só para continuar escutando o barulho que faziam
em sua mão.
- Toma
essa coisa de volta! – disse, largando os dados, de passagem no balcão da loja.
– Não pode ter dado para pegar a maldição se eu fiquei tão pouquinho com eles,
pode?
“ Mas,
que maldição, irra!” – pensou, já
impressionado por começar a levar a sério os avisos de Lúcio Filho. “Não tem
maldição nenhuma! Que história é essa?”...
Jurava
que, se estivesse se olhando num espelho, teria impressa no rosto a mesma
expressão de medo que vira no amigo. Na hora, ainda pensou também que Lúcio
Filho era tão bom quanto ele para inventar enredos, personagens, um poderoso Mestre de Jogos. Nani e Lucio Filho
viviam em disputa permanente, um sempre tentando passar a perna no outro. Nos
jogos, se fossem adversários, saía faísca, até briga podia dar. Daí, Nani ficar
com um pé atrás sobre a “história”...
“Se bem
que nem o Lúcio é tão bom de encenação assim. Nossa! Ele tava com medo de verdade! E esse lance do
desaparecimento duplo, ele e o pai? E a fumacinha que ficou no ar... ? Catso! Tudo isso pra rir na minha cara
depois? Um pouco demais, né? “
Mas,
com a esperança de que fosse tudo uma jogada...
E mesmo que essa esperança fosse acumulando mais e mais furos, quanto mais
pensava no assunto... Ele voltou para casa, esperando... torcendo... Vá lá:
rezando!... para seus pais estarem atrás da porta, numa de lhe dar um
susto, e saltarem sobre ele gritando: Feliz Aniversário!, acompanhado de
beijos bem babados. E numa altura dessas, até mesmo receber parabéns do Monstro,
que estaria se esforçando para fazer uma cara bem raivosa,, mas parecendo de
fato totalmente imbecil, seria bom à
beça, não seria?
Ah, o
Monstro!
Ah, um
almoço de aniversário no capricho! Família de volta. Família inteira.
Inteirinha, sem faltar pedaço nenhum! Ah...!
Ah, o Fator Gogoia, anunciado e prometido pela
própria, para aquele dia!
Ah...
Ah, nada. Totalmente nada!
O
apartamento estava deserto.
Um túmulo! (Foi Nani que pensou isso, mas
se arrependeu na velocidade da luz!)
Então, começou a reparar nuns detalhes. Não
tinha certeza se estavam lá, mais cedo, e ele é que não tinha notado. Mas...
Era estranho um copo de água pela metade, deixado na beirada da mesa. Seus pais
não faziam dessas coisas – viviam evitando
acidentes. O Monstro, sim, aprontava
dessas e piores. Mas, fazia questão de
beber água e tudo o mais somente em sua caneca-monstro, talhada em pedra de
caverna profunda, escura e fedida. Era uma caneca horrenda, pesadona,
desajeitada... Mas era bem ele. Quem
mais ia largar aquele copo ali?
Nani
então resolveu dar uma busca pela casa. Viu um par de tênis da mãe deixado na
soleira da porta do banheiro. Muito, muito estranho... Ela jamais se calçava
ali, e nunca iria deixar os tênis no meio do caminho. E, no banheiro, viu a
escova de dentes do pai sobre a tampa da privada... e mais... o celular dele,
deixado no chão de ladrilho. Assim! Sem mais nem menos! Largadão!
Mas, o
estranho dos estranhos foi entrar no quarto do Monstro e encontrar a cama
arrumada, como se ninguém tivesse dormido ali. O Monstro nunca arrumara a cama
na vida, e jurara que jamais iria fazer isso. E ainda seria cedo para a mãe
passar a ronda nos quartos e dar aquela arrumada básica, de toda a manhã, antes
de ir trabalhar. O pai de Nani também não teria feito isso. O departamento dele
nos afazeres domésticos era cozinha, supermercado, feira, e não quartos...
Então?
Então...?
E foi
nesse momento, vendo a rotina e a organização do seu lar toda revirada, que Nani
começou a acreditar que algo esquisito estava mesmo acontecendo em sua vida.
MONSTRO
“Mas, o
que será que deu nessa minha família maluca? Será que ficaram sem paciência de
esperar eu acordar e saíram? E vão fazer o meu almoço de aniversário sem mim? Isso não se faz, Dr. Felipe e
Sra. Marieta! Isso não se faz!”
“Ou
será que o Monstro conseguiu convencer todo mundo de que eu não sirvo para ser
irmão dele?”...
“Mas,
não é possível...! Esqueceram tudo o que houve entre nós? 13 anos! Uma vida,
cara! Minha vida! Como pode...?”
“Tudo
em cima, um feriado bem no dia, tudo para
eles me paparicarem à vontade. Café da manhã especial. Levado na cama, por que
não? São só por 24 hs. É demais? No
resto do ano, dá-lhe bronca, cobrança, tem de fazer isso, tem de fazer isso
também... Mas, hoje! É o meu dia! Minha vez! E eles somem...”
Na
verdade, não fazia nem uma semana, Nani teve uma brigona em casa, reclamando
que os planos para a comemoração do seu aniversário estavam “de gente velha”.
Almoço em restaurante! E com o irmão de contrapeso? Tudo como no ano passado?
Como sempre e sempre? Que chatice!!!!
- Você
quer desconvidar seu irmão caçula? – inquiriu a mãe, zangada.
- Eu
não tenho culpa de ele ser meu irmão! Eu nunca quis ter irmão nenhum!
- Não
fala uma coisa dessas, Nani! – murmurou a mãe. – Eu sei... que você não está
falando de coração!
E lá
das profundezas do apartamento, soou um grunhido...
E
outro...
E mais
um...
De
repente, Nani se deu conta de que não estava mais lembrando do que tinha
acontecido dias antes. E que o grunhido
estava soando naquele instante... E bem ás costas dele...
Então,
se virou...
- Zé!
(Outro
grunhido...)
Nani
engoliu em seco.
Se era
para chamar o irmão de Monstro, como o menino queria ser chamado, nunca ele
havia merecido mais esse nome do que ali, naquele momento. O rosto do Monstro
estava contraído, como se seus músculos tivessem levado uma descarga elétrica e
ainda não tivessem se recolocado nos lugares nem na vibração certa. Os lábios
estavam tortos. Da boca, escorria alguma coisa amarronzada. Baba, e da grossa. O
olhar dele cravara-se como alfinetes em Nani. E o corpo todo estava algo
torcido, um pouco pra lá, outro pouco pra cá. Tinha ainda as mãos, que pareciam
pontudas, como se tivessem virado garras, de repente. Ou qualquer coisa meio
assim muito, mas muiiito esquisita.
-
Monstro... – gemeu, engasgado, agora, Nani, sob a pressão do visual. E logo ele
que nunca havia dado confiança ao irmão de chama-lo pelo apelido que o menino
elegera. – Onde está o pai? E a mãe? Vocês se esqueceram de que dia é hoje?
Mais um
grunhido... E então o Monstro falou:
-
Jura... seu otário... que você não desconfiou dessa armação de feriado?
- Hem...? Mas, a mãe falou...
- E que
feriado é hoje, hem? Você sabe? Ela disse?
- Eu...
sei lá!
- Falou
em dia de folga, você se encantou tanto que nem pensou no assunto. É 13 de
agosto... Dia de...? Da...? Do...? Dia do Nani? Não brinca que você engoliu
essa! Que feriado é esse, cara?
E tudo
isso numa voz meio chiada, sibilante. Feito cobra em filme bruxesco.
- Cadê
todo mundo, cara? – reagiu Nani.
Monstro
deu uma gargalhadinha seca, como se fosse motor de máquina de lavar grimpado. Mais
cacarejo do que gargalhada, de fato. E cacarejando sempre, virou as costas,
deiando o irmão sem resposta.
Nani
deu duas engolidas em seco, paralisado, bobão. E foi o que bastou para Monstro
sumir de vista. Quando Nani correu atrás dele, não o encontrou mais. Mas,
reparou numa outra coisa muito estranha. Muito contra todo o jeito como
funcionava a casa: em vez do seu lugar, na escrivaninha do quarto do
casal, o laptop do pai estava sobre a
mesa de jantar da sala – onde nunca ficava – e com algo na tela, piscando,
mostrando que estava ligado – como seu pai nunca o deixava. Parecia que tinha
sido abandonado de repente.
Só que,
como se esquecesse do irmão, quando Nani parou diante da tela, sofreu um
arrepio. E dois. E três. Porque a imagem na tela não era bem um pisca-pisca. Tinha
uma coisa rodopiando lá. Ou melhor, três coisas. Três dados. Os três dados de
bronze.
No que
Nani os reconheceu, quase fugiu correndo. Quase. Para o seu quarto. De volta
pra cama, morrendo de vontade de, quem sabe, dormir e acordar para ver se o dia
começava de novo. Mas, não dava mais para escapar.
Nani
chegou junto da tela, tocou-a, e a imagem se desfez. Sobre um fundo de cores
que rodopiavam, misturando-se ou se dissolvendo, alternadamente, apareceu a
caixa pedindo a senha. Nani conhecia a senha do seu pai. Na verdade, todo mundo
conhecia, até o peixinho dourado que seu
Zildo, o zelador, criava num aquário, que deixava sobre a mesa da portaria... O pai de Nani tinha
algumas manias... Além da eterna birra entre ele e Ricard-o-Ogro, era nerdíssimo em Astronomia, Cosmologia e Filosofia da Ciência. Ensinava Astrofísica numa universidade e muita gente
dizia que somente outros três caras no mundo falavam a mesma língua, quando
danavam de conversar sobre labirintos científicos, pirações hiperdimensionais e
cósmicas. E era tipo plugado em telas. Nunca desligava seu laptop. Seu mascote
era o jabuti Azazel Fisto (o único
poupa-tela, de todas as dimensões virtuais, com nome e sobrenome), que lá
ficava, se arrastando, borrando cores, abrindo clarões e passagens entre
universos paralelos. O nome dele era a senha: AZAZEL.
Só que,
quando Nani digitou o nome do bicho, nada aconteceu.
Azazel
Fisto devagar passava e devagar continuou passando, ignorando o Nani.
- E eu
que esperava uma mensagem tipo Feliz
Aniversário! O pessoal aqui endoidou? Todo mundo, até esse jabuti?
Nada,
nada, absolutamente nada.
Toda
casa fica meio mal-assombrada quando está vazia. É um ventinho que entra por
uma fresta da janela ou um vão por baixo da porta e acaba remexendo a cortina
da sala, ou os papéis em cima da mesa. São os estalidos no encanamento, que a
gente só ouve quando não tem barulho de
gente em casa, e que ecoam por dentro das paredes, como se tivesse um
morto-vivo sepultado por trás do reboco, exigindo ser solto. Ou então aquela
impressão de que, se as pessoas que moram ali saíram, não saíram totalmente.
Alguma coisa ficou para espantar os intrusos. No mínimo para ficar rondando...
Nani
estava começando a se sentir vigiado, ali dentro. Como se ele fosse o intruso.
Como se alguém, alguma coisa, algo tivesse entrado, tomado conta do
apartamento, e era quem mandava no pedaço agora.
- Tudo
contra mim! Que jogo sujo! – disse alto Nani, encarando a tela, Azazel Fisto e
o que mais estivesse ali.
A coisa
era tão, tão pirante, que ele começou a observar o Azazel Fisto pelo canto do
olho, se perguntando qual seria a possibilidade de um jabuti virtual ser o
responsável por todas as estranhices que estavam acontecendo. E se ele
fosse...?
... O tal!
“Só falta acontecer que nem num
joguinho e o Azazel Fisto ter virado uma
entidade milenar do Mal, hiperpoderosa. Ou ter sido dominado pela dita cuja. Mente
possuída, miolos infectados, o esquimbau... Ou qualquer enredo desses e...
Nossa! Que miolos, Cara? Jabuti virtual lá tem miolos? De onde eu tirei essa história?”.
Daí,
ele teve uma ideia. Ou um certo tilintar metálico dentro do seu bolso, que ele
se recusou a reconhecer (“Os dados! Claro que são os dados! Mas, eu não deixei
essas coisas lá na loja?”) ... Enfim, algo que passou na sua cabeça, mesmo ele
preferindo que tivesse passado muito mais longe. E a ideia veio, ficou, ele obedeceu ao impulso e digitou: “Diábolo”.
Azazel Fisto voltou-se para o garotão e fez
para ele uma careta irritadíssima, que não deveria estar programado para fazer.
Então, as letras da senha se reviraram, se contorceram, e logo estavam grossas
e vermelhas, na tela, escorrendo em pingos feito sangue, deformando-se. Por um
segundo, os filetes de sangue se enroscaram, uma ponta na outra, uma ponta
engolindo a outra. Mas, o rodopio acentuou-se e, logo, Nani tinha a impressão de enxergar mais
alguma coisa, como um espectro ao fundo, uma caveira sorridente. Rindo para
ele, ou rindo dele. Então berrou, recuou dois passos, assustado, pego numa zonzeira,
uma tontura. Daí, a tela piscou algumas vezes, então um texto começou a aparecer,
subindo linha por linha...
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