domingo, 16 de agosto de 2020

VIETNÃ – anos 1970 ou Por que desconfio de qualquer alegação de nacionalismo

 


Entre os anos de 1970 e 1971, eu morei nos EUA, no norte do estado de Nova York, fazendo um programa de intercâmbio. Cursava algo que seria semelhante ao último ano do “colegial”, na época, ou 12º ano, se não me engano, pela nomenclatura de hoje. Enfim, era o último ano de colégio. Meus colegas, como eu, estavam em vias de completar 18 anos. À medida que faziam aniversário, logo lhes chegava uma carta do Departamento de Estado Americano.
Era a convocação para fazer o treinamento e depois seguir para a Guerra do Vietnã. Poucos se sentiam orgulhosos por essa oportunidade de “servir à pátria” até porque poucos sabiam onde era o Vietnã ou por que as tropas americanas tinham de se meter por lá. Em contrapartida, escutávamos histórias assustadoras, de vietnamitas enfrentando helicópteros americanos, simplesmente dobrando palmeiras e soltando-as de encontro às aeronaves, que tombavam. Ou, simplesmente, emergindo de buracos no solo, onde haviam esperado dias, às vezes sem água nem comida, até chegar a hora de saltar fora e matar os americanos que estivessem ao redor (mesmo que morressem em seguida) sem desconfiar do que os esperava, logo abaixo do chão.
Em suma, tínhamos ali uma população mobilizada para se defender contra invasores, de um lado, e garotos que iam ser atirados no meio deles, sem saber por quê. Sem ter de fato nada a defender. As bandeiras americanas hasteadas nas portas das casas de alguns dos que lutavam por lá não os animavam. Muitos faziam planos de fugir pela fronteira do Canadá – seis ou sete horas de distância de carro – e se exilar. Nunca mais poderiam voltar. Que eu saiba, os EUA nunca deram anistia àqueles desertores. Mas, não precisavam viajar tanto para evitar de serem arrastados para a Guerra. Quem viu HAIR (ai, que maravilha! Que marco de uma época!), sabe que muitos, simplesmente queimavam a carta de convocação e acampavam no Central Park, em Nova York, ou pelo campus da Universidade da California, sem identidade, sem poderem ser presos e identificados como desertores.
E alguns, muitos, a maioria, provavelmente, atendeu à convocação. A pressão patriótica nos EUA é enorme. Apesar de não se explicar o motivo de estarem em guerra contra uma minúscula nação tão distante, muitos repetiam autonomamente o discurso de que iam defender a pátria. Contra o quê? Só o governo sabia.
Quem assistiu os inúmeros filmes sobre a Guerra do Vietnã, sabe que muitos desses que foram para lá, morreram – 100 mil americanos. Ou se viciaram em drogas para aguentar a barra e voltaram pirados.
Bom, já temos mais mortos pela COVID no Brasil, sem guerra, mas com um psicopata chamando as pessoas a um patriotismo que não é confirmado por suas ações, nem as de seus ministros. Não amam o povo, que abandonam, abandonando a saúde, o combate à pandemia, que exploram e ajudam a explorar com a ameaça de novos, injustos e impiedosos impostos; não amam a natureza, que destroem; não amam a cultura, que desmontam, inclusive tentando (não conseguirão!) taxar e elitizar de vez a Literatura; combatem a liberdade na educação... Enfim... O que é “Brasil, Pátria Amada”? Amam, eles? Amam , o quê?
Para mim, o antirracismo, a defesa dos povos indígenas, a defesa do ecossistema brasileiro seriam uma forma de patriotismo. Não, baseados no passado, no que está inerte, somente na tradição, da qual é importante sentir orgulho, mas especialmente no presente atuante, militante, rebelde, dessas lutas.
E fazem o que fazem, os governantes, alegando patriotismo, nacionalismo etc... Assim como aqueles jovens foram mandados para uma Guerra que não era deles. Não tinham um ideal, uma razão para morrer – como o combate ao fascismo, a garantia da liberdade contra a Ditadura Militar no Brasil. Mas, o apelo servia a um movimento de peças (meus colegas, meus amigos atônitos com a carta de convocação nas mãos) para as trapaças do poder e os lucros da indústria armamentista.
Por essas e outras, palavras como pátria, nação, país, e mesmo o nome de uma unidade territorial (as nações foram criadas depois da Idade Média; não existem desde sempre) significam pouco ou nada para mim. Sobre nacionalismo, lembro dos meus amigos, que podem estar mortos há décadas, e que morreram sem saber por que morriam. Os poucos que tinham alguma informação a mais, a respeito, desconfiavam ousadamente que eram o lado errado, naquela guerra. Eles eram os bad guys, no Vietnã. 
Pelo menos, os guerrilheiros, mortos pela ditadura militar em combate ou assassinados sob tortura, sabiam por que entregavam a vida. E isso se chama desprendimento. Lá, nos EUA, na década de 1970, assisti a garotos, que como eu, amavam os Beatles e os Rolling Stones, e que não tinham chances contra quem estava defendendo sua terra, e a isso – como historicamente foi o massacre de Assunção, Paraguai, crianças e velhos sendo chacinados nas ruas, na falta de exército da nação já derrotada e rendida - , chamam de nacionalismo, patriotismo, o que for. Como se sabe, os EUA, com suas tropas incontáveis e imenso armamento, foram postos para correr do Vietnã.
Lembro do olhar daqueles meus amigos, conversando, rindo, jogando basquete, ping-pong... lembro do genocídio dos povos indígenas, excluídos do “Pátria Amada” de hoje... penso nas 100 mil vítimas da perversão psicopata do governo federal e das demais instâncias, que nada fazem, que abandonam o povo e penso... Eles não foram incluídos na "Pátria". Eles não foram "amados". Por que não? 
Tenho razões de sobra para desconfiar de quem alega o patriotismo como coisa sua, sua versão de pátria, de povo... quem sabe se resuma a ele próprio, sua distorção mental, seu autoritarismo impositivo, e o Bem , não comum, mas dos SEUS?
Minha referência , meu sentimento, está em uma democracia em construção histórica, no mundo inteiro, internacionalista e sem fronteiras, por meio de movimentos antirracistas, antihomofóbicos, ambientalistas e semelhantes. 
Sim, meus semelhantes. Um mundo onde cada ser seja meu semelhante, assim considerado, respeitado, honrado – mesmo com suas individualidades, particularidades, identidades. Todos, fraternalmente unidos numa comunidade universal, visando a prosperidade e o avanço da ciência, a democratização da arte, do conhecimento, das curas, e a exploração do desconhecido multiiverso... Capaz de materializar utopias.

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