RESPOSTAS A UMA
ENTREVISTA SOBRE O LANÇAMENTO “QUINCAS BORBA”
Roteiro: Luiz Antonio Aguiar
Arte: Verônica Berta
FTD EDUCAÇÃO
(as perguntas foram retiradas)
O que mais me atraiu para esse trabalho foi o próprio
romance de Machado de Assis. Costumo
dizer que é o romance mais tocante de Machado de Assis. Ora, a gente assiste um
ser humano, o Rubião, enlouquecer.Aos poucos, sem piedade. É tão dramático, tão desolador. E isso
acontece o tempo inteiro, como várias vezes está sugerido em Quincas Borba, sob
o olhar das estrelas, que ficam na delas, impassíveis, lá no alto. como a
plateia assistindo a um espetáculo. Todos esses elementos, juntos me mobilizam
enormemente para o romance. É uma experiência de vida, ler Quincas Borba. E que
a gente acaba "experimentando" várias vezes, ao longo da vida,
conforme amadurecemos. Por outro lado, o grande desafio é sempre transformar
Literatura para a linguagem dos HQs. Machado, é óbvio, não pensou em imagens -
e parte de uma história em HQs é contada em imagens. Além de outros muitos
fatores, como os cortes, de quadro para quadro, de página para página, e outros
e outros mais.
A ideia surgiu da própria editora, que vem desenvolvendo
esse trabalho. É uma tendência mundial, unir o clássico ao pop, ou seja, a
solidez de um romance clássico, com uma linguagem super contemporânea, os
HQs. A importância são muitas. Uma delas
é criar uma nova leitura da obra, outra é
utilizar um meio popular, cultuado por jovens leitores, para contar uma
grande história.
O principal para mim é a universalidade. Machado foi um
gênio, inovou a Literatura brasileira, tirando-a de sua vocação pitoresca,
provinciana, de nos apresentar como filhos do paraíso. Colocou dramas que dão
vida à Literatura Universal desde sempre, representados no Brasil, por
personagens brasileiros e num português abrasileirado - que era até mal visto
na época. Por outro lado, elevou nossa Literatura à discussão de questões
humanas e existenciais que um Shakespeare, um Cervantes - leituras amadas por
ele - discutiam. Ou seja, integrou a Literatura Brasileira à Literatura
Universal, ao mundol. Não é à toa que uma edição muito recente de uma nova
tradução para o inglês de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Flora
Thompson-Deveaux, esgotou-se inteiramente no primeiro dia de lançamento. Mais
atual do que isso, impossível. Há todo o sentido da proposta universalizante de
Machado num ensaio famoso, histórico, que ele escreveu muito cedo, intitulado
"Instinto de Nacionalidade".
Procurei preservar a profundidade existencial dos seus
personagens, combinadas a um sentido de melancolia, de galhofa, de ironia. Essa
é a fórmula, o próprio Machado nos deu, na introdução "Ao Leitor", em
Memórias Póstumas de Brás Cubas, para equacionar a complexidade única de seus
enredos e personagens.
Creio que os jovens, que cultuam os HQs, se sentirão
atraídos a esta peça , ainda mais com a beleza visual que Verônica lhe conferiu. E, para os leitores de
uma maneira geral, é mais uma recriação de uma obra que marcou a Literatura e a
História da criação literária no Brasil, com um sentido de liberdade, de
crítica, de inclemência em relação às tramas humanas e do poder. Ganha-se
sempre. Que venham um filme, uma peça de teatro, quadros, caricaturas...
Ganha-se cada vez mais! Cada recriação
acrescenta alguma coisa, ou chama a atenção da leitura para algum ponto, algum
drama subentendido. O olhar e nossa inteligência captam novos aspectos da obra
a cada recriação.
Não concordo que QUINCAS BORBA seja simplesmente uma
alegoria, no sentido de um outro jeito, engraçado, dissimulado, de representar
este Brasil. Machado vai muito mais fundo do que isso, é muito mais intimamente
Brasil do que o Brasil que se via. Ele recriou o Brasil, na base da inteligência
literárias. E acrescenta aspectos ao seu enredo e aos personagens, até então
insondados pela Literatura. Não é algo que está na realidade brasileira, mas na
maneira inteligente, genial, com que Machado via essa realidade. Ele revela
aspectos para refletirmos sobre essa realidade. Portanto, é muito mais do que
uma alegoria. Mas, sem dúvida é atual, ao colocar a política como um jogo de
vaidades, de troca de favorecimentos, de enganações e charlatanismos. Ao situar
o ser humano universalmente, com suas delicadezas mas também com seus vícios,
os mesmos desde a Bíblia. Ainda mais no Brasil, onde há correntes fortes nos
entravando, lutando pelo atraso, como se
pudessem nos separar dos avanços do resto do mundo, em termos de mentalidade, e
do avanço do próprio tempo, Há forças severas no Brasil contrárias às mudanças
que são evidentemente necessárias em vários âmbitos da sociedade. Uma obra como
essa expõe, disseca, denuncia, evidencia essas forças retrógradas. E aponta
para um futuro possível, talvez utópico. Um futuro mais fraterno, quem sabe?
Machado será sempre surpreendente, um humanista, um impulsionador de
mentalidades.
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