terça-feira, 4 de agosto de 2020

Lançamento de Quincas Borba em HQs

QUINCAS BORBA....
de Machado de Assis
ALGUMAS RESPOSTAS SEM PERGUNTAS dadas a uma entrevista... 


 RESPOSTAS A UMA ENTREVISTA SOBRE O LANÇAMENTO “QUINCAS BORBA”

Roteiro: Luiz Antonio Aguiar

Arte: Verônica Berta

FTD EDUCAÇÃO

(as perguntas foram retiradas)

 




O que mais me atraiu para esse trabalho foi o próprio romance de Machado de Assis.  Costumo dizer que é o romance mais tocante de Machado de Assis. Ora, a gente assiste um ser humano, o Rubião, enlouquecer.Aos poucos, sem piedade.  É tão dramático, tão desolador. E isso acontece o tempo inteiro, como várias vezes está sugerido em Quincas Borba, sob o olhar das estrelas, que ficam na delas, impassíveis, lá no alto. como a plateia assistindo a um espetáculo. Todos esses elementos, juntos me mobilizam enormemente para o romance. É uma experiência de vida, ler Quincas Borba. E que a gente acaba "experimentando" várias vezes, ao longo da vida, conforme amadurecemos. Por outro lado, o grande desafio é sempre transformar Literatura para a linguagem dos HQs. Machado, é óbvio, não pensou em imagens - e parte de uma história em HQs é contada em imagens. Além de outros muitos fatores, como os cortes, de quadro para quadro, de página para página, e outros e outros mais.

 

 

 

A ideia surgiu da própria editora, que vem desenvolvendo esse trabalho. É uma tendência mundial, unir o clássico ao pop, ou seja, a solidez de um romance clássico, com uma linguagem super contemporânea, os HQs.  A importância são muitas. Uma delas é criar uma nova leitura da obra, outra é  utilizar um meio popular, cultuado por jovens leitores, para contar uma grande história.

 

O principal para mim é a universalidade. Machado foi um gênio, inovou a Literatura brasileira, tirando-a de sua vocação pitoresca, provinciana, de nos apresentar como filhos do paraíso. Colocou dramas que dão vida à Literatura Universal desde sempre, representados no Brasil, por personagens brasileiros e num português abrasileirado - que era até mal visto na época. Por outro lado, elevou nossa Literatura à discussão de questões humanas e existenciais que um Shakespeare, um Cervantes - leituras amadas por ele - discutiam. Ou seja, integrou a Literatura Brasileira à Literatura Universal, ao mundol. Não é à toa que uma edição muito recente de uma nova tradução para o inglês de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Flora Thompson-Deveaux, esgotou-se inteiramente no primeiro dia de lançamento. Mais atual do que isso, impossível. Há todo o sentido da proposta universalizante de Machado num ensaio famoso, histórico, que ele escreveu muito cedo, intitulado "Instinto de Nacionalidade". 

 

 

Procurei preservar a profundidade existencial dos seus personagens, combinadas a um sentido de melancolia, de galhofa, de ironia. Essa é a fórmula, o próprio Machado nos deu, na introdução "Ao Leitor", em Memórias Póstumas de Brás Cubas, para equacionar a complexidade única de seus enredos e personagens. 

 

Creio que os jovens, que cultuam os HQs, se sentirão atraídos a esta peça , ainda mais com a beleza visual que  Verônica lhe conferiu. E, para os leitores de uma maneira geral, é mais uma recriação de uma obra que marcou a Literatura e a História da criação literária no Brasil, com um sentido de liberdade, de crítica, de inclemência em relação às tramas humanas e do poder. Ganha-se sempre. Que venham um filme, uma peça de teatro, quadros, caricaturas... Ganha-se cada vez mais!  Cada recriação acrescenta alguma coisa, ou chama a atenção da leitura para algum ponto, algum drama subentendido. O olhar e nossa inteligência captam novos aspectos da obra a cada recriação.

 

 

 

Não concordo que QUINCAS BORBA seja simplesmente uma alegoria, no sentido de um outro jeito, engraçado, dissimulado, de representar este Brasil. Machado vai muito mais fundo do que isso, é muito mais intimamente Brasil do que o Brasil que se via. Ele recriou o Brasil, na base da inteligência literárias. E acrescenta aspectos ao seu enredo e aos personagens, até então insondados pela Literatura. Não é algo que está na realidade brasileira, mas na maneira inteligente, genial, com que Machado via essa realidade. Ele revela aspectos para refletirmos sobre essa realidade. Portanto, é muito mais do que uma alegoria. Mas, sem dúvida é atual, ao colocar a política como um jogo de vaidades, de troca de favorecimentos, de enganações e charlatanismos. Ao situar o ser humano universalmente, com suas delicadezas mas também com seus vícios, os mesmos desde a Bíblia. Ainda mais no Brasil, onde há correntes fortes nos entravando,  lutando pelo atraso, como se pudessem nos separar dos avanços do resto do mundo, em termos de mentalidade, e do avanço do próprio tempo, Há forças severas no Brasil contrárias às mudanças que são evidentemente necessárias em vários âmbitos da sociedade. Uma obra como essa expõe, disseca, denuncia, evidencia essas forças retrógradas. E aponta para um futuro possível, talvez utópico. Um futuro mais fraterno, quem sabe? Machado será sempre surpreendente, um humanista, um impulsionador de mentalidades.




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