Literatura não é tortura
Luiz Antônio Aguiar
Diante de algumas situações de inércia, torna-se necessário repetir o óbvio: Literatura é prazer. Um prazer às vezes combinado à dor, à perplexidade e à turbulência mental/existencial: que se confunde com gana de viver mais o mundo. Mas, Prazer!!!
Transformada em dever de casa ou/e matéria de prova – como acontece quando ignoram (inercialmente) a viva discussão que se empreende contra a utilização paradidática da literatura para crianças e jovens leitores – seu efeito é devastador: forma gerações de inimigos do livro, para quem malignos autores aliados a sádicos professores conspiraram para arruinar os fins de semana de jovens saudáveis e desejosos de viver.
O desafio posto é o seguinte: precisamos seduzir o jovem e a criança para a Literatura: devemos rejeitar, repudiar todos os artifícios que tornem a Literatura uma obrigação. Literatura não é coadjuvante nem acessório do currículo. Não pode ser rebaixada a servir de instrumento (paradidático) do ensino da gramática, muito menos da moral e dos bons costumes e de molduras afins.
Pelo contrário, coloca-se ao lado do leitor no seu direito de experimentar o mundo. Há professores-heróis-idealistas que, apaixonados pela Literatura, a tornam, para a garotada, no maior estímulo a descobertas e ao crescimento intelectual e espiritual. Mas, nem sempre isso é incentivado, até mesmo por exigências mercadológicas.
Ler Literatura é um ato de troca entre o indivíduo e o livro. É um ato também de intimidade (introspecção) e de liberação. Não pode ser devassado por pressões externas, por "cobranças de leitura", disfarçadas em trabalhos pós-leitura, nem pelo que «vai cair na prova» ou pela interpretação que " o gabarito determina como correto". Literatura, enfim, é algo à parte, singular, dentro de casa, na escola e no mundo. É um procedimento de formação informal, iluminista e humanista, visionário e especulativo, subjetivo e incerto como a vida (costumo dizer que às vezes é caso único de se plantarem tomates para colherem-se pirâmides). É para ser oferecido em espaços estimulantes e particularizados, tais como oficinas, bibliotecas, espaços extracurriculares – que não valem nota –, que podem se dar ao luxo de transgredir, de cultuar o proibido, de praticar o lúdico, sugerir o acesso ao inconfessável e explorar o conflito. Precisa tornar-se tentadora, irresistível, fascinante. Fracassa sempre que o jovem ou a criança se refiram ao momento de ler Literatura com um «ai, que saco!» do qual não tem como escapar.
Enfim, leitura e escritura são uma coisa só. São um gesto de apropriação do mundo, de descoberta e de aprofundamento, através da expressão escrita. São para romper (ou para oferecer a possibilidade de ruptura a quem queira tentá-la) o monolitismo bem-aceito e para inventar humanas verdades contra a ditadura da verdade única. São o «hipermercado... de impossíveis possibilíssimos» (Drummond, A suposta existência), onde o leitor produz matéria-prima para criar mundos para si. São a aventura que não estará nunca refletida no boletim escolar, mas no reconhecimento do que se ganhou, do que se aproveitou e se ampliou na existência.
(Publicado no «Caderno de Idéias», Jornal do Brasil, 30/4/94
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