LIMA BARRETO É POP TAMBÉM
Luiz Antonio Aguiar
- Vossa excelência vai obrigar o povo a andar nu.
- Não apoiado. O vestuário deve ser coisa
majestosa e
imponente, para bem impressionar
os estrangeiros que nos visitem.
Os Bruzundangas
Escolhido
como escritor homenageado para a FLIP 2017, Lima Barreto não deveria ser
lembrado somente pelo (glorioso!) O
triste fim de Policarpo Quaresma. Há mais a se descobrir nesse escritor que
transformou desilusão (com a República), padecimento pessoal e rebeldia em pura
Literatura. Aqui, dou dicas de leitura que mostram um Lima Barreto em
facetas de caricatura/paródia e aventura, muito pouco mencionadas.
Apesar do humor ácido empregado nos
textos,
ao ler Os Bruzundangas, tenha
certeza
de que seu autor os escrevia também num
tom de lamento. É possível, ainda, imaginar
que se trate de uma obra
dolorida, sofrida,
um desabafo feito por quem preferiria retratar
seu país de
maneira bem diferente.
Quem sabe como o país sonhado por Policarpo Quaresma, um
dos mais íntegros e
idealistas personagens da Literatura Brasileira?
Luiz Antonio Aguiar em
"À moda de Gulliver",
comentário à edição da FTD de Os Bruzundangas
Entre abril e junho de 1905, Lima Barreto, então repórter do Correio da Manhã, publicou uma série de reportagens sobre escavações no Morro do Castelo, parte do empreendimento de modernização da cidade do Rio de Janeiro, promovido pelo Prefeito Pereira Passos. Na época, foi descoberto um enorme labirinto de galerias, abaixo do antigo convento jesuíta, datado do século XVI. Já nessa época, o Colégio Jesuíta fundado por Manuel da Nóbrega servia a outras destinações – os Jesuítas foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII. O Convento seria demolido em 1922.
A
descoberta das misteriosas galerias, cujo propósito permanece desconhecido,
levantou rocambolescas hipóteses.
Talvez, fossem uma via de fuga dos jesuítas – já prevendo as perseguições que
sofreriam, por parte do todo poderoso Pombal. E a mais popular dessas
histórias, que acabaram se transformando em lendas urbanas do Rio de Janeiro
antigo, falava num colossal tesouro que os jesuítas, não podendo carregar
consigo, ao serem expulsos do país, deixaram oculto, naqueles subterrâneos.
As galerias,
segundo alguns, também teriam servido de passagem para os assassinos do pirata
Jean François Duclerc. Os piratas de Duclerc haviam chegado
por mar e feito uma tentativa de tomar a cidade, em 1710. A invasão foi repelida e Duclerc, capturado. No entanto, foi misteriosamente
assassinado, durante a madrugada, na mansão que lhe servia de prisão, em 17 de
março de 1711.
Envolta em segredos e mistérios,
a morte de Duclerc serviu de desculpa para a segunda invasão francesa, naquele mesmo ano, promovida pelo pirata Dugain
Trouin. Dessa vez, bombardeado pelos canhões da poderosa frota francesa, o Rio
de Janeiro teve (segundo alguns historiadores, os moradores mais ricos da
cidade preferiram não lutar) de se render. O pirata saqueou a cidade e maltratou
o povo das ruas por 40 dias, somente se retirando mediante o pagamento de um
resgate. Na verdade, Duclerc e Touin eram corsários que saqueavam a serviço do seu rei, Luis XIV, e de patrocinadores da iniciativa privada francesa, aos quais cabia uma alta percentagem
dos butins aferidos.
Os subterrâneos do Morro do Castelo, ou, D. Garça, é um folhetim, publicado no Correio da Manhã, em que Lima Barreto, aproveitando a curiosidade
popular atiçada pela descoberta das galerias subterrâneas, cria uma versão ficcional para o assassinato
de Duclerc, reavivando o mistério sobre uma secreta história de amor e sobre
tramas envolvendo o lendário tesouro do Morro do Castelo.
O própio Lima Barreto em participação especial em
O triste Fim de Policarpo Quaresma em HQ -
Roteiro Luiz Antonio Aguiar / Desenho Cesar Lobo
É uma obra aventuresca, um
folhetim, de enorme apelo para os leitores, como muitas histórias de mistério e
ação da Literatura Pop de hoje. Não seria todo escritor – mas somente um com
gana de alcançar os leitores, de seduzi-los e entretê-los –, que se atreveria a
publicar uma obra que poderia (e foi) considerada menor, literatura barata.
"O
Escritor Guerreiro
Ao abrir mão
de criar uma obra
mais profundamente ficcional, em Os bruzundangas,
Lima Barreto cunha suas críticas
mais contundentes
à sociedade brasileira. Há trechos
em que o ataque tem alvos certeiros,
inclusive
a defesa de suas concepções e práticas literárias."
Luiz Antonio Aguiar
em "Os Desiludidos",
comentário à edição da FTD de
Os Bruzundangas
Ainda na linha POP, preconizada
inadvertidamente por Lima Barreto, temos Os
Bruzundangas (1923), uma paródia, impregnada de ironia, e que carrega um
certo tom de As aventuras de Gulliver (1726
, alterado em 1735), de Jonathan Swift. A República dos Bruzundangas é uma sátira
corrosiva, debochada, dos desacertos da incipiente república brasileira, principalmente
nos anos da ditadura de Floriano Peixoto – que não foi chamado de O Marechal de Ferro à toa. Uma paródia sem rabo preso ao limitante realismo, em que a fantasiosa República da Burungúdia espelha a matéria-
prima perfeita do seu original, para essa caricatura que expõe o dano que pode produzir a
mediocridade humana, política e cultural (realista?), combinada ao autoritarismo. A nação
inventada por Lima Barreto ostenta, sem constrangimento, vícios familiares ao leitor brasileiro.
Vale lembrar também, como investida na paródia fantástica, O homem que sabia javanês – um malandrão
que obtém enorme prestígio, e benefícios variados, fingindo saber o que ninguém
no país pode conferir se ele sabe de fato. Trata-se de um conto de 1911, outra peça em que
ficam expostos a mediocridade intelectual e o viés farsesco da cultura oficial e erudita brasileira da virada do século.
Sem o tom épico nem os heróis e
heroínas de José de Alencar, nem a letalidade existencialista tramada com
requintes de crueldade estética por Machado de Assis, como reflexão para o Brasil de então e de hoje (!) Lima Barreto não poderia ser
mais contundente. Homenageado pela FLIP, em 2017, teremos agora a chance de
descobrir (e POPularizar!) os muitos
momentos desse escritor que nunca foi aceito pelo status quo literário e
cultural que lhe foi contemporâneo, um insubmisso jamais domesticado, que encontrou seu jeito próprio e único de
transformar o país, o cotidiano do povo e seu tempo em Literatura.
É tempo de consolidá-lo
como uma referência para o público e especialmente para todos nós que nos dedicamos
ao ofício da escrita.
... Nem que seja para redimir, com
sua segunda sentença, as palavras iniciais do profético fragmento que Lima
Barreto deixou em seu relato autobiográfico...
“Viveu infeliz e morreu humilhado, mas
teve glória e foi amado.”
Lima Barreto, O cemitério dos vivos (1920)
Nenhum comentário:
Postar um comentário