Sou escritor, com livros dedicados principalmente a crianças e jovens. Há mais de 30 anos, percorro colégios e eventos do mercado editorial, como feiras de livros e festas literárias, para conversar sobre literatura com crianças, jovens leitores, pais e avós, professores, público em geral. Além disso, sou professor em cursos de qualificação de professores, em literatura, em diferentes espaços. Cito tudo isso para mostrar que é amplo o meu contato com a instituição educacional, colaborando nessa mediação entre a literatura e a escola. E jamais, em toda essa trajetória, vi uma escola com partido.

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Jamais vi uma escola que bradasse as cores de um partido, ou sua sigla, empurrando-a, nem ostensiva nem subliminarmente, aos alunos. Jamais assisti a propaganda partidária em sala de aula, ou nas dependências de um colégio. Creio que quem elege essa suposta despartidarização como uma solução para nosso sistema educacional desvia os olhos da realidade dos alunos, principalmente os da rede pública.

Creio que nunca trabalharam em escolas instaladas em meio a lixões, nos quais os pais dos alunos — catadores de lixo — defendem a sobrevivência dia a dia. Creio que jamais precisaram dizer à garotada que naquele dia não haveria merenda — a única refeição que teriam no dia. Aposto que nunca saíram dos portões da escola e atravessaram a rua, para disputar um garoto com os traficantes, e tentar trazê-lo para dentro da sala de aula para evitar que fosse aliciado pelo tráfico. Acredito que nunca precisaram se jogar no chão, junto com sua turma, para escapar do fogo cruzado. Que nunca choraram por alunos seus, mortos por balas, ditas perdidas.

Que jamais se viram fazendo o possível e o impossível para vencer a desesperança, às vezes letal, dos alunos, que os conduz a uma apatia e indiferença quanto a tudo que diz respeito a aprendizado.

Nem nunca, com recursos próprios, cuidaram com carinho de uma sala de leitura ou de uma biblioteca, na escola, de modo a torná-la a mais atraente possível para os alunos.

Nunca vi uma escola com partido. Mas já vi professores fazendo tudo isso que narrei acima, na firme crença de que na educação está a única oportunidade que cada jovem e criança sob seus cuidados teria de conquistar um futuro digno desse nome.

Vejo professores, idealística e heroicamente, apesar de não obterem a valorização profissional que merecem, se empenhando para levar seus alunos a acreditarem que podem construir uma outra vida.

Em suma, vejo professores que tomam o partido dos seus alunos.

Infelizmente, moramos num país onde a realidade é cruel. Aqui, o número de assassinatos de jovens negros pobres se equivale às vítimas de uma guerra civil. Aqui, o feminicídio e as agressões a gays desafiam nossa tolerância ao horror. Aqui, pessoas morrem sem atendimento nas filas dos hospitais. Os telejornais nos mostram uma população desassistida no seu cotidiano, deixada de lado.

A escola é um lugar mais do que apropriado para se observar e pensar essa realidade. Isso não é propaganda partidária nem doutrinação ideológica. A não ser para quem pretenda omitir, da escola, o que vemos nos noticiários rotineiramente.

Ao se propor pendurar dentro da sala de aula um cartaz com uma lista de proibições que pesam exclusivamente sobre o professor e a professora, ao estimular que se denuncie o educador pelo que expõe para a turma, procura-se constrangê-lo e atribui-se a ele a culpa dos problemas sociais que contextualizam a questão do ensino no Brasil.

Pior... Ao se tentar vender para a sociedade esse trabalho, totalmente pertinente à missão do professor, como doutrinação e propaganda — partidárias! — , o que se pretende é torcer o ensino e contê-lo num papel alienante, servil e cúmplice de injustiças, insegurança, desigualdades, desrespeito a direitos e preconceitos.

Nunca vi escola com partido. A acusação de fato é contra o professor. Quem perde são as crianças e jovens. E toda a população.