sábado, 26 de setembro de 2020




Ilustração ANDRÉ BROWN

 

 

POR QUE MACHADO DE ASSIS?

5 Bruxarias Literárias

Luiz Antonio Aguiar

 

 

               Recentemente, fui convidado pela Cátedra Unesco de Leitura/PUC-RJ/ IILER/CCE para dar uma palestra on line que colocasse minhas razões para se admirar e ler (e reler sempre) a obra de Machado de Assis. Para muitos, podem parecer temas redundantes, desnecessários. Ora, por que Machado de Assis? Porque ele é Machado de Assis. Mas, quem se preocupa em democratizar a Literatura, entre a população brasileira, não pode partir de um ponto de vista autoritário de que as nossas referências sejam as mesmas de todos. Há, sim, que explicar por que Machado de Assis, ainda mais considerando que se trata de um autor morto em 1908, que passou a maior parte de sua existência no século XIX, e que portanto teria, num raciocínio comum,  pouco a nos dizer e sobre a realidade do país de hoje, do mundo de hoje, da cultura e do modo de vida das pessoas de hoje.

               É claro que um texto que se proponha a dizer Por que Machado de Assis? deve ter a humildade de reconhecer que precisa se confrontar com essa ideia de Machado, que é a de praxe, a mais naturalizada, a mais disseminada.

               Por outro lado, acredito que não haja somente um Machado de Assis a ser lido. Não vejo assim a Literatura. Se uma única interpretação de uma obra pudesse se impor e submeter as demais, a leitura também se esgotaria nessa única leitura. Não haveria de fato motivo para outros lerem aquela obra. A Literatura é bem mais generosa. Nela cabem todos e todas as leituras possíveis.

E posso esperar que haja um Machado-POP  - atual, adaptado para histórias em quadrinhos; oferecido com cuidados homeopáticos a um público que pode se tornar seu leitor cativo, identificando Machado (sem procurar articulações com o cânone literário, erudito, nem acadêmico) com seus rolos existenciais, com sua vida (amor, tédio, ciúme, desolação...) que abundam em seus contos, crônicas e romances.

O Machado que, brevemente,  apresento aqui, e o meu Por que Machado de Assis?  são os meus. Cada tiete, fã, leitor, estudioso de Machado terá o seu. Há razões minhas para eu amar Machado. É o que vou expor nesse texto.

               E posso citar cinco razões especiais, que costumo chamar de Bruxarias Literárias.

Cinco Bruxarias Literárias, portanto. Que vou listar e depois desenvolver.

PRIMEIRA: Machado é atualíssimo, especialmente considerando o mundo e o Brasil mais recentes.

SEGUNDA.  Machado tem uma biografia admirável, exemplar, principalmente considerando o Brasil de hoje e toda a decadência moral de alguns de nossos governantes, que dão exemplo tão deplorável para o restante da população, estendendo os efeitos e contaminação dessa crise moral a grandes parcelas da população.

TERCEIRA.  O Projeto Literário de Machado, desde 1873, com Instinto de Nacionalidade, numa radicalização do projeto materializado nos Perfis de Mulher, de José de Alencar, pode ser lido como a formulação de uma relação dialética entre o Abrasileiramento...

QUARTA. ... e a criação de uma dimensão Universal  para sua obra, superando, segundo inclusive um belo crítico desta, na época, José Veríssimo, o nacionalismo mais simplório, que se estendeu para toda a Literatura Brasileira. Até hoje!

QUINTA. Numa abordagem que chamo de Arqueologias Literárias, a linhagem literária de Machado (além de José de Alencar), abarca grandiosos nomes e temas permanentes da Literatura Universal ( enfoco particularmente Cervantes, Shakespeare e Edgar Allan Poe), que lhe acrescentaram também uma dimensão metafísica, raramente ressaltada. 

Passo, então, sempre sumariamente, a defender meu Por que Machado de Assis?

 

MACHADO: ATUALÍSSIMO

 

               Há dados pontuais que ratificam essa atualidade de Machado de Assis – que o (re)colocam como um autor contemporâneo  – nosso contemporâneo do século XIX -;  mas também todo um raciocínio que leva em conta o contexto mundial e brasileiro, neste ano de 2020, ano da pandemia, ano do primeiro movimento e a primeira palavra de ordem que uniu, no mínimo, o Ocidente inteiro de novo, desde a Revolta dos Anos 1970, o movimento antirracista, com seu lema Vidas Negras Importam! – e ano também em que o Brasil, depois de um período de avanços que nos fez quase adentrar a modernidade e nos integrarmos ao mundo como uma nação progressista, foi puxada para trás, num brutal retrocesso, pelo reacionarismo associado à corrupção, pondo em risco até mesmo as mais elementares conquistas democráticas, ambientais e no plano dos direitos humanos.

               E o mais intrigante (para quem não conhece o sujeito em questão) é que tudo isso pode ser enxergado pela ótica proposta por Machado de Assis.

               Começo pelos dados pontuais.

               Em tradução recente para o inglês, de autoria de Flora Thomson-DeVeaux, Memórias póstumas de Brás Cubas revelou-se um surpreendente e inusitado best-seller. No primeiro dia, logo em seu lançamento, o livro esgotou-se tanto nas prateleiras das livrarias físicas quanto nos estoques das livrarias virtuais, nos EUA. Nunca se desconfiou que um livro brasileiro, dado até então como quase desconhecido, atraísse tanto interesse.

               Machado, de Silviano Santiago, uma mistura de biografia (dos últimos quatro anos, justamente os da dolorosa viuvez, do agravamento das doenças e da reclusão maior e luto de Machado) de Machado de Assis, com ensaio interpretativo e documento sobre as mudanças que nos conduziam à modernidade, num raro momento de integração com o chamado Concerto das Nações (as potências hegemônicas no mundo), ganha, em 2018 (produção de 2017), o prêmio Jabuti de melhor romance brasileiro do ano. Em 2020, uma volumosa coletânea, em dois volumes, mais de mil páginas, organizada por Hélio de Seixas Guimarães, reunindo todos os textos sobre Machado de Assis, publicados desde 1908 (ano de sua morte), é lançada no Brasil, sob a coleção O escritor por escritor: Machado de Assis segundos seus pares.

               Novos inéditos vêm sendo descobertos a cada ano. Agora, em 2020, uma biografia de D. Pedro II, que Machado teria escrito aos 20 anos, provando que as pesquisas sobre a obra do autor mulato atraem cada vez mais especialistas.

               Saindo do meramente pontual e observando o movimento antirracista, que empolgou o Ocidente a partir do deplorável episódio do assassinato, nos EUA, de George Floyd, praticado por um policial, Machado também  nos proporciona uma perspectiva ultra avançada. Isso porque esses movimentos, diferentemente dos movimentos negros dos anos 1970, liderados por Malcolm X e Martin Luther King (com diferentes perspectivas), que reivindicavam a conquista de espaço institucional para a população negra, os movimentos antirracistas de hoje questionam um racismo estrutural, naturalizado, quase impalpável, que, mesmo fora da institucionalidade, mesmo ilegal, permite a um policial branco matar um negro no meio da rua – dias depois, policiais, também nos EUA , dispararam sete tiros nas costas de outro cidadão negro, deixando-o paraplégico.

               O assassinato de George Floyd foi gravado em celulares por pessoas na rua, num vídeo de 9 minutos que testemunhou a brutalidade do policial, os gritos de agonia da vítima (“Não consigo respirar!”), o desespero dos que assistiam a cena. E viralizou. No mesmo instante, em várias partes do Ocidente, pipocaram movimentos antirracistas, que inclusive sitiaram Trump e a Casa Branca, e que (neste momento em que escrevo, é ainda apenas minha torcida) enterraram a possibilidade de vitória candidatura dele à reeleição. Os movimentos chegaram ao Brasil  reunindo, num fenômeno político inédito e belíssimo, a luta antirracista com o protesto contra as atitutes do presidente Jair Bolsonaro, em relação à pandemia e sua tentativa de gestar um golpe de Estado que  o tornaria um novo ditador.

               Era a primeira vez que o povo se atrevia a ir às ruas, desde o alastramento do Coronavírus. E foi porque sentiu que era um momento, como foi confirmado depois, em que a democracia estava por um fio. Somente com seus poucos fanáticos se manifestando publicamente, sem máscara nem cuidados sobre o contágio, parecia que Bolsonaro havia ganhado as ruas, e ameaçava estrepitosa e ostensivamente, explicita e atrevidamente, acompanhado pelas faixas e cartazes de seus seguidores, fechar o Congresso e o STF, e montar uma ditadura familiar-miliciana, com apoio de seus assessores, civis e militares. As faixas pediam o fechamento do Congresso e do STF, a criminaçlização do comunismo, a a Ditadura com  Bolsonaro. O prédio do STF chegou a ser sitiado e bombardeado por um grupo que usava paramentos da Ku-Klux-Klan e do nazifascismo. A democracia brasileira corria perigo de morrer ali.

               O povo saiu pra rua em inúmeras cidades pelo Brasil inteiro. Decidiu correr o risco da contaminação, despojadamente. O grito de “Vidas negras importam!” ecoou por nossas cidades. O golpe foi abafado. Os fanáticos recuaram. Bolsonaro e os seus acólitos se tornaram mais cautelosos. Não que tenham abandonado o projeto de sufocar a democracia e assumir o poder absoluto. Mas, porque a reação das ruas e os panelaços os preocupou. O povo não estava inerte, apenas se cuidando.  O Presidente, desdenhoso quanto aos mortos pela pandemia, fazendo piadas sobre as vítimas, rindo das famílias destroçadas, em meio a 140 mil mortos e mais de 4 milhões de contaminados, preferiu calar-se, recolher-se.

               O racismo estrutural, aquele quase indetectável, pelos brancos (que não existem, neste nosso país mestiço, pelo menos, não, brancos como os assim definidos pelos brancos norte-americanos), mas que os negros, como Machado, sentem na pele, aquele que é negado e ocultado, neste país, foi fartamente exposto por Machado. Cito aqui crônicas, como a de 19 de maio de 1888, contos como Mariana (1871), O caso da vara, Pai contra mãe, e outros textos, colecionados, inclusive, no livro MACHADO AFRODESCENDENTE, de Eduardo de Assis Duarte. Ali, o racismo existe na sociedade, e se justifica invisivelmente, dando base para atos atrozes. Machado foi o primeiro a ver isto. Que não vivemos numa sociedade onde há racismo, mas, numa sociedade intrinsecamente racista.

               Tão intrinsecamente racista que Machado, pela mão de amigos, passou por um involuntário embranquecimento. Desde o retoque de fotos e retratos, para tornar suas feições menos evidentemente negras, até a certidão de óbito, que por motivos óbvios não foi preenchida por ele, onde consta como cor – Branca. E não só aí há preconceito. Ao grande escritor, presidente da Academia Brasileira de Letras desde a fundação da instituição, deram nessa mesma certidão, como profissão, “funcionário público”. E deixaram vazios os espaços a serem preenchidos pelo nome da mãe e do pai, como se todos não os soubessem, como se ele não fosse filho legítimo de um pintor de paredes, mulato e filho por sua vez de escravo liberto, e de uma açoriana, lavadeira.

               Machado não foi antirracista pela exploração do folclórico, nem do pitoresco. O passadismo para ele não tinha o vigor literário do presente, que ele dissecou. Mostrou o racismo correndo no sangue brasileiro, até mesmo daqueles que se pretendiam liberais, europeus, muito modernos, desfilando na Rua do Ouvidor, com mucamas em casa para cama e mesa, e escravos de ganho na rua, rendendo-lhes comissão dos serviços prestados.

O preconceito vingou. Entranhou-se. O racismo é, por todas as vias, o cancro que precisamos superar para avançar no processo de construção da democracia neste país. O antirracismo é  a afirmação mais genuína do negro em nossa sociedade e o mais importante movimento social que despontou, unindo o mundo, nas últimas décadas e neste nosso século.

               Quanto ao desdém braszcubiano das elites, que leva o governante e seus assessores a negar  a pandemia que já matou mais de uma centena e meia de milhares de brasileiros, fora as subnotificações; que assola, em uma amplitude genocida, as populações indígenas; quanto ao descaso pelos incêndios que comem nossas matas, e calcinam os animais; o desmonte da saúde pública, da educação  pública e da cultura, neste país, o Humanitismo lá está, em Memórias Póstumas de Brás Cubas e em Quincas Borba, para tentar naturalizar as mortes e a devastação. Uma filosofia de mundo / religião (formulada por um lunático), regida por uma impiedosa entidade que personifica a predominância da lei do mais forte. Os que tem de morrer, morrerão... E daí?... Eu sou coveiro, por acaso?... Os mais fortes nem saberão que foram contaminados... AOS VENCEDORES, AS BATATAS.

               Como ninguém, Machado enxergou a maneira como parte das elites e dos governantes trata o povo. Como uma rinha, em que eles triunfaram e, sendo os vencedores, têm direito ao butim. Que se exploda o resto. Era assim no século XIX, sob as vistas de Machado – que no livro de Silviano Santiago assiste ao Bota-Abaixo, que coloca centenas de famílias na rua, ao relento, e demole à força suas casas, para construir um centro da Capital à altura da grandiosidade que deliravam para a República, que não era a dos sonhos de sonhador nenhum. E é assim, hoje em dia, quando os desvalidos morrem nas filas dos hospitais públicos e o número de negros jovens assassinados no país bate recordes de vítimas de guerras com anos de duração.

Machado não era vidente. Não previu nada. Mas viu e mostrou a voracidade desumana com que o país se modernizava, pressentiu o espírito ruim do processo em curso, sem a contrapartida de um povo, adquirindo educação e direitos, para moderar essa elite predominante. Aqui, essa casta sedimentava seu poder, sem ter de se importar, como nos países mais avançados, com a organização popular: (repito) Ao vencedor, as batatas.

Humanitas tem fome. Humanitas quer comer. Humanitas inclemente devora. Humanitas ironicamente é o oposto  de todo e qualquer rastro de Humanismo.  Assim, ele compôs uma alegoria da sociedade de seu tempo, Machado de Assis, nosso contemporâneo do século XIX.

 

 

 

MINHA VIDA É LITERATURA

 

               Não vou fazer aqui nem sequer um apanhado da biografia de Machado de Assis. Apenas marcar alguns pontos importantes que me fazem admirá-lo como ser humano e ser devotado à Literatura.

               Infância pobre, mulato – neto de escravos –, órfão de mãe muito cedo (10 anos, vítima do sarampo), nunca frequentou a escola, já que trabalhava na rua como vendedor de doces (que sua mãe fazia) e outros biscates, gago, epilético, sofrendo de infecções digestivas e dos olhos desde cedo. Sua irmã, Maria, morreu aos 4 anos – ele tinha 6 na época. Aos 16, abandonou a casa do pai, pouco depois deste contrair novas núpcias, não se sabe ao certo por quê, e foi morar no Centro.

               Também não se sabe como, mas enquanto autodidata, com certeza, adquiriu excelente conhecimento na Língua Portuguesa, que lhe garantiu emprego de revisor em importante jornal da Corte, além de conhecer o francês (publicou pelo menos um poema – horroroso – em francês, uma homenagem ao Imperador; traduziu Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo, em 1866) e o inglês (foi o segundo tradutor de O Corvo, de Edgar Allan Poe, para o português, e grande leitor desse autor americano, estrela da Literatura gótica do hemisfério americano). Poe iria influenciar bastante Machado, em mais de um aspecto, assim como toda a Literatura, em seu país, incluindo nomes como Henry James, H.P. Lovecraft e Stephen King.

               Machado tornou-se cronista de leitura obrigatória na Corte, publicando textos nos jornais e revistas – e também contos –, até praticamente o final de seus dias. Poucos escritores, na história de nosso país, foram tão cultuados, tão admirados pelos leitores, pelo público, ainda em vida.

               Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e seu primeiro presidente, eleito por unanimidade – ganhou até mesmo o voto de seu inimigo eterno, Sylvio Romero (que se lançou contra Machado e sua obra desde o artigo já citado, de 1873, acusando-a, entre outras coisas, de não contribuir para a formação da nacionalidade, do nacionalismo, de não ser obra brasileira; ao Memórias póstumas de Braz Cubas, um romance em tudo original, classificou como criação de um gago, não se esquecendo de citar a cor de Machado como prejuízo para o que considerava um não-romance). Romero era um dos defensores da necessidade de um processo a ser imposto de branqueamento de raça brasileira.

               Machado é o único escritor brasileiro reconhecido, internacionalmente, ao lado de gênios da Literatura, como Shakespeare, Cervantes, Dostoiévski, Balzac.

               Enfim, esse homem humilde, que poderia ter morrido ainda criança, homem miúdo e tímido, tão tímido que mal olhava alguém nos olhos, tão reservado que, pouco antes de morrer, mandou queimarem as cartas trocadas entre ele e sua adorada Carolina, a esposa de toda a vida – para que não lhe invadissem jamais a privacidade; esse escritor mulato brasileiro, por amor à Literatura, ao seu ofício, aos grandes escritores e obras da Literatura Mundial, não conquistou riqueza (quase foi despejado do famoso endereço, Rua Cosme Velho, 18, quando lhe impuseram um aumento substancial de aluguel, três anos antes de sua morte), trabalhou a maior parte da vida como funcionário público, completando sua renda com seus poucos ganhos com sua obra (e como funcionário público, assim que alcançou projeção na carreira, dedicou-se a emitir pareceres que libertavam escravos, os quais, legalmente, haveriam ganhado direito legal à liberdade, a contragosto de seus “donos”)... Esse homem, exemplo de trabalho, de realização de sonho, alcançou a glória que mais desejava.

               Viver na Literatura.

No Brasil.

               Acreditem.

               Como não admirá-lo?

 

 

O PROJETO LITERÁRIO

 

               As terceira e quarta bruxarias literárias de Machado estão relacionadas a seu projeto literário, que, em 1892, José Veríssimo, numa resenha crítica a Quincas Borba, decifrou melhor do que ninguém. Não é à toa que o texto agradou muito a esse moço que, em 21 de junho deste ano, completaria 181 anos.

Vou citar alguns trechos dessa resenha, que para mim inspiram e embasam a dialética (Machado nunca a denominaria assim) do abrasileiramento (bruxaria 3) e da universalidade (bruxaria 4) machadiana, além de questões fundamentais como a fundação de uma nova inteligência para entender o Brasil, exposta em Instinto de nacionalidade (1873), e com renovada vitalidade por contingência dos dias que correm, nosso contexto atual, e a famigerada divisão da obra de Machado em duas fases, a do Romantismo e a do Realismo; esta, a partir da publicação de Memórias póstumas de Braz Cubas (1881, tb chamado, por causa do surgimento desse romance, de O ano em que a Literatura Brasileira alcançou sua maioridade). Passando, ainda, pela questão do humor em Machado, armadilha em que Veríssimo caiu, por desconsiderar alquimia formulado pelo próprio Machado – o casamento da galhofa com a melancolia. Todos esses pontos estão articulados, como espero demonstrar. 

O artigo de Veríssimo era uma resposta (Machado não polemizava com críticos, mas seus amigos o faziam por ele) às acusações de Sylvio Romero.  

Esse debate sobre a necessidade de uma brasilidade na Literatura brasileira ocorre ainda hoje. É recorrente, na verdade.  Acho que a matriz de um Sylvio Romero, do Integralismo e de Vargas, e depois da própria ditadura militar, calou forte demais em nossa consciência e cultura; talvez até mesmo em nossa identidade subjetiva. Conta ainda para isso a extensão territorial de nosso país, onde as culturas locais são , por justas razões, mais ricas e defendidas do que em centros cosmopolitas, internacionalizados – vide um Ariano Suassuna, e a isso se confunde com brasilidade, opondo-se ao colonialismo cultural, à invasão ianque sobre nossa cultura etc. O mal para mim é que pátria, nação, país, Brasil, se tornaram palavras tão vagas, que causam calafrios. Alguém pode desamar o povo e sacrificá-lo, numa pandemia, entre sorrisos, piadinhas sem graça e sem sombra de remorso, queimar nossas matas, fauna e flora destruídas, nosso patrimônio natural devastado, praticar o genocídio contra os povos indígenas, desmontar nossa produção artística e cultural, rejeitar a heterogeneidade religiosa e étnica de nosso povo (o que também é uma maneira de desamá-lo), e mesmo assim assumir como lema: “Pátria amada, Brasil”. Brasil, quem? Os termos nacionalistas são vagos. Não dizem ao que de fato se referem. Não-patriotaBrasil, ame-o ou deixe-o – é a esquerda, os questionadores, os rebeldes, insubmissos, opositores, insubmissos, críticos, todos os não-adesistas.

Há ainda o mito das raízes. Árvores têm raízes; cultura, que eu saiba, não está submetida a essa imobilidade, a não ser metaforicamente. Seres humanos podem fazer escolhas e tender a influências culturais diferenciadas, já que não estão presos à terra. Essa metáfora de raízes apoia  um isolamento em relação ao mundo, principalmente seus polos mais dinâmicos, e a um passadismo cômodo ao poder. Enquanto o mundo contemporâneo avança em mentalidades, em rejeição à homofobia, aos preconceitos raciais estruturais, a combater a destruição do meio ambiente, aqui pode simular-se uma ilha de paz e tranquilidade, outra imagem recorrente, implícita a todos os governos autoritários, que serve de instrumento para o negacionismo. Quando não parava mentira , simplesmente, que hoje ganha onome de fake news, como o discurso do cidadão que ocupa a presidência, na ONU, recentemente. 

Enquanto ocorrem movimentos antirracistas que unem grande parte do planeta, além do apoio aos refugiados, à luta pela democracia nos países tiranizados, à rejeição ao genocídio de populações tradicionais e à devastação, o apoio aos direitos da Mulher e a sua preservação física contra os fanáticos e ignorantes (Viva Malala!), nos vemos enraizados a um ideário de lendas transcorridas num tempo imemorial, que deixam intocados os grandes embates do presente, os que podem transformá-lo. É uma zona de conforto para os que cultuam esse tipo de nacionalismo, de militância e para os candidatos a ditadores. Um placebo indolor para os genocidas, que até o estimulam, gostam disso, e o reaproveitam em seu marketing. Hitlker estimulava o culto às Valquírias, não é fato?  

Lembrar aqui que Machado, em seus contos e crônicas contra os maus tratos aos negros, a escravidão e o preconceito situava sempre seus dramas em seu momento presente. 

Mas, voltando a Veríssimo, convido à reflexão sobre alguns trechos de seu ensaio, publicado no Jornal do Brazili, Rio de Janeiro, 11/01/1892, p.1-2; apud Hélio de Seixas Guimarães, Os leitores de Machado de Assis, São Paulo, EdUSP, 2004:

 

 .“A obra do Sr. Machado de Assis não pode ser julgada segundo o critério que eu peço licença para chamar de nacionalístico” (p.357).

. “toda a obra crítica do Sr. Sylvio Romero, consiste, reduzido a sua expressão mais simples, em indagar o modo por que o escritor contribui para a determinação do caráter nacional ou, em outros termos, qual medida do seu concurso na formação de uma literatura, que, por uma porção de caracteres differenciaes se pudesse chamar conscientemente brazileira. (p.357-8, grafia original, grifo meu).

. “estreitaríamos demais o campo de actividade literária de nossos escriptores se não quiséssemos reconhecer no talento com que a obra é concebida e executada um critério do seu valor, independentemente de uma inspiração mais pegada à vida nacional” (idem)

. O Sr. Machado de Assis, não é nem um romântico, nem um naturalista, nem um nacionalista, nem um realista, nem entra em qualquer das classificações em ismo ou ista.” (idem)

. “Não pertecendo a escolas, ele não poderá ser classificado como consoante à esthetica de cada uma delas” (p.359).

. “Outra feição especial que distinguirá o Sr. Machado de Assis é o seu humorismo” (359).

.”Eu não indago se o sr. Machado de Assis é um moderno ou um antigo, um velho ou um novo, um romântico ou um naturalista; acabando de ler seu livro, acode-me que tenho igual sympathia por todas e igual desprezo por todas as parcerias, acode-me a ideia trivialíssima que o melhor meio de servir uma literatura é ainda fazer livros – principalmente livros, como este.”.

               E acrescento o próprio Machado no antológico Instinto de Nacionalidade, que formulou uma nova inteligência para compreender o Brasil, terra indecisa, carente de identidade, que oscilava entre o mofo do Império e a modernidade acenada pelo Concerto das Nações, tanto quanto nosso país de hoje, premido pela hábil utilização das redes sociais pelos  nossos governantes:

               “Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro... [...] ...    Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço."   (Notícia da atual literatura brasileira. Instinto de nacionalidade.

Obra Completa de Machado de Assis,Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. III, 1994. Publicado originalmente em O Novo Mundo, 24/03/1873).

               O grande escritor mulato colocava, sem assim nomear, em termos simples, toda a delicada, complexa e difícil dialética entre a modernidade, que atraía o povo brasileiro como a luz atrai mariposas, e seu apego igualmente atávico às raízes, à zona de conforto. O dilema nacional e o mundialismo.

               Foi José de Alencar quem iniciou o projeto de abrasileiramento do português como matéria prima da nossa Literatura, ou melhor, quem usou o português, conforme falado no Brasil, como idioma literário. Foi muito criticado por isso, seu texto considerado pobre, vulgar, justamente porque fugia aos padrões lusitanos. Em diversas ocasiões, o polemista cearense partiu para o revide, para o ataque, como era de seu feitio, em ensaios e prefácios antológicos, como o Como e Porque sou Romancista (1873, mesmo ano de Instinto de Nacionalidade).

               A ideia era captar leitores para o romance nacional. Quem lia, e era uma percentagem mínima de alfabetizados, lia romances traduzidos dos folhetins franceses, e só na França idealizava poder se ambientar um romance.  Alencar não se lançou nessa empreitada por um ímpeto nacionalista – que até tinha mais desenvolvido do que Machado - , mas para poder situar, ambientar, dramas e personagens em nosso Rio de Janeiro (os Perfis de Mulher,  de Alencar, nos quais ele materializa esse projeto, notadamente Lucíola e  Senhora), e para poder trazer temas perenes na Literatura para nosso ambiente urbano. Por uma questão de consistência de composição literária, de verossimilhança, esses personagens deveriam falar um português mais fluente, mais identificado com o público brasileiro.

               Machado, amigo e admirador de José de Alencar, prosseguiu com o projeto do romancista falecido prematuramente, em 1877, aos 48 anos, de tuberculose e em dificuldades financeiras, já que não lhe pagavam direitos autorais (que não eram assentados legalmente na época). Seus primeiros romances (Ressurereição e os 3 seguintes) radicalizam a linha dos Perfis de Mulher, assim como nos contos. Nuns e noutros,  começa a introduzir alguns toques bem machadianos. Haveria o casamento da galhofa com a melancolia, um quê de complexidade, inclusive psicológica (o personagem dotado de subconsciente, antes de esse site da nossa mente ser nomeado por Freud; de motivações ocultas, que o próprio personagem desconhece, de monólogos que o transformam), e todo o sentido de universalidade e até de metafísica que Machado acrescentaria ao projeto, e que tornariam sua obra única e atual. Clássica.  

               Aos personagens e os enredos machadianos – em sutil consistência com o que formulara em Instinto de Nacionalidade –, brasileiros, morando na Corte, participando de sua vida social, de seu trânsito nas ruas, de suas confeitarias, de suas manias e vicissitudes, e mesmo de seus vícios, seria franqueado incorporarem temas permanentes, universais da Literatura. Não mais o pitoresco, o autentico e exclusivamente brasileiro, o exótico. Todos eles são dramas e personagens que vivem seu lugar, mas também o seu momento, no Brasil e diante do mundo, mesmo que numa posição de observação particular, ao mesmo tempo integrado e alijado do progresso do Concerto das Nações. Professavam-se liberais, e falavam francês na Rua do Ouvidor, ao mesmo tempo que não abriam mão do trabalho escravo. 

               Raul Pompeia publicou O ateneu em 1888. Seu português tendia ao erudito, distanciando-se muito do cronista quase incessante de jornais e revistas da Corte. O primo Basílio, de Eça de Queirós, é de 1878. Parece um português semelhante ao de Machado, mas falado em outro planeta.

               Machado, além de tudo, queria leitores. Leitores que aceitassem seus personagens e enredos universais, sobre o amor, os sentimentos que dissimulamos e confundem a nós mesmos, os dilemas íntimos, a multiperspectivização do sentido, desafiando a verdade, mas ambientados no Brasil, próximos ao seu leitor. Por isso, escrevia de um modo mais simples, mais acessível.

Por exemplo, para encurralar o positivismo e o naturalismo, os excessos cientificistas de sua época, escreveu o conto Ideias de canário, em que o passarinho põe o mundo, a cada momento, em perspectiva diferente, dependendo sempre do seu ponto de vista.

Por exemplo, também: para comentar o progresso, em 1892, trazido pela eletricidade, em crônica de 16 de outubro bota dois burricos, puxadores de bonde, para comentá-lo, e ao mesmo tempo insinuar que o progresso, símbolo dístico de nossa bandeira, dogma positivista, pode ser para uns benéfico; para outros, condenação.

Por exemplo, ainda e finalmente, para mostrar a condição da criança, na cultura familiar, tendo sua infância e peraltice inata negadas, escreve o conto Umas férias, uma pequena obra-prima em que um menino se torna dono da história.    

Enfim, Machado era uma inteligência original para a sua época. Até em suas leituras. Enquanto a maioria lia Comte, papa positivista, ele lia Kierkegaard e Schopenhauer, aventurando-se nos labirintos da construção aleatória e humana da realidade pelo olhar e pela inteligência, e não como dado divino. Mas, às vezes, tanto a sua ironia quanto suas sutilezas passavam despercebidas. E ainda passam. Ideias de canário e Umas férias são contos menos estudados, menos famosos, subestimados até hoje. A crônica de maio de 1888, aqui citada, por alguns já  foi vista como demonstração do racismo  de Machado, e não como uma crítica à condição marginal e subalterna a que ficou reduzido o ex-escravo, mesmo com a libertação. Assim como seu grande amigo, Joaquim Nabuco, Machado defendia uma Abolição que incluísse socialmente o ex-escravo – via reforma agrária, alfabetização em massa e outros ideais que ainda hoje estão em pauta – na sociedade. A ala mais progressista republicana, representada por Silva Jardim e Lopes Trovão (Machado e Nabuco eram monarquistas), que tentaram por abaixo a monarquia e proclamar a República com manifestações de rua, abraçaram esses ideais, mas foram alijados do processo por Quintino Bocaiúva e seus ardis políticos entre quatro paredes. Há muito da história política da época que se repete, nas manchetes dos jornais de hoje, e tudo isso passou diante do olhar inquisidor, cético de Machado de Assis. E da sua Literatura.

               Outra pitada incluída no projeto machadiano é essa mistura de galhofa e melancolia. Simão Bacamarte, em O alienista, primeiro, interna quase a cidade inteira na Casa Verde. Cionsidera-osloucos e sua Itaguaí, delirante. Depois, por integridade e lógica científica, concluindo que o normal seria o da maioria, e a insânia, da minoria, libera-os e interna a si mesmo. Morrerá no hospício que ele mesmo ergueu e dirigiu. É  irônico, engraçado? È... E também profundamente melancólico. Privado de heroísmo, os protagonistas de Machado são soterrados pelo patético. A solidão de Bacamarte, vítima da sua própria integridade científica, é risível e triste, e não se pode entender seu humor, sem a depauperização do ser humano que o acompanha. A solidão dos narradores-personagens de Machado é sua condenação, e ao mesmo tempo a licença que tem, como Rubião, um simplório, para estrelar uma obra. Seu momento de glória é também sua perdição.

               Enfatizando, não se pode entender a galhofa de Machado, sem o componente, em igual medida importante, da melancolia. Ele não é um humorista, como o classificou Veríssimo. Na dedicatória de Memórias póstumas... lê-se: “Ao   verme primeiro que roeu as frias carnes de meu cadáver, dedico, como saudosa lembrança, estas memórias póstumas”. Brás Cubas se levanta da tumba para contar sua história e dedica a autobiografia, ele, defunto-autor, que só virou autor depois de morto, ao verme que o comia. Engraçado, sim? Mas também... O Capítulo Final, Das Negativas, é uma tentativa de gabar-se de sua própria esterilidade. Nada fez, não viveu, morreu em vão, e ali está, tentando nos convencer de que a narração de sua existência tem outra importância além de tentar em vão sanar sua insaciável vaidade, sua superficialidade diante da vida, do amor, da política nacional, de tudo e de todos, que desdenhava, como bom filho da elite abastada brasileira. Igualmente atual.

               Vale ressaltar que Harold Bloom, ao incluir Machado entre  os 100 gênios da Literatura mundial e Memórias póstumas... como um dos melhores romances já escritos (na crítica brasileira de então, choveram restrições), declara que não vai reproduzir essa Dedicatória, “terrível demais”  para ser citada. Debochar da melancolia da morte não é para o estômago de anglo-saxões, talvez. A promiscuidade da galhofa com a melancolia leva à rejeição de Bloom. Mas, é marca machadiana, em vários momentos.  Ou alguém ri, de fato, da piada final do maestro Pestana, em Um homem célebre, sem um rasgo de dor e compaixão? E alguém ri de D. Quixote, de seus destrambelhos, sem observar a solidão deste que, por paixão aos romances de cavalaria, se fez cavaleiro andante num momento em que a cavalaria andante já não existia? Mas, esse ponto já pertence à bruxaria mais adiante, o das Arqueologias Literárias. De fato, estão todos integrados...

               Esse romance, Memórias póstumas... publicado em 1881, nos leva a uma outra questão, assentada por Veríssimo, mas também fundamental para o projeto machadiano (que não posso apostar que ele o tinha, é verdade, até que Machado retorne do Undiscovery country para revelar suas intenções, o que duvido que ele faça, quer dizer, voltar, até pode, falar sobre o que escreveu, já tendo escrito, nunca... mas é uma leitura possível, se for bem argumentada)... A famigerada divisão da obra machadiana em duas fases; a primeira, romântica, até 1881 (Memórias póstumas de Braz Cubas) / 1882 (coletânea de contos: Papéis avulsos, onde publicou O alienista, que até hoje ninguém encontrou meios de definir se é um conto, ou uma novela)... e essa segunda fase , a partir da publicação desses livros, realista.

               A mão e a luva, o pragmatismo de Guiomar e Luís Alvez, ela inclusive rejeitando o ultra romântico Estevão, poeta sem tostão, entre outros candidatos, e, tendo sido pobre, muito pobre, e vivendo de favor de uma protetora, sua madrinha, ou equivalente, apostando no promissor, no empreendedor Luís Alvez, a quem amava (o fato de ele ter muito mais potencial e já está em rota de subir na vida era um plus) é a negação do ideal do amor romântico; é realismo até a alma. O romance é de 1874. Há ainda uma denúncia a fazer... o capítulo inicial de A mão e a luva, um diálogo entre Estevão e Luís Alvez, é tal e qual a abertura do conto ETERNO!, entre Norberto e Barros (1887). Mas, não é o primeiro romântico e o segundo, realista?

               No entanto, o maior tropeço dessa teoria seria considerar Memórias póstumas de Braz Cubas  como um romance realista. E mais, como marco fundador de nosso realismo, e talvez nosso maior romance realista. Como escrevi, um cadáver se ergue da tumba ata contar sua história. Daí, retorna ao seu delírio de morte e monta num hipopótamo para percorrer toda a história da humanidade. Vez por outra, nos fala lá do Undiscovery Counstry, do qual,  segundo o Hamlet, de Shakespeare, ninguém retorna – mas Braz Cubas retornou. O romance dá saltos no tempo, utiliza recursos de fragmentação e outros tantos, sem nenhuma preocupação de simular o tempo real, cronológico. Como pode ser realista um romance desses? Gustavo Bernardo Krause, num ensaio dedicado somente a essa questão, O realismo em Machado de Assis, responde: não pode.

               O realismo de Machado de Assis é um mito, como percebeu prematuramente José Veríssimo, embora o tenha classificado como humorista, e Machado não é somente um humorista. Ele dialoga com a tragédia, o destino, a impassividade e a indiferença do universo aos nossos dramas e sofrimentos, ou amores, discute com a própria morte, recusa-se a submeter-se a ela, mesmo que temporariamente, a essa inefável fraqueza humana (todos morreremos!), que traumatizou Aquiles, em Ilíada, o quase-imortal, o que não aceitou jamais o fardo da mortalidade, bem como os personagens shakespeareanos, como Ricardo III, mas em Machado, combinando sempre, sempre e sempre, galhofa com melancolia.

               Essa é a dialética entre o abrasileiramento e a universalidade em Machado.

               Há um último ponto que desejo ressaltar, relacionado a esse projeto, ao modo enviesado como Machado via o abrasileiramento da nossa Literatura, distanciando-se do nacionalismo vulgar ao adotar uma perspectiva crítica que nos serviria muito bem para entender o Brasil de hoje,

               Um passo à frente, dois atrás... A fórmula e de Lênin, e define as idas e vindas táticas da Revolução diante do reacionarismo.  Numa crônica de 19/05/1888, menos de uma semana depois da Lei Áurea, Machado coloca em ação seu personagem, o  dono de relojoarias, homem rico, aposentado, Policarpo, para declarar que se antecipou à Princesa. Tinha ele um escravo, Pancrácio, que libertou, fazendo bastante alarde sobre isso e querendo mesmo usar o evento como ponte para uma candidatura política. Na jantar de comemoração, em sua homenagem, que ele mesmo promoveu, entregou a Pancrácio a carta  de alforria. Mas, no dia seguinte, chamou-o, explicando os termos aderentes à libertação. Pancrácio continuaria trabalhando na casa de Policarpo. Receberia um salário pequeno e, assim como Policarpo aceitava seu direito à liberdade, que Pancrácio aceitasse o direito dele ao mau-humor eventual, alguns xingamentos e pancadas. A tudo se submete Pancrácio, agora livre.

               Nem todos entendem a ironia de Machado, ao debochar de uma abolição da escravatura que não integrou os ex-escravos à sociedade, que os manteve dependentes de seus ex-donos, e até em piores condições, em certos casos.  Antes, os senhores eram obrigados a alimentá-los; agora, gastam menos com um precaríssimo salário, e o ex-escravo que se alimente e à sua família, se puder. A maioria não poderia. Novamente, como hoje...

               Um passo à frente, dois atrás. Abolição, mas,  nem tanto, com os "donos de escravos" dando seu jeitinho, a seguir,  Parece mesmo que Machado adivinhou que essa nossa desafortunada terra viveria anos em que beirávamos o desenvolvimento, a prosperidade, o avanço, a integração com o mundo, para logo a seguir, sofrermos um revés, uma guinada brusca para trás, puxada pelo reacionarismo mais radical, reafirmando o isolamento do Brasil diante do mundo e seu pendor para o passadismo.  O que aconteceu com o Estado Novo foi uma lição e tanto para os fascistas de hoje. Obrigado por pressão mundial a entrar na II Guerra do lado Aliado, na volta da FEB, vitoriosa a causa aliada, a democracia sendo celebrada no mundo inteiro, a ditadura de Vargas desabou.

A integração ao mundo antihomofóbico, preservacionista em relação ao meio ambiente, rigoroso na cobrança do respeito aos direitos humanos (com abundantes exceções), a favor da paridade de direitos entre gêneros e contrário, até por questão de racionalidade econômica, às imensas desigualdades sociais de nosso país – um país tão desigual não tem capacidade de se desenvolver, embora essa verdade seja ocultada – têm como resposta dos conservadores, dos reacionários, dos inconformados com o fluir do tempo, com empregados doméstucos usando o elevador social e tendo direitos trabalhistas, o isolacionismo e o passadismo  , em que estão tentando nos colocar (quem sabe dá pra voltar ao que era...! O  armamentista, ansioso por tornar o país um bang-bang de terceira, que chefia os ocupantes de Estado, recentemente, lamentou não estarmos mais nos dias em que crianças podiam ter emprego - agora, isso é proibido e se diz que criança deve brincar e estudar, vejam só!). Longe do mundo conturbado, lá tenta ele puxar o país, à ré, de volta aos anos 1950, em termos de mentalidade. 

Um passo à frente... vários atrás. Machado viu isso acontecer. Expôs esse nosso vício  histórico. 

            Faz parte do projeto de Machado uma nova inteligência em relação ao Brasil, ao ser  brasileiro, aos nossos dilemas e desafios. E essa nova inteligência é absolutamente atual, mesmo um século e alguns anos depois da morte do nosso escritor-símbolo, um mulato que em vão tentaram embranquecer.

 

 

ARQUEOLOGIAS LITERÁRIAS

 

               Chamo de ARQUEOLOGIAS LITERÁRIAS um estudo comparativo, em Literatura, que venho desenvolvendo há alguns anos, e que tenta levantar as linhagens literárias, ou seja, ascendentes e descendentes de escritores e obras, considerando como indícios dessa articulação temas e recursos literários. É minha 5ª Bruxaria Literária.

               Machado de Assis deu continuidade e radicalizou – envenenou – o projeto alencariano. E aqui quero ressaltar Machado numa linhagem que vem de Cervantes, Shakespeare e Edgar Allan Poe. Naturalmente, outras genealogias poderiam ser traçadas. Essa é a que me interessa. A que acho mais atraente. Mais sedutora.

               Em Cervantes, D. Quixote, leio uma passagem que Cervantes alega ter escrito na prisão, enquanto “engendrava” o primeiro romance moderno, e recebeu uma visita e um conselho, em condições algo insólitas, para se orientar no que pretendia escrever: “Procurai que, lendo a vossa história, o melancólico se mova ao riso, o risonho o acrescente, o tolo não se zangue, o discreto se admire da invenção, o grave não a despreze, nem o prudente a deixe de elogiar” (CERVANTES, O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha, Trad. Sergio Molina, Primeiro Livro – edição bilíngue – São Paulo, Editora 34, 2002).

               Por favor, comparem:

               “Ao leitor

 

(...) Obra de finado. Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião. Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. (grifo meu)

(...) E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. “

Além da semelhança da declaração de princípios, temos a aplicação  prática do que prescreve Cervantes (ou seu conselheiro). Sentimos compaixão e temos vontade de rir, ao mesmo tempo, em várias cenas de D. Quixote. Com um toque mais sardônico, mais anuviado, Braz Cubas cumpre o trajeto de volta do Undiscovery Country, considerado impossível, por Hamlet, e nos lança em equivalente conflito. Assim como Simão Bacamarte. Assim como Rubião...Aliás, a que outro personagem, que não o professor de Barbacena que a Corte e Sofia enlouquecem,  se encaixaria melhor esta passagem de MacBeth?

“A vida nada mais é do que uma sombra sem corpo. Um ator mambembe que se vai despachando do seu número, no palco, ora com postura afetada, ora com lamúrias desgastadas, e que depois do ato jamais será lembrado. É uma história contada por um demente, repleta de sons e de fúria, significando coisa nenhuma...”

Shakespeare, MacBeth, V-5.       

Lady MacBeth, a megera que ajudou a tramar a série de assassinatos que levou seu marido a arrebatar a coroa, começa a enlouquecer diante de nossos olhos, em cena aberta, oprimida pela culpa. Mas, ela era . Recebeu seu castigo. E Rubião – em Quincas Borba, o mais doloroso romance de Machado - , simplório e ingênuo, também enlouquece, linha a linha; é perseguido nas ruas, enxovalhado; e finalmente morre, pegando , em delírio, de uma coroa imaginária, com a qual cinge sua cabeça. Num paralelo também com Ricardo III, que tem lá seus delírios com os fantasmas daqueles que trucidou, crianças incluídas, logo antes de morrer, Rubião sonha com a imortalidade – imagina-se um Imperador Bonaparte, aquele que conquistou  o amor de Sofia, obviamente.

As obras de Machado dialogam com a Literatura universal. Dom Casmurro pode ser visto – e já o foi – como um diálogo com Othello, que é citado explicitamente em passagens cruciais do romance. Quincas Borba dialoga com Ricardo III e com MacBeth, em vários momentos. Memórias póstumas...  dialoga com Hamlet, principalmente, mas também com Othello. Além disso, afirmo que esse diálogo com Shakespeare acrescenta a Machado uma dimensão inédita, na Literatura brasileira, e rara, na Universal – uma dimensão metafísica. A reflexão sobre o destino, sobre nossa presença no universo, sobre a inevitabilidade da morte, sobre o que seria a essência humana, descarnada dos supérfluos mundanos.

Por exemplo, o verme, a quem é dedicado Memórias póstumas... uma clara metáfora da efemeridade da vida humana, também aparece em diferentes crônicas  de Machado, repetindo à exaustão, compulsivamente, Shakespeare. A cena de Hamlet com os ossos de Yorik é outra obsessão de Machado. O verme que rói as frias carnes do cadáver de Brás Cubas tem um ancestral nobre, trazido à cena, num rompante de ironia, por Hamlet.

 Ato IV, cena 3. Hamlet acaba de matar Polônio. O rei interroga Hamlet: “Onde está Polônio?”. E Hamlet responde: “Jantando”. E completa: “Num jantar onde ele não come, mas é comido.[6] Certa assembleia de vermes políticos está agora com ele. O verme é o grande imperador da cadeia alimentar. Engordamos outras criaturas para nos engordar, e engordamos a nós mesmos para engordar os vermes... “. (Em O silêncio dos inocentes, no final, ao ver passar o ex-diretor da prisão em que foi encarcerado, e que ele odeia, por tê-lo torturado o quanto pôde, Hannibal  Lector, o canibal, diz: "Tenho convidados para o jantar!")

A seguir, ainda Hamlet, sarcasticamente dirigindo-se ao rei, expõe sua concepção (humanitista?) de como a vida iguala mendigos e reis, diante da sanha dos vermes: Morto um rei, é enterrado, e o verme o “rói”. Vem o mendigo, tira o verme, ou a minhoca, da terra, e a usa como isca para pescar. Daí come o peixe e, ao evacuar, o rei é excretado pelas “tripas” do mendigo. Ou seja, o rei vira cocô de mendigo. E isso dito por um príncipe a um rei. Ao vencedor, o cadáver.

Tenho minhas suspeitas sobre esse verme, depois de ler O queijo e os vermes, de  Carlo Ginzburg. Peloo que sugere a leitura, a blasfêmia do moleiro Mennochio, ao imaginar, ou reproduzir a partir de suas erráticas leituras, uma cosmologia em que o mundo teria sido criado da putrefração, como o queijo, e desta teriam nascido os vermes, os seres humanos etc... seria algo corrente na Idade Média. Shakespeare, como no caso do Moro de Veneza e do Casal de apaixonados de Verona, e outras, teria aproveitado uma história popular para sua peça teatral. 

As estrelas são a plateia impassível da farsa que o mambembe Rubião interpreta. Assistem a tudo lá do alto, como deuses imersos no tédio da imortalidade, distraindo-se com as tolices dos seres feitos de carne, osso, sangue, sentimentos, dúvidas.... São invocadas inúmeras vezes, sendo a mais tocante, a da última cena, a morte solitária do cão Quincas Borba, com as estrelas no céu, luzes muito, muitodistantes, que jamais atendem  aos apelos esperançosos dos seres humanos, ou, no caso, dos  animais.

“Eia! chora os dois recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso, ri-te! É a mesma coisa. O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens.”

Enfim, este Machado metafísico é para mim muito mais interessante do que o tedioso Machado-historiador, cronista da História do Império e dos primeiros anos da República. Muito mais interessante do que o Machado niilista, mais comum, aquele que rejeita a vida. É um Machado que, como escreve na última crônica que publicou em vida:

“Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto.”

Machado de Assis, em crônica de 11/11/1900

 Esse Machado metafísico desafia as leituras rasas, afeitas a águas límpidas e tranquilas. É sempre mais fácil e mediano procurar na Literatura temas pitorescos. 

O encoberto pode ser tanta coisa...

Finalmente, nesta série de achados arqueológicos, algo bastante mais sutil, e que tem a ver com um aspecto refinado da técnica narrativa, da arte, dos recursos e ardis de contar histórias ...

Edgar Allan Poe (EUA, 1809-1849) compôs quase todos os seus contos – como O Gato Preto, O Barril de Amontillado e O Coração Delator,  em 1ª pessoa,  nos envolvendo com um enigma bastante peculiar. Nesses contos, um personagem nos confessa uma experiência sobrenatural, que o transtornou e que devastou sua vida. Nesses três contos, ainda, embora não sejam únicos exemplos em Poe, esse personagem cometeu um crime hediondo, mas rejeita, diante do leitor, a responsabilidade sobre o ato.  Em geral, o crime teria sido imposto por essa entidade/circunstância sobrenatural, do/da qual o personagem se apresenta como vítima.

 Podemos, é fato, recusar essa declaração de inocência. Podemos até pensar que o personagem, que chamamos de, cometeu esses atos e que nos conta essa versão sobrenatural por força de um delírio. De um surto psicótico. Algo assim. Que nada de sobrenatural teria ocorrido, somente crueldade insana. Insânia, Insânia, como clamava  Simão Bacamarte.

 Ocorre que não há outra fonte para nos informar sobre o que aconteceu. Não há termo de comparação. O personagem está blindado. Podemos acreditar no que quisermos, interpretar como quisermos, mas, nesse caso, estaremos recorrendo a um juízo trazido de fora da história. Que não existe nos limites (no universo) da história, mas em nosso mundo físico, racional, explicativo, cotidiano. Que não aceita, usualmente, o sobrenatural, nem muito menos a interferência do sobrenatural nos acontecimentos. Tudo poderia até mesmo ser mera invenção, ou mesmo mentira, dissimulação, ou disfarce do perpetrador do crime. Só que, assim, eliminando o sujeito que conta a história,  seu protagonista, nesse caso, por causa dessa construção em que somos enredados, eliminamos junto a história.   O protagonista-narrador não é somente um personagem, uma versão, ele é a história. A história é a exposição que ele faz. Como ele expõe o acontecido é a história e, se quisermos a história do seu caráter, do seu espírito, mente, ou da sua alma. 

 Muitos já terão aqui reconhecido o mesmo recurso (ardil) utilizado em D. Casmurro.

 Capitu traiu ou não traiu Bentinho?

 A pergunta ressoa há mais de um século. É a face mais óbvia dessa construção magistral de Machado, que torna Bento Santiago a única fonte disponível para conhecermos a história dele com Capitu. Podemos achar que ele não é confiável. Que um marido traído, um frouxo, um fracasso moral como Bento Santiago não pode ser testemunha, promotor, júri e juiz do caso (o personagem é um advogado). Podemos até nos revoltar com o fato de ser dado a ele, e não a Capitu, muito mais mulher do que ele era homem, um personagem muito mais sedutor, carismático, encantador, a propriedade e controle da história, só porque, dentro de uma visão de mundo patriarcal e machista, ele, homem, tem de ser o dono da casa, mesmo que menos qualificado do que ela. Podemos  ainda escrever outras versões da história – e muitos o fizeram.

Entretanto ... A história de D.Casmurro  é aquela contada por Bentinho. Não existe outra. Aventuro-me a dizer que o protagonista desse romance é , nem Capitu, nem Bento Santiago, nem Bentinho, nem o próprio D. Casmurro, mas a narrativa, em si, uma entidade literária vivente,  erigida por Machado, com todos os seus truques de prestidigitação e manhas – mas isso é algo que ainda preciso desenvolver. 

 Machado, segundo tradutor de O corvo em português, e leitor de Edgar Allan Poe, envenenou aqui, e em outros romances, o recurso utilizado pelo escritor americano, a narrativa em 1ª pessoa, transformando-o, fazendo o poder de narrar voltar-se maliciosamente, como nunca, contra o próprio personagem que narra. Por em prática o clichê de dar corda ao condenado para que ele se enforque. A palavra do narrador, a ilusão de poder, é sua confissão. Bruxaria nunca vista. Galhofa + Melancolia, lembram? Bentinho arrasa a própria vida por incompetência para ser feliz. Por incapacidade moral de conviver maritalmente com uma mulher forte, como era a mãe dele, D. Glória, a quem ele intitulou Uma Santa (epígrafe que mandou gravar na lápide dela). Só que,  ao contrário dos predicados maternos que ele idolatrava,  deparou-se em Capitu  com uma sensualidade, uma feminilidade ... que o incapacitou.

Ou, como às vezes digo, se Capitu não traiu Bentinho, deveria ter traído!

           Quem vai se contrapor às versões do narrador de O gato preto ou de D. Casmurro? Quem, estando dentro  (de fora é fácil trazer nosso julgamento) da história? Enredado nela... Impossível!

               Uma questão mais... Sobre a loucura. Também uma tema universal e, sob determinados aspectos, em ligação simbólica com o divino, um plano metafísico...

               Machado relativizou a loucura. Em O alienista, sem dúvida, mas também em crônicas, como a da fuga dos internos num hospício, publicada em 31/05/1896. Não esquecer que a epilepsia era confundida com uma espécie de loucura.

Machado estava com Poe, ao questionar a inflexibilidade do diagnóstico e a discriminação da loucura mais de um século antes de Michel Foucault, quando isso não era cogitado pela inteligência que lhes foi contemporânea. Ambos exploraram a loucura para questionar... o que se entendia  como sanidade. Em Poe, é notável o conto  O sistema do Dr. Tarr e do Dr. Fether, ascendente legítimo de O alienista.

Não se trata aqui de uma rudimentar alegação de plágio. Trata-se de transmissão de herança literária por uma linhagem (tb.literária; de escritores e/ou obras). Entre os leitores, que exploram as bibliotecas, ou os livros que lhes caem nas mãos, há aqueles que se transformam em escritores, graças ao espírito que incorporam desses livros, mas também aos recursos literários que apreendem, com seus antecessores. E escreverão obras descendentes daquelas, anteriores (Alencar entrega sua ascendência em Como e por que sou romancista: Walter Scott – Ivanhoé - , Dumas – Os três mosqueteiros e muitos mais – e Fennimore Cooper – O último dos moicanos). E nessa transmissão material, que liga leitor-obra-escritor-obra é que se dá o belo processo reprodutivo da Literatura. Essa ligação material  está bastante explícita nesse texto de Alencar, sua autobiografia focada em sua existência como leitor e escritor.

        Enfim, neste ensaio, explorei alguns pontos que me atraem mais em Machado. Mas, torno a afirmar que não há um único Machado. Uma das virtudes de um gênio é produzir uma obra capaz de abarcar infinitos leitores, independente de época, fronteiras nacionais ou idiomas. Cada qual tem seu Machado. O MEU é ATUALÍSSIMO, UNIVERSAL E METAFÍSICO! 


 

2 comentários:

  1. Belíssima e atual, sua conferência não só encantou aos que lá estavam presentes, mas acredito que os tenha fidelizado a um modelo de escrita “Machadiana”, íntegra, enxuta, repensando cada palavra em seu significado exato. É surpreendente e convidativa a viver novas aventuras na língua portuguesa, desta vez ciceroneados por você e pelo Machado.

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