sexta-feira, 1 de abril de 2016

POE SOB SUSPEITA
Edgar Allan Poe: Fundador da Literatura Policial

[lamento: contém estraga-prazeres, ou spoilers]



Edgar Allan Poe
                                                                               (1809-1849)

            Poe tem hordas de fãs em todos os idiomas, de todas as idades, inclusive é claro no Brasil, por conta de seus contos de terror. Além disso, seu poema, O Corvo, é um dos mais cultuados no mundo inteiro pelos aficionados do gótico.  Mas, há um Poe extremamente importante, sobre o qual pouco se fala. Aquele que lançou os fundamentos da Literatura Policial Moderna, com três novelas: Os assassinatos da Rua Morgue (1841), O mistério de Maria Roget (1842) e A carta roubada (1844). É desse Poe que quero tratar aqui. Por obra sua, a Literatura Policial se tornou um gênero com identidade (linguagem) própria. 
            Em primeiro lugar, é importante fixar o que chamei de “Literatura policial moderna”. Não estou mirando a mais contemporânea, mas justamente aquela que se introduziu e ganhou espaço no gosto popular, na virada para os Tempos Modernos. Uma Literatura que se inicia, ou tem a sua primeira (e grande) estrela com Sherlock Holmes (com Arthur Connan Doyle, Um estudo em vermelho, 1887/1888) e prossegue, somente para pontuar o caminho com astros de primeira grandeza, com Hercule Poirot (Agatha Christie, O misterioso caso de Styles, 1920).[1]


            Holmes e Poirot são descendentes óbvios do detetive que Poe havia criado para estrelar suas novelas, Auguste Dupin. Morando em Paris, Dupin é um livre pensador, algo anarquista, dotado de miraculosa inteligência, e igualmente prodigioso poder de observação e dedução. Além disso, é um solitário, sem família e de passado largado na penumbra. E acima de tudo, um excêntrico. Não tanto como Holmes, mas já bem encaminhado. Não é um policial profissional, e se diverte resolvendo casos que desnorteiam a polícia parisiense, debochando da mediocridade (ou menos do que isso) dos inspetores, detetives etc. Um amigo e admirador que fica sem nome nas novelas é o narrador das histórias – seu biógrafo (como Watson é o biógrafo de Holmes). Ele acompanha o passo a passo das investigações de Dupin, faz perguntas que o leitor comum precisaria fazer para entender como “A” deu em “B”. É o chamado sidekick. Serve de escada para que Dupin exiba seu brilhantismo. Quando não é esse narrador que desempenha esse papel, coloca-se ali um agente da polícia francesa e dá na mesma.

Agatha Christie: A Dama do Crime. 

            Ora o sidekick é uma belíssima técnica que, trazida para a Literatura Policial, [2] ajudou decisivamente a compor os enredos que todos nós lemos febrilmente. Se não fosse a atuação do sidekick, a história ficaria chatíssima. Holmes entraria na cena do crime, olharia para um lado, depois para outro, veria coisas as quais ninguém mais daria atenção, mas que para ele seriam pistas e, em dada altura, sem ter dito nada, apontaria um personagem que esteve passeando sob nossos narizes em cena e diria: “Prendam esse cara! Ele é o culpado!”.  Tudo apenas remoendo pensamentos e nada revelando para a plebe mortal em volta e....
Fim.
            Foi Poe quem inventou essa maneira de contar a história, como se fosse por uma perspectiva dupla: a do detetive, somada a do sidekick. Sendo que a segunda acompanha e exige as explicações da primeira. O sidekick mais famoso é o de Holmes, o médico John Watson, seu companheiro de aventuras, amigo devotado e biógrafo. O de Poirot varia; pode ser o detetive Japp, da Scotland Yard, ou o Capitão Hastings, militar aposentado.[3]
            No desenvolvimento desse recurso, temos a novela policial. Não fosse isso, não teríamos o mistério, o suspense. O passo a passo. As pistas falsas. Os suspeitos que são inocentes, embora tudo aponte para eles. A risada final do detetive.

 Homenagem a Edgar Allan Poe em cinco contos.
 O meu, CORTINA, é em cima de A Carta Roubada. 


Também essa caracterização do gênio + excêntrico, fundada com Auguste Dupin (Poe) é herdada pelos mais destacados detetives da linhagem poeriana.[4] Nada poderia exceder Sherlock Holmes nesse aspecto, mas o caso é que o próprio habitante estranho da Baker Street se vê obrigado a comentar as semelhanças que tem com Dupin, em Um estudo em vermelho. A distância maior que existiria entre os dois, segundo Holmes, é que Dupin é um personagem de ficção, enquanto ele atua no mundo real.
Poirot, com seu bigode tratado a geleia real e outras manias, é um compulsivo contumaz. Esse é seu poder: ele busca uma ordem em tudo. Uma lógica. O que sai da ordem (como o crime) deve ser revelado e reconduzido (à prisão, ao cadafalso)[5].
No entanto, essas falhas de caráter, se é que o são, tornam a identidade do detetive mais marcada e o humanizam, diante do leitor, que, caso esse elemento não existisse, poderia se sentir esmagado pela esperteza do sujeito, ou mesmo antipatizar com sua infalibilidade. Como se sabe, Holmes[6] é dado a depressões, não lida nada bem com o sexo feminino, tem um estranho caso com Watson – tanto que entra em crise quando o seu biógrafo se casa –, e é viciado em ópio. Poirot, por seu lado, tem a vaidade, o ego, como seu ponto fraco, embora não se deixe perturbar por quem não reconheça sua superioridade em relação à malta humana. Ele se julga um aprimoramento da espécie e preza quem seja capaz de concordar com isso.

Sir Arthur Connan Doyle
                                                 (1859-1930)

Mas, não é somente por contracenarem com sidekicks e por exibirem uma caracterização espelhada em Dupin que estes personagens e estas histórias podem ser apontadas como descendentes de Poe. E aqui precisamos focar principalmente a pultima novela do autor americano: A carta roubada.
                [E aqui vai o spoiler...] Nessa novela, uma carta comprometedora, por razões amorosas, algo a ver com infidelidades nas altíssimas rodas da aristocracia francesa, está de posse de um homem sem escrúpulos. Sabe-se que esse personagem a tem, que a roubou dos aposentos de uma importante dama, e sabe-se que ele mais cedo ou mais tarde a usará para chantagear a dona da carta, talvez criando uma crise política muito séria no país. A polícia secreta francesa já realizou inúmeras buscas em sigilo na casa desse personagem, em vão. Tudo indica que ele facilita a entrada dos policiais – finge que não sabe que recebe essas visitas não convidadas - , como se, com sua inteligência, debochasse deles, desafiando-os a encontrar a carta. Desesperado, o chefe da polícia secreta, a contragosto, procura Dupin e lhe pede ajuda.


Em meu "Quem Matou o Livro Policial"
                                                   três mistérios "impossíveis" se cruzam.
E a solução está nos segredos e artes de se escrever
Literatura Policial!




                Dupin, bem recebido nas altas rodas, é amigo da personalidade política que furtou a carta. Visita-o, então, e volta de lá (simplificando um tanto o enredo)[7] com a dita cuja, a carta. Embasbacado, o chefe de polícia não pode acreditar. Colocou seus melhores homens, nessa revista. Procurou em todos os lugares possíveis, usando toda a tecnologia (do século XIX) de que dispunham. Claro que está feliz em recuperar a carta, mas... Como?
                Dupin ri... Conhecedor do ladrão, de sua vaidade, imaginou que ele estaria mesmo jogando uma partida-desafio com a polícia. E que sabia ser inútil inventar um esconderijo para a carta. Por mais disfarçado que fosse, por mais camuflado, por mais oculto.... o buraco, o cofre, o que fosse, seria encontrado. Além disso, não resistiria à tentação de fazer a polícia de boba, de provar seu brilhantismo e a imprevisível originalidade de seus estratagemas. Então, o que fez o sujeito?
Não escondeu a carta.
Isso mesmo, colocou-a onde estivesse à vista de todos os que xeretassem a sua residência, sobre uma mesa em sua biblioteca, em meio a outras cartas. Um envelope largado ali, como se não tivesse importância. E como ninguém pensara em procurar algo que não estivesse escondido... Não a viram.

Mistérios também no Brasil... Uma equipe da garotas detetivescas investiga como 
aconteceu... o que não podia acontecer... 


Mas, Dupin, por dedução e observação (geniais) logo matou a charada. E venceu o duelo de inteligência com o ladrão da carta (o que na verdade importava a ele mais do que a recompensa e mais do que humilhar mais uma vez a polícia secreta francesa, que costuma tentar tratá-lo com desdém).
E aí está toda a tessitura da novela policial que vai dar em Sherlock Holmes, em Poirot e outros. A novela policial institui (e essa é uma das razões de ter tantos cultuadores) um desafio entre o leitor e o autor. O leitor tenta adivinhar quem é o criminoso: não pode (e isso faria a leitura perder a graça) ir às últimas páginas dar uma olhada. Mesmo sabendo que a resposta está lá. Com o uma assombração. Tem de resistir à tentação. E isso não é fácil.  O autor deve disfarçar elementos, como se não fossem pistas, e o culpado, como se não fosse suspeito; e fazê-lo passar bem debaixo do nariz do leitor. Não vale também ele, o culpado, entrar na história no último capítulo.Tudo tem de estar à vista do leitor... sem que ele o enxergue.
Agatha Christie já fez de todo tipo de pirueta em torno dessas regras. Já colocou como culpados todos os suspeitos, o narrador da história, o detetive, a vítima. E todas as novelas resultantes dessa maquiavélica deliberação da autora de lograr seu leitor são geniais porque burlam as regras sem quebrá-las.[8]



E é assim, Edgar Allan Poe, que criou um terror metafísico, sem monstros (a não ser em poucos contos), é culpado também dessas tramas que nos arrastam madrugada adentro sem conseguirmos deixar o livro de lado – e sem pular para o final. Apreciando a ansiedade, o sofrimento (o adiamento da satisfação) em que nos envolvem. Seu Auguste Dupin riria um bocado se soubesse que tem mais essa arte a acrescentar a seu currículo.
Finalmente... Na linhagem de POE-SHERLOCK, os apreciadores do mistério encontaram uma obra-prima em O NOME DA ROSA (1980), de Umberto Eco, adaptado para para o cinema com Sean Connery no papel principal, em uma interpretaçãomagistral e  comovente (ele é um monge que,  sob a ameaça constante da Inquisição, arrisca-se a amar o conhecimento e os livros). Nesse romance  antológico, estreia de Eco em ficção, desenvolve-se uma intrincada trama envolvendo um livro proibido - o volume sobre Comédia, de Aristóteles, que, segundo a rigidez religiosa de certas ordens e clérigos da Baixa Idade Média, teria o poder, ao enaltecer o riso, de destruir o temor a Deus e a própria Fé. Para ocultar esse volume, uma série de assassinatos são cometidos, num convento que em muitos aspectos relembra os ambientes góticos, principalmente pela sua labiríntica biblioteca  (o bibliotecário cego, Jorge, é uma bela homenagem a Borges, Senhor das Bibliotecas, principalmente as inventadas, fã e escritor de novelas policiais), destinada pelos monges conservadores a esconder livros "perigosos", e não a dar acesso a eles ao público.



Há uma deliciosa orgia de referências a diversas obras policiais. O "investigador" , Connery, é Will de Baskerville (aludindo, é claro, a "O cão dos Baskervilles". justamente a novela policial sherloquiana com mais evidentes requintes góticos). Seu sidekick é o noviço Adso (.... Watson), que tembém é o narrador da história, como descobrimos ao final.  O veneno, bem à lá Agatha Christie, é a  arma do crime, num engenhoso e irônico disfarce.
No entanto, o arremate é a personalidade racional-observadora-dedutiva de Will de Baskerville, sempre vaidoso de sua superioridade intelectual, um sherloque de batina perfeito e a referência mais apaixonada que Eco faz à tradição das novelas policiais.
Trata-se de um romance em que a linhagem foi, em detalhes, deliberadamente cunhada e evidenciada pelo autor.
Em outra medida, mas ainda na linha dos "excêntricos", J.K.Rowling resolve brincar com o público leitor de novelas policiais, lançando um livro (uma coleção, de fato) com um pseudônimo, que é em si uma excentricidade literária - principalmente porque é fartamente anunciado, que "Robert Galbraith" e seu detetive Carmoran Strike têm a mesma perpetradora das histórias de Harry Potter. Ambos, de certa maneira, são personagens  de Rowling.
Strike é um perdido, expulso da vida social,  endividado ao desespero. Quando o conhecemos (O chamado do cuco), acaba de desfazer um turbulento casamento, é alcóolatra e tem uma prótese no lugar de uma perna que perdeu na Guerra do Afeganistão. Rola muita coisa até sabermos que aquela figura que não parece capaz de cuidar de si mesmo no mundo, e muito menos de resolver qualquer mistério, é um herói de guerra e um tremendo detetive, combinando qualidades dos farejadores  e dos gênios dedutivos, Sem contar que Rowling estreia no gênero executando uma cabriola para dissimular seu criminoso que estaria bem ao gosto  de Agatha Christie, em seus mais inusitados, desconcertantes e surpreendentes momentos (como em O assassinato de Roger Ackroyd).
Aí está portanto, O mundo do crime. Aqui, não valem assassinatos indiscriminados., assassinos anônimos, violência desembestada, balas perdidas, acasos nem coincidências. Aqui, cada detalhe é um ingrediente de composição. IUma peça a ser colocada no seu lugar devido, no quebra-cabeças final. O crime, principalmente o assassinato, vira espetáculo e  jogo. Não teria graça de outro modo. Aqui, o crime TEM de entreter, a novela deve apresentar enigmas, mas é obrigada a compensar a ansiedade e as expectativas do leitor com respostas. Finais em aberto são defeito de fabricação. Tudo aqui TEM de ser solucionado. Tudo aqui é FICÇÃO.



J K Rowling









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1] A criação anterior de Agatha Christie foi Miss Marple, em 1930, estrelando  A  casa do Vigário. É ótima. Sua excentricidade é ser uma velhinha aparentemente boba, avoada, mas que, sempre trazendo exemplos de vida de sua cidadezinha no interior, St. Mary Mead, desvenda a alma humana de uma maneira privada de compaixão ou de ilusões. Para ela, ao que parece, todos são passíveis de cometerem um crime, até prova em contrário. Por isso, nunca se deixa iludir diante das falsidades e dissimulações de cena dos suspeitos: é impossível enganar Miss Marple, todos sabem disso.  
[2] Esse tipo de personagem já era utilizado na Literatura. Há quem considere Sancho Pança o sidekick de D. Quixote – até porque é Sancho que dá a versão pão-pão-queijo-queijo (e no caso dele a alusão a comida é pertinente) aos delírios encantados de D. Quixote. Por ironia, a palavra ensanchar significa justamente isso: encantar, com seu correspondente em espanhol.De certo modo, é o mesmo esquema funcional de outra dupla famosa, e não por novelas policiais: Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Andersen) do seriado conspirativo Arquivo X. A técnica sidekick não tem pátria nem gênero... Scully é uma tremenda médica (na função Sancho Pança) que procura provas físicas e concretas em todos os casos, opondo-se às hipóteses esotéricas de Mulder; acredita na ciência oficial, e Mulder, o lunático quixotesco, que acredita ser possível empreender campanha contra o poder (que está aliado aos alliens para dominar a população terrestre), e que caça discos voadores desde que sua irmãzinha caçula, na infãncia, foi abduzida. Ambos pertencem a uma equipoe mal-falada no FBI que investiga os casos estranhos, os Arquivos X. Mulder tem razão, no final, e Scully vai ser forçada aos poucos, graças a sua integridade, a admitir isso. O final do seriado deixou muitos fãs-viúvos lamentantes , em todo o mundo, até hoje. 



[3] Há uma composição de Detetive Gênio-Excêntrico e Sidekick terra-a-terra magnífica: Nero Wolfe + Archie Goodwin, criados em 1934 pelo escritor americano Rex Stout, e que desenvolveu popularíssima carreira, ao longo de mais de 30 mistérios, até 1975. Wolfe pesa mais de 200 quilos, é alcoólatra gourmet (não pára de tomar cerveja, mas somente da marca de sua preferência), cultiva orquídeas (é um profissional e mestre nisso, famoso no mundo inteiro; ou seja, no mundo dos donos de orquidários) e quase nunca sai de casa. Sua compulsão é planejar banquetes para ele próprio.  Goodwin é seus braços e pernas, seus olhos e nariz: um detetive farejador de primeira, mas sem excentricidades. Uma dupla ótima, até pelos embates/conflitos que têm.  

 Rex Stout
                                                     O seu detetive Nero Wolfe 
                                                        dá show de excentricidade 
                                                  até em Holmes...


[4] E aqui não estou falando dos detetives do romance noir, que teve seus destaques com os escritores americanos como Dashiel Hamett (Sam Spade, detetive de O falcão maltês, de 1930, e Continental Op, do mesmo autor), o qual influenciou toda uma outra linha da novela policial, como o detetive Philip Marlowe, de Raymond Chandler. Detetives particulares, Beberrões. Durões, mundanos, prosaicos, sem glamour (ou mesmo sem nome, como o Continental Op, que se refere a um operador da agência de detetives Continental), a própria insipidez, a não ser por e sua rudeza exacerbada; às vezes frios, machões com as mulheres, algo desonestos e contaminados pela brutalidade e corrupção em que vivem, são criaturas feitas de outra matéria-prima. Quem sabe, vêm do Detetive Bucket, que ganha grande destaque em meio a rede de tramas de A casa soturna (1853), do inglês Charles Dickens. Entretanto, Bucket não é somente um perseguidor/farejador. É inteligentíssimo e dotado de magnífico senso de observação para identificar pistas invisíveis aos olhos comuns.


Primeira Edição em Revista de
                                                    A Casa Soturna


[5] Tem nisso excelente semelhança tanto com o detetive Monk (Tony Shalhoub), do seriado de tevê homônimo, quanto o médico House (Hugh Laurie), idem; que aliás tem várias outras semelhanças explícitas e declaradas com Holmes, a começar pelo nome e o do seu amigo, o dr. Wilson. House chega a diagnósticos usando os mesmos métodos de Holmes, e usa sua equipe como sidekicks – no caso, são os equívocos deles que o ajudam a raciocinar, até pelo prazer sádico que tem em superá-los já que, embora oprimidos, insultados e humilhados por House, são excelentes médicos, que passaram por um rigoroso processo de seleção para pertencer àquele departamento. Além disso, House é um screwed up, um, digamos, desarranjado em termos de relacionamento com mulheres. Já Monk sofre de uma espécie de autismo rara, que o torna um gênio, um milagre em forma de detetive. Possui um irmão que nunca sai de casa, como Nero Wolfe e como Mycroft, “o irmão mais inteligente de Sherlock Holmes” (que jamais sai do Clube, uma instituição feita para abrigar celibatários ingleses). Parece que a misantropia – a incapacidade de convivência com outros seres humanos – e a agorafobia – incapacidade de estar em ambientes abertos -  são excentricidades muito exploradas em detetives à la Dupin/Holmes. Monk, além disso, é um obcecado total, absoluto, por limpeza, desses que, se você pede para ir ao banheiro na casa dele, diz candidamente que não tem nenhum, para evitar contaminações, além de outras manias irritantes, que o impedem de voltar a ser um policial de carreira, seu maior sonho – ele foi aposentado da força por conta desses problemas, embora a polícia recorra a ele como consultor externo, como fazia a Scotland Yard com Holmes. Enfim, se formos rastrear recorrências, não  terminaremos de encontrá-las.

Até Machado de Assis...
vira um detetive sapeca e vai investigar um crime
no ano em que lançou D. Casmurro. Seu parceiro é o engraxate de rua, o garoto Juca.


[6] Não confundir com a caracterização do Holmes estrelado no cinema por Robert Downey Jr., com Jude Law no papel de Watson. Nada a ver com os personagens de Doyle, até porque o Holmes original não entra quase nunca em brigas físicas, raramente porta uma arma e troca tiros; enfim, não é um  personagem de ação, nos moldes de hoje. É raciocínio!  


Tony Shalhoub

Hugh Laurie


[7] Não se trata de uma leitura fácil, por culpa do que chamaríamos hoje de fora do assunto, páginas e mais páginas de divagações; mas o cerne da trama é fantástico. Vale a pena desafiar-se a ler A carta roubada!  

Chesterton

 Dashiel Hamett

                                                                                                                         Columbo (Peter Falk)

[8] Haveria, é claro, um Detetive Maigret, do belga George Simenon (1903-1989) , que resolve os mistérios penetrando na mente e na alma do suspeito. É de outra espécie. Assim como o Espinosa, do brasileiro  Luís-Alfredo Garcia Roza, que filosofa sobre a natureza humana, numa Copacabana violentíssima. E teremos ainda um outro detetive-gênio, o Padre Brown, do inglês G.K. Chesterton homem invisível, cujo poder está em sua capacidade de observar tudo, sem ser notado. Nessa mesma linha (semelhante a de Miss Marple), daquele que é subestimado por todos, inclusive o espectador, está o insuperável Columbo, magnificamente interpretado no seriado da tevê por Peter Falk. Com seu jeito simplório, um sobretudo sujo, sempre pedindo para levar sobras de comida para casa e meio caolho, ninguém dá nada por ele, até que ele se prega em cima do culpado, a quem já havia identificado faz tempo.  Bem parecido com outro que não queria chamar atenção, a não ser para a sua humildade e modéstia: o imigrante chinês,  atuando nos EUA, Charlie Chan. Não acreditava em tecnologia, nem em violência. Um gênio dedutivo, amante dos enigmas do espírito, onde buscava a motivação do crime, e daí chegava ao perpetrador. Era sempre era visto com seus (muitos) filhos: um homem de família. Ficou tão famoso que virou até seriado de tevê. Aí pelos meus dez-doze anos,  assistia a todos os episódios. Depois, perdi a pista.


Como se vê, são várias e variadas as táticas  de construção do detetive,
sempre visando ludibriar o leitor. Literatura é                                                    
prestidigitação: Alacazan! 
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

                                                                                   


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