terça-feira, 29 de março de 2016



FREI LIBERDADE


A saga heróica de FREI do Amor Divino CANECA
e da Igualmente Heroica 
CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR




Aventura + História + Ficção 


        A Independência do Brasil foi proclamada no dia 7 de setembro de 1822 no episódio que ficou conhecido como Grito do Ipiranga... Certo?
        Mais ou menos...
        Oficialmente foi assim mesmo: "Independência ou Morte!"...


        Mas, na verdade foi muito mais que isso!
        Para termos a Independência de verdade, muitos brasileiros tiveram de lutar. Muita coragem rolou - inclusive para enfrentar os exércitos de D. Pedro, agora Imperador do país. Muitos idealistas foram sacrificados pelo ideal de Liberdade.

          É esse o caso de FREI CANECA e dos rebeldes da Confederação do Equador.

           Pernambucano. Padre. Homem de ideias - um raro Iluminista, no Brasil da época. Propagandista da Liberdade. Guerreiro.

           Conheça a história e a aventura de FREI CANECA.
           Torça, Vibre, Emocione-se...
           Com a vida - transformada em Romance e ficção -
                                                                           

                                                                                    de

           FREI LIBERDADE

                 de Luiz Antonio Aguiar

              Editora Melhoramentos





Salve, Garotada, Professores, Pais e Leitores de Pernambuco!
Em ABRIL estarei visitando vocês numa turnê de muito papo sobre Literatura, 
Palestras e Oficinas de leitura!
       
http://editoramelhoramentos.com.br/v2/titulos/frei-liberdade-sonhos-e-lutas-da-independencia/

Pesquisa da Melhoramentos sobre a Confederação do Equador e o livro "Frei Liberdade":
http://melhoramentosmail.comercial.ws/Editora/ProjetosPedagogicosOnline/FundamentalII/pdf/Frei_Liberdade/Frei_Liberdade/download.pdf

Para Comprar
Dica: Há diferenças de preço de um site para outro...  

em e-book

quinta-feira, 24 de março de 2016


MEUS MACHADIANOS






POR QUE MACHADO DE ASSIS:

Amo Machado de Assis, entre várias razões – 1 -, porque, em suas tramas e na composição de seus personagens, a dor se mistura ao riso, a solidão à hilariedade, para compor personagens cuja imagem é uma metáfora (universal, permanente) da complexidade, dos enigmas e dilemas do espírito humano... Algo que não caberia na Literatura de um único país, nem cultura, nem povo, nem poderia ser tematizado generosamente numa perspectiva (nacionalista, regional, localizada, particularizante, estanque, incapaz de amplitudes, dessas que se contentam com filigranas, desconstruções e diferenças etc...) limitada.

Amo Machado de Assis, entre várias razões – 2 - porque ele lançou uma Nova Inteligência que ainda se aplica atualmente para se entender nosso país, nosso povo, nosso caldo cultural e a arte/Literatura que aqui se produz (ou deveria se produzir):
“Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.”
Instinto de Nacionalidade, 1873.

Amo Machado de Assis entre várias razões – 3 – porque ele reviu, recriou, ampliou, envenenou intensificou recursos de composição literária – arte e ardil de contar histórias – de grandes escritores que leu, além de inventar outras técnicas que ainda hoje estamos distinguindo, de tão bem integradas estão às suas crônicas, contos e romances...

[Continua num futuro próximo...]




Estátua de Machado, recebendo os visitantes na Academia Brasileira de Letras - Rio de Janeiro. 


MACHADO DÁ HISTÓRIAS


Machado se transforma num senhor sapeca que, com a ajuda do garoto Juca, um engraxate de rua, investiga um assassinato no Rio de Janeiro do ano em que o escritor lançou D. Casmurro. Participação especial dos personagens, dos conhecidos de Machado e de sua mulher, Carolina. Editora Saraiva. 










Um dicionário que ama as palavras conta suas aventuras, atravessando os mares, chegando ao Rio de Janeiro do século XIX, vivendo muitos perigos e aventuras,  e entrando, para sempre, na vida de um   jovem escritor mulato, cujo maior sonho é viver de Literatura. Editora Saraiva.  










MACHADIANDO EM QUADRINHOS


 







Adaptações autorais com o super visual de Cesar Lobo... Editora Ática.






FACILITANDO A LEITURA

Coleção Descobrindo os Clássicos
Sempre uma trama jovem, uma aventura nos dias de hoje,
tendo como fundo a leitura de um clássico machadiano...
Dicas para entrar de vez na obra.
Literatura & Aventura
Humor & Mistérios
Editora Ática


O garotão mais popular do colégio se envolve com a gótica neta do coveiro, que todo mun do acha... esquisita! Uma leitura de "Memórias Póstumad de Brás Cubas",  



Segredos e Suspense... 
Um Clube de Leitura quase secreto. 
Amor e Descobertas...
Uma bibliotecária apaixonada por Literatura 
e que (nem sempre) obedece .as regras
Uma leitura dos contos mais irados de Machado de Assis. 


Pacto Sinistro. Proibido se apaixonar. Proibido um namorar o outro. Quatro jovens desencontrados com o amor se fecham num casarão para ler os romances considerados mais românticos de Machado. Surpresas em série!!! Uma leitrura de "Ressureição", "A mão e a Luva", "Helena" e "Iaiá Garcia". 










Segredos de família. Rolos e brigas. E enquanto isso acontece a leitura de "Esaú e Jacó" e "Memorial de Aires", os mais enigmáticos (e os dois últimos) romances de Machado. 









O Caldeirão... 
Acervo da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro
Machado costumava queimar as cartas e manuscritos ultrapassados nesse caldeirão de bruxo. Os vizinhos o viam, estranhavam
 e daí nasceu o apelido: "O Bruxo do Cosme Velho"
(bairro onde ele morava, no Rio).


MAPA DO TESOURO



As crônicas de Machado são o melhor hall de entrada para 
a Literatura do Bruxo
e para a Literatura...

Nesta coletânea,
30 crônicas comentadas, com notas que explicam menções de nomes, datas e contexto, 
além de provocações, 
sugestões e dicas de leitura! 
Editora Melhoramentos. 










terça-feira, 22 de março de 2016

ARQUEOLOGIAS MACHADIANAS 2


[Infelizmente, como sempre acontece, este artigo contém estraga-prazeres, aliás, spoilers]



Desdêmona Traiu Bentinho?

             Reler uma obra clássica, a partir de uma sacação, uma revelação, uma nova perspectiva que se abre de repente e que pode iluminar recantos escuros, assim como obscurecer o que parecia claro e evidente, enfim: subverter o que considerávamos conhecido...pode parecer uma diversão meio nerd. Mas, típica de Leitores Cascudos. Reler uma obra literária com um olhar mudado, que faz o leitor lê-la de maneira diferente, e como se fosse a primeira vez...
                Essa é também a situação em que toda a crítica brasileira se viu – pega de calças curtas – quando a estudiosa e tradutora de Machado americana, Helen Caldwell, publicou, em 1960, a tese que defendeu na Universidade da Califórnia, Machado de Assis, o Otelo Brasileiro. [1]





               
         “Praticamente três gerações – pelo menos de críticos – julgaram Capitu culpada.
         Permitam-nos reabrir o caso. [2]
                                                             Helen Caldwell

                Caldwell, feminista, vivendo numa Universidade que era palco de grandes manifestações políticas pela paz, pelo fim da intervenção americana no Extremo Oriente, em defesa dos Direitos Civis e como vanguarda do Feminismo, e num momento de grande convulsão social nos EUA, alertou a crítica brasileira tradicional[3] para o fato de esta ter sido traída pelos machismo e patriarcalismo atávicos de nossa cultura e, com isso, não ter questionado se o fato de a história ser contada por Bentinho não compromete sua versão sobre o romance dele com Capitu.
                A chamada de Caldwell caiu como uma bomba arrasa-quarteirão na crítica brasileira, que pôs a mão na cabeça, percebendo o furo. Não, nunca haviam atentado para a possibilidade de Capitu, que não tem direito a defesa no livro, nem um insight que verifique suas confidências íntimas, e nem sequer a palavra – Bentinho, da maneira como conta a história, não lhe dá nenhuma chance de dizer algo sobre a acusação – ter sido injustiçada.
Ela foi, sim, condenada sem que o leitor a ouça sobre o caso.
                Tudo isso se deve à ardilosa utilização da narração em primeira pessoa composta por Machado. O narrador em terceira pessoa pode entrar no íntimo dos personagens porque não é um personagem. Às vezes, passa como transparente, como se não existisse. Tem esse poder e paga, em troca, o preço da necessidade de demonstrar, comprovar o que quer que o leitor sinta e pense de um personagem – de levar, à custa de muita técnica, o leitor a vivenciar o personagem. Já o narrador em primeira pessoa – um personagem – narra a sua história, não tem de comprovar nada, ele apresenta, ou assim faz parecer, sua vivência. Não mente, confessa. Tem maiores chances de convencimento, portanto. Mas não pode se movimentar com a mesma liberdade que tem o narrador em terceira. É fisicamente limitado porque tem os mesmos atributos de qualquer outro personagem. Não pode, por exemplo, contar uma cena à qual não esteve presente, a não ser que escute o relato de outro personagem. Não tem superpoderes (onipresença, onipotência, onisciência). Não tem acesso ao íntimo dos personagens. E pode portanto até mesmo ser enganado por eles, como Bentinho se alega enganado por Capitu. 
                Machado, luciferinamente, torna o ponto fraco (ou cego) de um narrador em primeira pessoa num recurso (poderoso) para contar a sua história. Em reforço para o fato de ele poder dar a sua versão, muito à vontade, sem ter de lidar com a interferência de Capitu, sem precisar ver  seu íntimo, nem revelar a verdade dela ao leitor. Ele pode desconhecer/ignorar essa parte da história. Existe somente uma verdade. A dele. E, no caso de Bentinho, como homem, dono da casa, é também o dono da história.  A trama de D.Casmurro somente existe, como é, porque é a história contada por Bento Santiago, e seria outra coisa contada por outro personagem ou por um narrador que não estivesse inserido como personagem na história. 
                Nada disso é novidade. É peculiar, no estudo da única e extraordinária recepção crítica da obra de Machado. Mas já se contou essa história muitas e muitas vezes.[4] Foi o momento de virada do entendimento sobre o Machado, e como ele se consagrou com o apelido de Bruxo do Cosme Velho. Até então louvado pelo seu estilo elegante, foi denunciado como um magistral criador de estruturas narrativas que iludem (e como iludiram!) o seu leitor, até mesmo pela dissimulada afabilidade.[5]








                A leitura de Caldwell parte de  sugestões do próprio Machado. Otelo é mencionado cinco vezes em D. Casmurro. Além disso, há suposições de que, no nome do narrador,  Bento Santiago, ele não tenha esse  Iago, à toa (o que pode ser não-deliberado em Machado?). Trata-se logo do nome do maligno intrigante que convence Otelo a acreditar, falsamente, que Desdêmona o trai. Bento não precisa de um Iago à parte, externo. É tão Iago como o Médico é o Monstro. Ele próprio se convence, à custa de muita repetição, e como consequência de um caráter poroso, inane. Mas faz as vezes de Iago para o leitor: calúnia?
                Esse porém não é o indício[6] mais forte.

         “Tais eram as ideias que me iam passando pela cabeça, vagas e turvas, à medida que o  mouro rolava convulso, e Iago destilava sua calúnia.

                                     D. Casmurro, Cap.135, “Otelo”.Bento Santiago assiste a                                                                     uma representação da tragédia de                                                                                            Shakespeare. 

                No capítulo que intitula "Otelo", Machado embute o mouro de Veneza e o drama shakespeariano nas caraminholas íntimas e inconfessas de Bento Santiago e na trama como um todo. Bento (Otelo) Santiago tem a partir daí toda a “convulsão” de Otelo dentro de si. Só que, Bentinho é o que é, enquanto Otelo é uma força da natureza, um terrível guerreiro, um general vencedor, terror de seus inimigos, mas que se rendeu e entregou seu coração, sua vaidade e seus temores[7] interiores ao puro amor, à devoção de Desdêmona.
                Quem vê Plácido Domingo interpretá-lo (a versão de Verdi, em ópera, de 1887, da peça de Shakespeare), absorve com impacto ainda maior todo o sofrimento daquele homem, à medida que se convence de que Desdêmona o trai. E é esse sofrimento que está embutido, essa agonia e dilaceração, em Bento Santiago. Cada gesto seu a partir desse capítulo os subentendem, os pressupõem. Mas, de novo, ao contrário de Otelo, modelo de explosão passional, Bentinho explode para dentro. Sua convulsão está abaixo da superfície, dando somente sinais sutis. Mas, como vemos no momento em que ele quase envenena o menino (seu filho; capt.137) Ezequiel, não é por conta de sua contenção, que seu rancor e sua mágoa são menos intensos.
Ao mesmo tempo, Otelo, aquele homem primitivo em seu ciúme, é apaixonado, loucamente apaixonado por Desdêmona. Para Bento Santiago, carregar dentro de si, como uma úlcera mais do que dolorosa, esse magma de sentimentos, sendo incapaz de provocar sua erupção, é um suplício ainda mais corrosivo.  
                Amor e morte. Paixão e Ódio. Como se fosse uma colisão entre estrelas. Um cataclismo cósmico  encaixotado na alma de um ser humano.

[OTELO] É essa a razão, é essa a razão, minha alma! Permitam que não diga o nome dela diante de vocês, castas estrelas! Mas, é essa a razão de tudo... Mesmo assim, não quero derramar-lhe o sangue, nem manchar sua pele mais branca do que a neve e tão lisa quanto o alabastro dos monumentos. Deve morrer, entretanto, para que não traia mais homens [... beija Desdêmona] Oh, hálito balsâmico que quase convence a justiça a quebrar sua espada. Ainda um! Mais um! Permaneça assim quando estiver morta  - e eu te matarei – e depois te amarei. Mais um e este é o último beijo. Beijo tão doce jamais foi tão fatal!
Otelo, Ato V, cena 2.



William Shakespeare
                                                                            Este ano celebramos 
                                                                                     4 séculos de seu Falecimento! 


                Bento (Otelo) Santiago. Estão ambos em cena, a partir de então, como referência para o leitor.[8]
                No entanto, não seria razoável propor uma certa simetria nessa leitura?
                Agora, chegamos onde eu queria, minha pequena adição a esse debate ... Ou seja: se Otelo está embutido em Bento Santiago, da mesma maneira Desdêmona estaria engastada em Capitu?  Ou : Otelo está para Bentinho assim como Desdêmona está para Capitu?
Daí, o que teríamos?

         [DESDÊMONA] Ele disse que não demora nada. Mandou que eu me deitasse logo e que a dispensasse (para sua dama de companhia) (E depois...:) Anda depressa, por favor. Não demora a chegar.
Cena 3.

                Ao contrário de Capitu, Desdêmona se defende, nega a acusação. Assistimos às intrigas de Iago. Desdêmona nos fala olhando diretamente em nossos olhos, do fundo de sua alma. E, ao final, mesmo sabendo que será assassinada por Otelo, recusa-se a fugir, recusa-se a salvar-se, e se resigna a cumprir as determinações do marido: que a sentenciou à morte. Ela não quer ,morrer. Não abre mão do amor à Otelo. Não admite fugir, sendo inocente e íntegra, recusa macular essa sua integridade, mesmo que seja para salvar-se. Sua inocência, crê até o final, é sua proteção, é a dignidade que não abandona. È esta a sua maneira de ser fiel a Otelo, que ele, enlouquecido, não tem mais capacidade para entender.   Desdêmona é submissa demais para os padrões de hoje, mas estamos assistindo a um martírio.
                Mas, Capitu terá sido igualmente caluniada por um Iago embutido em Bento Santiago?[9]
                E se Capitolina também contiver Desdêmona? Ela também aceitou  a vontade do marido, fielmente  - no caso dela, o exílio. E não deixou de amá-lo, até o final. E se a mesma alusão à peça de Shakespeare, que deve pairar como uma sombra (de Otelo sobre Bento Santiago) valer também como referência, com subentendido, pressuposição para Capitu? E se toda essa dignidade de Desdêmona estiver também subtendida em Capitu? E se lermos o personagem dessa maneira, o que muda?  
                Não se trata de somente mais um argumento em desmerecimento da confiabilidade de Bentinho, como narrador. Talvez, sim, um indício[10] que poderia ser usado da inocência de sua esposa. Mas, principalmente, de uma outra perspectiva – que a eleva, a fortalece – (não ostensiva, subliminar, imiscuída nas entrelinhas... Machadianamente!) do personagem Capitu. Uma leitura possível desse magnífico personagem.  


Poe foi internado na Casa Verde?

                O alienista é talvez a obra mais popular de Machado de Assis. Claro, contém muito do que se pode ler no melhor Machado. Inclusive essa tendência de seus protagonistas para o patético, para uma misteriosa alquimia entre a galhofa e a melancolia, como é o caso de Simão Bacamarte, o médico que pretendia curar a insânia do mundo, tendo como seu “universo” uma ensandecida, desvairada, carnavalesca Itaguaí.

Adaptação em Quadrinhos, com desenhos de Cesar Lobo



                Assim como é também evidente que Machado tenha sido um leitor aficionado de Edgar Allan Poe.[11]
                Há, no entanto, um conto pouco lido, pouco comentado, e portanto pouco conhecido de Edgar Allan Poe, intitulado O sistema do Dr. Tarr e o professor Fether que pode muito bem ter sido o ancestral (literário) de O alienista. Seria então mais um elo nessa linhagem (literária) que liga lindamente Poe a Machado, uma vinculação ainda pouco estudada.  
                Trata-se de um conto subestimado, quem sabe, porque é por muitos considerado cômico. E como tal colocado num nível inferior ao restante da obra do escritor gótico americano, famoso por suas histórias de terror (embora esse não tenha sido o único gênero em que atuou). De certo modo, é a mesma sina que se abate contra O alienista, que muitos consideram como somente humor, sem ver a tragédia humana embutida na rigidez de Bacamarte, que inviabiliza sua existência no mundo e entre as demais pessoas. O alienista acaba, após rever todos os seus conceitos do que é loucura, internando a si mesmo na Casa Verde, o manicômio que erguera em Itaguaí, e libertando de lá todos os que diagnosticara antes como malucos.
                 Vale a pena sair em busca desse conto de Poe e compará-lo com O alienista. Nele, a loucura é absolutamente relativizada. A grosso modo, resumo aqui... Um visitante aparece num sanatório, desejoso de conhecer os métodos de tratamento empregados ali, dos quais escutara falar. É bem recebido, sua curiosidade científica encontra grande satisfação no contato com o psiquiatra responsável pelo lugar. Mas, esta convivência  torna-se aos poucos tensa já que tanto o médico quanto os seus auxiliares exibem, sem constrangimento, procedimentos que o visitante considera bizarros. No entanto, nem de longe suspeita do que aconteceu ali...

Edgar Allan Poe



                Revoltados com os maus tratos, cansados de serem relegados à condição de sub-humanos, e da solidão de sua insanidade, que os responsáveis pelo manicômio não poderiam nem estavam interessados em captar, nem entender, nem muito menos consolar, os internos haviam se rebelado, prendido o médico-psiquiatra e seus ajudantes nas celas, incomunicáveis, passando a tratá-los como loucos – exatamente como eles eram tratados antes –, e tomaram o poder no manicômio.
                Há uma subversão total do que se pode entender como loucura. E ao mesmo tempo, um desmascaramento das noções que consideram loucura algo totalmente contrastante,  evidente e nitidamente reconhecível, quando comparara à sanidade.[12] A loucura nesse manicômio tem lógica.. Lá, como na Casa Verde, poderia ressoar o bordão agourento do Corvo: "Nunca mais!". 
                E, também aqui, a dor se mistura ao riso, a solidão à hilariedade, para compor personagens cuja imagem é uma metáfora (universal, permanente) da complexidade, dos enigmas e dilemas do espírito humano.[13]
               

#minhapátriaéaliteratura





[1] Somente traduzida no Brasil 40 anos depois: São Paulo, Ateliê Editorial, 2002.
[2] Obra citada: P. 100.
[3] Lúcia Miguel Pereira, em dois momentos breves, foi a primeira a levantar dúvidas sobre a “versão Bentinho”, e sobre o narrador em si, pondo em questão se ele seria um narrador confiável. Foram em “O defunto autor”, Escritos da Maturidade, Rio de Janeiro, Graphia Editorial, 2005 (1958), p.44, e Prosa de ficção, BH e SP, Itatiaia, (1936)1988, p. 240. Não deram atenção a esses alertas de Lúcia, amorosa biógrafa de Machado – minha preferida. A bem da verdade, a própria autora não investiu muito nisso e em outros momentos ateve-se à versão oficial.
[4] Eu próprio a viro e reviro pelo avesso de diversas maneiras no Almanaque Machado de Assis.
[5] Há críticos que rejeitam a possibilidade de Capitu ser inocente da acusação. Várias leituras possíveis se contrapõem, sempre, quando se trata de Machado de Assis.
[6] Defendo que não se pode, em Literatura, tratar uma interpretação como a única verdadeira. Há leituras possíveis, e indícios, apontados na obra, que dão menos ou mais lastro a essa ou àquela possibilidade.  
[7] Presa fácil de Iago...!
[8] Estima-se que Otelo tenha sido escrita em 1603. Assim seria  a última tragédia, entre as mais típicas de Shakespeare. Em D. Casmurro, Bentinho  a qualifica de “a mais sublime tragédia deste mundo” (capt.135).  
[9] Esta provocação deveria ser desenvolvida num ensaio à parte, que eu não pretendo escrever.
[10] Ver nota (6).
[11] Ver “Arqueologias Machadianas” (1), neste blog, postado em 15/03/2016.

Anton Tchekov





[12] Ver a crônica de 31/05/1896, de Machado, incluída e comentada em O mínimo e o Escondido (Melhoramentos), onde eu aponto essa conexão com O alienista. Nela, Machado comenta a fuga de loucos, do hospício, e se pergunta como, sem ter a certeza de que os loucos estão confinados, poderá andar nas ruas e se relacionar com as demais pessoas, seguro de que não está lidando com um louco fugitivo. Comno distinguir são de insanos, qiando uns e outros estão soltos? Tem a ver também com o dilema colocado ao leitor pela trajetória do personagem Quincas Borba, de Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, um louco, mas que convenceu até muitos estudiosos de Literatura de que o Humanitismo, a doutrina que prega, deveria ser considerado (Fala sério!) como a filosofia de vida de Machado. Sim, a loucura tem lógica. E pode ser sedutora, e o último reduto da sanidade, como em Enfermaria 6, conto de Tchekov (1860-1904), que também vale tomar como objetivo de leitura... Ou seja, vão lê-lo, Cascudos!. É genial! Magnífico! Ao que eu saiba, Machado não leu nem conheceu Tchekov; entretanto, essa perspectivação da loucura é um tema universal. 
[13] ... Algo que não caberia na Literatura de um único país, nem cultura, nem povo, nem poderia ser tematizado generosamente numa perspectiva  (nacionalista, regional, localizada, particularizante, estanque, incapaz de amplitudes, dessas que se contentam com filigranas, desconstruções e diferenças etc...) limitada. 

sábado, 19 de março de 2016






Sua opinião, por favor...

Toda semana (ou quase) tenho publicado um debate sobre Literatura no meu Blog (tag Fora de Ordem)...
Na próxima edição, indo ao ar nessa semana que entra, não consegui ainda me decidir se ...
1) Prossigo nas Arqueologias Machadianas, com um comentário malicioso sobre O Alienista... E uma leitura possível de D.Casmurro, a partir da peça (Shakespeare) e da ópera (Verdi) Otello...
OU
2) Se enfoco um aspecto genial, mas nem sempre lembrado de Edgar Allan Poe...:?
Um tem a ver com o outro e ambos são ARQUEOLOGIAS LITERÁRIAS...
Pode me ajudar a decidir? Aqui em comentáio ou em mensagem pvt...!

terça-feira, 15 de março de 2016

ARQUEOLOGIAS MACHADIANAS



"procurai também que, lendo a vossa história, o melancólico se mova ao riso, o risonho o acrescente ..." .
               “Prólogo” de D. Quixote, Cervantes, 1605. Volume 1, p.35. Tradução Sérgio Molina.[1]


Vivo dizendo nas minhas conversas Brasil afora que nada, em Literatura, nasce de chocadeira. Antes de ser um escritor, a pessoa é um leitor – geralmente no caso um Leitor Cascudo. Nesse reino das bibliotecas, livrarias, eventos literários, é que ele vai escolhendo livros, seja pela capa, pelo título, pelo texto de 4ª capa, ou pela orelha, ou ainda pelas primeiras linhas da primeira página. De um livro passa para outro e assim, sem sentir, forma seu gosto,  vislumbra que tipo de Literatura gosta de ler. E, muitas vezes, se essa pessoa se transformar numa escritora, ou num escritor, é assim que ele elege que tipo de Literatura irá escrever.
A história de leitura de um escritor é sempre esclarecedora. Em alguns, é registrada, e até mesmo em detalhes, como na rara e valiosa autobiografia literária de José de Alencar: Como e porque sou romancista. Já Machado, considerado, com méritos, o terror dos biógrafos, não facilitaria as coisas de tal maneira, entregando seus ascendentes literários. Será preciso escavá-los, num trabalho arqueológico.
Não que ele esconda, ou disfarce essas influências. Mas não faz questão de destacá-las, de fazer alarde, de chamar atenção. Como tudo o mais no Bruxo, ele lança citações ou releituras do modo mais sutil. A ponto de, em alguns casos, não podermos ter certeza dessa vinculação, somente suspeitas.

Obra de finado, escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia.
                                                               “Ao Leitor”, em Memórias Póstumas de Brás Cubas,
Machado de Assis, 1881.







D. Quixote
                                                      em ilustração de Gustve Dorè. 




                O primeiro aviso, quando esbarramos com uma relíquia revivida – uma suspeita genealógica  – é JAMAIS confundir isso com plágio. Na Literatura existem linhagens, descendentes e ascendentes. Um processo de transmissão, como escrevi acima, em que o leitor que existe no escritor se revela, assombra a  criação da obra. Como se para provar  que não há defunto mudo, nem amnésico – e a rigor o mistério da morte se manifesta de maneira peculiar na reprodutibilidade da ficção, em personagens e em enredos.[2]
Assim,  tempos atrás,  relendo o Prologo de D. Quixote, me deparei com a frase citada acima. Daí, foi pegar a pista para entender que a mesma alquimia que gerou D. Quixote, esse casamento (ou conúbio, como escreveu Machado) da melancolia com o riso, ou com a galhofa, foi a pedra filosofal a dar espírito e vida também a Brás Cubas (erguendo-o da tumba para que contasse sua história ao leitor; uma história da qual, como saldo, deixou-nos somente negativas) e... Simão Bacamarte, este com sua empedernida, inflexível, comovente integridade.

Machado de Assis

Miguel de Cervantes

O Alienista
                                                                              Adaptação para HQs
                                                                                     com César Lobo




Já vi muitas leituras, que acho superficiais, considerando ambos (e às vezes vitimando também o D. Quixote) somente pelo aspecto do humor. É pouco. É insuficiente. São meia-leituras anêmicas. Deixam escapar o soberbo lado metafísico, filosófico de Machado, que abrange inclusive a reflexão perturbadora sobre nossa incapacidade de aceitar os limites de nossa condição humana (inclusive a mortalidade). [3]
Não se pode entender nem Brás Cubas, creio, nem Simão Bacamarte, O alienista, sem considerar que são ao mesmo tempo ridículos, risíveis, cômicos; mas também patéticos, melancolicamente solitários, e que eles estimulam de modo extraordinário nossa compaixão.  É o que os torna modelos (de personagem ou de gente?).  De certo modo, é a mesma sina de Rubião, de Bento Santiago e do Conselheiro Aires.
A proposta está em Cervantes. Nomeada no “Prólogo”, base da mistura genial que infunde  D. Quixote em nosso espírito, no da cultura humana, na Literatura. As variações (e mesmo ampliações) compostas por Machado de Assis comprovam a maestria do Bruxo.  


William Shakespeare

 Machado vira um detetive investigando com o engraxate de rua, Juca, um crime , no ano em que lançou D. Casmurro.
Participações Especiais: Brás Cubas, Simão Bacamarte, Quincas Borba (o Cão e o Filósofo) e outros da mesma espécie.


Indo para outra trincheira, temos Hamlet (escrita c. entre 1599-1602) de Shakespeare. Como todo clássico universal, comporta, é claro, inúmeras  interpretações, ou leituras. Eu a leio como um embate do ser humano contra a inevitabilidade da morte, passando pela tentativa de inferir, de despojos, de restos da vida, o que subsiste à morte. Há vários momentos da peça em que o sombrio, mórbido Hamlet se defronta com o mistério final, inclusive a cena tantas vezes citada, no cemitério, em que ele ergue a caveira de Yorik, o bobo da corte, aquele que ajudou a criá-lo, seu amigo amado de infância, e reflete sobre o que se leva da vida, depois que o organismo encerra sua atividade, e começa a dos vermes...

"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança 
estas Memórias Póstumas."
“Dedicatória” de Memórias Póstumas de Brás Cubas.

                A cena de Hamlet com os ossos de Yorik é uma obsessão de Machado. [5] E o verme que rói as frias carnes do cadáver de Brás Cubas tem um ancestral nobre, trazido à cena, num rompante de ironia, por Hamlet.
                 Ato IV, cena 3. Hamlet acaba de matar Polônio. O rei interroga Hamlet: “Onde está Polônio?”. E Hamlet responde: “Jantando”. E completa: “Num jantar onde ele não come, mas é comido.[6] Certa assembleia de vermes políticos está agora com ele. O verme é o grande imperador da cadeia alimentar. Engordamos outras criaturas para nos engordar, e engordamos a nós mesmos para engordar os vermes... “.
                A seguir, ainda Hamlet, sarcasticamente dirigindo-se ao rei, expõe sua concepção (humanitista?) de como a vida iguala mendigos e reis, diante da sanha dos vermes: Morto um rei, é enterrado, e o verme o “rói”. Vem o mendigo, tira o verme, ou a minhoca, da terra, e a usa como isca para pescar. Daí come o peixe e, ao evacuar, o rei é excretado pelas “tripas” do mendigo. Ou seja, o rei vira cocô de mendigo. E isso dito por um príncipe a um rei. Ao vencedor, o cadáver.
                O curioso é que um crítico como Harold Bloom [7], que endeusa Shakespeare e particularmente Hamlet, se recusa a citar a “Dedicatória” de Memórias Póstumas, em sua apreciação de Machado – que ele considera um dos gênios da Literatura Universal, o único escritor brasileiro nessa lista; ele a acha “terrível demais” para ser reproduzida; e assim deixa de reconhecer a linhagem do verme, que passa de Hamlet (Shakespeare) para Brás Cubas (Machado), carregando toda uma ironia, ácida ao extremo em Machado, acentuada por conta de o nosso escritor mulato debochar da nossa inconformidade diante da morte, trata-la com espírito de galhofa. Ocorre que Hamlet também faz isso, e quem sai aos seus não degenera. [8]

Edgar Allan Poe





                Finalmente, nesta primeira série de achados arqueológicos, algo bastante mais sutil, e que tem a ver com um aspecto refinado da técnica narrativa, da arte, dos recursos e ardis de contar histórias ...
                Edgar Allan Poe (EUA, 1809-1849) compôs quase todos os seus contos – como O Gato Preto, O Barril de Amontillado e O Coração Delator, nos envolvendo com um enigma bastante peculiar. Nesses contos, um personagem nos conta uma experiência sobrenatural, que o transtornou e devastou sua vida. Nesses três contos, ainda, embora não sejam únicos exemplos em Poe[9], esse personagem cometeu um crime hediondo, mas rejeita, diante do leitor, a responsabilidade sobre o ato.  O crime teria sido imposto por essa entidade/circunstância sobrenatural, do/da qual o personagem se apresenta como vítima.



Coletâneas de contos clássicos de terror,
incluindo Edgar Allan Poe.


                Podemos, é fato, recusar essa declaração de inocência. Podemos até pensar que o personagem, sendo louco, cometeu esses atos e que nos conta essa versão sobrenatural por força de um delírio. De um surto psicótico. Algo assim. Que nada de sobrenatural teria ocorrido, somente crueldade insana.[10]
                Ocorre que não há outra fonte para nos informar sobre o que aconteceu. Não há termo de comparação. O personagem está blindado. Podemos acreditar no que quisermos, interpretar como quisermos, mas, nesse caso, estaremos recorrendo a um juízo trazido de fora da história. Que não existe nos limites (no universo) da história, mas em nosso mundo físico, racional, explicável, cotidiano. Que não aceita, usualmente, o sobrenatural, nem muito menos a interferência do sobrenatural nos acontecimentos. Tudo poderia até mesmo ser mera invenção, ou mesmo mentira, dissimulação, ou disfarce do perpetrador do crime. Só que, assim, eliminando o sujeito que conta a história,  seu protagonista, nesse caso, por causa dessa construção em que somos enredados, eliminamos junto a história. [11] O protagonista-narrador não é somente um personagem, uma versão, ele é a história. A história é a exposição que ele faz. Como ele expõe o acontecido é a história, e se quisermos a história do seu caráter, do seu espírito, mente, ou da sua alma.  
                Muitos já terão aqui reconhecido o mesmo recurso (ardil) utilizado em D. Casmurro.
                Capitu traiu ou não traiu Bentinho?
                A pergunta ressoa há mais de um século. É a face mais óbvia dessa construção magistral de Machado, que torna Bento Santiago a única fonte disponível para conhecermos a história dele com Capitu.  [12] Podemos achar que ele não é confiável. Que um marido traído, um frouxo, um fracasso moral como Bento Santiago não pode ser testemunha, promotor, júri e juiz do caso (o personagem é um advogado). Podemos até nos revoltar com o fato de ser dado a ele, e não a Capitu, muito mais mulher do que ele era homem, um personagem muito mais sedutor, carismático, encantador, a propriedade da história, só porque, dentro de uma visão de mundo patriarcal e machista, ele, homem, tem de ser o dono da casa, mesmo que menos qualificado do que ela. Podemos até mesmo escrever outras versões da história – e muitos o fizeram.
                Dane-se!
                A história de D.Casmurro  é aquela contada por Bentinho. Não existe outra. E Machado, primeiro tradutor de O corvo em português, e leitor de Edgar Allan Poe, envenenou aqui, e em outros romances, o recurso utilizado pelo escritor americano, transformando-o, fazendo o poder de narrar voltar-se maliciosamente, como nunca, contra o próprio personagem que narra. Bruxaria nunca vista. Galhofa + Melancolia, lembra? Bentinho arrasa a própria vida por incompetência para ser feliz. Por incapacidade moral de conviver com uma mulher forte, como era a mãe dele, D. Glória, a quem ele intitulou Uma Santa (epígrafe que mandou gravar na lápide dela). Só que,  ao contrário dos predicados maternos que ele idolatrava,  deparou-se em Capitu  com uma sensualidade, uma feminilidade ... que o incapacitou.[13]


As aventuras de um dicionário
que pertenceu a Machado de Assis

                Bem, interrompo por aqui esta primeira escavação das Arqueologias Machadianas. Haveria outras, ficam para um próximo momento. Tomara que eu não tenha escrito tanto, até aqui, para listar aspectos que sejam irrelevantes para você que me leu.  No entanto, quem sabe?... Leitores Cascudos estão sempre se deliciando com quitutes extras, sobregostos, aromas que se revelam num contato mais íntimo. 
                  No mínimo, servem, aqui, para sugerir que as raízes  de Machado não são nacionais. Ou melhor, são além de qualquer pátria.[14] São a Literatura. 
                 É por aí que sigo. 
                E teimo!

#minhapátriaéaliteratura






[1] São Paulo, Ed. 34, 2002.
[2] Ivan Junqueira destaca a vinculação de Machado a Cervantes e em especial ao D Quixote:
A influência de Cervantes retorna à literatura brasileira com o advento do Realismo e do Naturalismo. Assíduo e atento leitor do Dom Quixote foi Machado de Assis, o maior dentre os nossos escritores e patrono da Academia Brasileira de Letras. Machado lia-o com freqüência numa edição anotada por Dom Eugenio de Ochoa, publicada em Paris pela Livraria Garnier.  [...]
Machado de Assis alude a Cervantes e ao Dom Quixote inúmeras vezes em sua obra ficcional, particularmente no romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de 1881, nos contos “Teoria do medalhão”, incluído em Papéis avulsos, de 1882, e “Elogio da vaidade”, pertencente ao volume Páginas recolhidas, de 1889, e em diversas crônicas de jornal publicadas na segunda metade do século XIX. Numa delas, datada de 1876, Machado de Assis propôs “a organização de uma companhia literária, no Rio de Janeiro, somente para editar Dom Quixote com as famosas ilustrações de Gustave Doré”.

[3] Acho igualmente empobrecedor aqueles que reduzem Machado a um mero historiador, ou comentarista/documentarista da História. Geralmente, são visões que não conseguem ler as bruxarias literárias, e a própria literariedade abusada, extremada, radical, absoluta de Machado.
[4] O Undiscovery Country (O reino não-descoberto) menção da fala que se inicia com o famoso “Ser ou não ser, eis a questão, Ato III, cena 1.
[5] Ver entre outras as crônicas de 9 de junho de 1894 e a de 12 de dezembro de 1884, ambas ao mesmo tempo, paródias e ampliações da conhecida cena (Ato V, cena 1) em Hamlet. Nessa segunda crônica, o narrador-cronista vai ao cemitério indagar sobre um homem que ganhou momentânea celebridade, um tal Castro Malta que, preso, acusado de um assassinato, morreu na cadeia sob torturas para que confessasse o crime. O caso provocou comoção. Mas, o verme interrogado diz somente que , para o mundo abaixo das lápides, ninguém carrega nome nem sobrenome.  Importa somente a maciez da sua carne.  Mais um pouco e o verme teria repetido, como se fosse o capítulo de encerramento de Memórias Póstumas ... “O resto é silêncio” (Ato V, cena 2), derradeira fala, neste mundo, do Príncipe da Dinamarca.  A primeira crônica citada pode ser encontrada na coletânea de crônicas de Machado que organizei e lancei recentemente: O mínimo e o escondido. A segunda constou da primeira edição da mesma obra.


[6] Na crônica de Machado O autor de si mesmo (16/06/1895), encontro quase a mesma frase, citada, e com o mesmo sarcasmo macabro de Hamlet quando um personagem indaga: "Que banquete é este em que o convidado é que é comido?".  O Bruxo a coloca na boca de um  bebê, deixado pelos pais para ser devorado por galinhas." (Essa crônica está em O mínimo e o escondido)   ... Já em O Silêncio dos Inocentes, essa é a matriz da piada final  de Hannibal Lector. É ver o filme e constatar. A frase - "Tenho convidados para o jantar", referindo-se ao diretor do presídio, que ele odeia, e vinda da boca e dos dentes de um canibal, tem sabor especial. Ainda mais, dita com o sotaque britânico de Anthony Hopkins/Hannibal Lector. Para gurmês de Shakespeare!

[7] A devoção do crítico americano a Shakespeare e a Hamlet está expressa em Shakespeare: a invenção do humano (Rio, Objetiva, 2000). Já a colocação de Machado no panteão dos maiores gênios da Literatura está em Gênio (Rio, Objetiva, 2002). Lá, encontramos, na p.690: "Considero a dedicatória de Memórias Póstumas de Brás Cubas terrível demais para ser citada, constituindo inadequada indicação do tom do livro". E eu considero esse comentário desconectado de uma leitura competente dessa obra de Machado. Viva o verme (hamletiano)! 
[8] Machado cita Shakespeare em TODOS os seus romances, e em inúmeros outros momentos. O que poderia, aliás, ser uma representação do patético humano mais poderosa, e mais machadiana do que essa passagem de Macbeth?... “A vida não é mais do que uma sombra que anda; um ator canastrão que passa pelo palco, interpretando sua breve cena,  pomposo e exageradamente lamuriento,  e logo desaparece sem que ninguém se lembre dele; é uma história contada por um débil mental, repleta de som e de fúria, e que não significa coisa alguma.” (Ato V, cena 5). Seria esse pobre ator fracassado , que não convence a ninguém de sua interpretação, um ancestral de Brás Cubas... ? (e de outras crias  de Machado...?) 
[9] ...  Que Poe transmitiria a muitos de seus descendentes literários, como H.P. Lovrecraft, em A tumba, por exemplo, e Henry James, em A outra volta do parafuso, e mesmo, de certo modo, a Stephen King, de O iluminado.


[10] Nos domínios da insanidade homicida,ou talvez do sobrenatural tornando prosaicos seres humanos em hediondos assassinos,  e com o mesmo artifício acusado em Poe, ler A segunda vida, conto de Machado de Assis, que acrescenta, como de hábito no Bruxo,  ao trágico/terror uma boa dose de galhofa. Ria quem puder. Horrorize-se quem quiser.
[11] É como um ovo... Podemos querer um omelete; mas aí, há que quebrar o ovo, e então é uma outra história.
[12] Creio até que tenho um indício de que, se Capitu traiu Bentinho, Ezequiel não seria filho desse(s) ato(s), mas do próprio Bentinho; mas isso é outra história... Já contei essa fofoca no Almanaque Machado de Assis e posso contar aqui no Blog, outra vez...num próximo capítulo sobre Machado e suas Bruxarias Literárias.  
[13] Claro que esta é a minha leitura; há muitas outras. 
[14] Ou somente o seriam nos termos que ele coloca em Instinto de Nacionalidade; nada do exótico, do pitoresco, nem abusos de cor local, nem regional, mas "um certo sentimento íntimo", mesmo que ambientado em tempo e num lugar quaisquer.