domingo, 14 de julho de 2024

IR AONDE O LEITOR ESTÁ ... 
Luiz Antonio Aguiar


(Uma preocupação, uma proposta, um Manifesto)






Em 1873, Machado de Assis escreveu o polêmico (na época e ainda hoje)  ensaio “Instinto de Nacionalidade”. Numa passagem que todos repetem, mas pouco se aprofunda dela e pouco se aproveita sua atualidade, propõe: “Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.”

Em muitos aspectos, salvo lindas exceções, a Literatura Brasileira ainda se oferece como vitrina de uma identidade nacional exacerbada pelo exótico, pelo pitoresco, pelo ancestral, em vez de buscar ir ao encontro de seu leitor – que participa de uma cultura planetária, viajando na velocidade da luz, ávida de presente e futuro.

Os dilemas e conflitos desse leitor, especialmente os jovens, seu espírito, sentimentos, se aventuram numa miríade de influências que escapam em muito às doutrinas oficiais que a empobrecem, mas que se harmonizariam belamente com uma Literatura generosa que prezasse e buscasse analisar e entender o que ele gosta de ler, em vez de impor o que, na opinião dos reguladores e nos limites estreitos da oferta, ele tem de ler.

Há maneiras amistosas de acessar os clássicos para os leitores, especialmente, de novo, os jovens, que já por sua conta correm para Jane Austen, Robert Louis Stevenson, Dumas, Verne, Conan Doyle e Agatha Christie, e que poderiam descobrir um Machado atual, que expõe nosso racismo estrutural, nossa misoginia atávica, nosso conservadorismo corrosivo. Ou um Lima Barreto, um Alencar, um João do Rio. Há uma universalidade e um patrimônio de três milênios na Literatura que é ocultado por essas tendências meio-leitoras.

Há, ainda, um universo multifacetado de influências culturais no fabulário árabe, judaico, italiano, alemão, oriental, para não falar na Mitologia Grega, que são tributários dominantes nesse cadinho hospitaleiro que é a cultura brasileira – e que não se restringe ao passadismo.



Da crise (e catástrofes) provocada pelas mudanças climáticas, às guerras cada vez mais sangrentas, o flagelo da fome e das epidemias e endemias, impostas pela desumana supremacia política internacional, dos refugiados, ao avanço do conservadorismo, à chacina dos jovens negros e pardos das periferias, o genocídio dos povos indígenas e o ataque cruel a quilombolas, e religiões de matriz afro-brasileira, aos diversos tipos de discriminação ainda e tristemente prevalentes em nossa sociedade, à homofobia e seus recalques derivados, ao obscurantismo (contra o conhecimento e o novo  na cultura) e o negacionismo (contra a ciência, o pensamento, o próprio presente e o futuro), o leitor – mais uma vez, especialmente o jovem - se vê acuado pelos problemas do mundo de hoje, que lança ameaças ao SEU futuro; e nisso a literatura tornada oficinal, à semelhanças da moral e cívica e os estudos de problemas brasileiros, de décadas atrás, não o ampara, nem o acompanha (no sentido de companheirismo, amizade, cúmplice) – como a grande Literatura sempre o fez. O apanhador do campo de centeio, de Sallinger, é um exemplo do que foi a Literatura que se aliou à juventude e ao tempo corrente que ela vivia. Cem anos de solidão  é outro, glorioso! E haveria muitos outros exemplos célebres que poderiam ser citados.

A literatura oficializada prefere um passado ahistórico, provinciano, distante, um placebo, às vezes fantasiado de alegoria de vida real, que se faz de atuante, mas que somente age para entediar os jovens e afastá-los do presente – por mais dignas e inclusivas que sejam as intenções.

Se queremos uma Literatura vital e vigorosa, uma população leitora que saia à busca de livros, em vez de estreitamentos cada vez mais severos e avessos à leitura (da Literatura integrada a nossa vida, parte da convivência familiar, da vida social dos jovens), temos de mudar o parâmetro, o calendário das ambientações e conflitos, suspender a censura que impede que os dilemas da juventude sejam matéria de Literatura, enfim, temos de ir aonde o leitor está





                            SULTANA: mascote da oficina LITERATURA DO ENCANTAMENTO
 


Podemos fazer isso. Temos um quadro de autores suficientemente habilitado a conviver generosamente com a juventude (que amam e acreditam na novidade que representa o modo de vida criado autonomamente por esses jovens) e tornar suas experiências em Literatura... Dotados, enfim, de um certo sentimento íntimo, que torne nossos personagens, histórias e enredos em coisa do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.







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