HOMERO
O Mestre em Contar Falsidades
ou
OS Ancestrais do Ladrão de Raios
Aquiles
– ou pelo menos o Aquiles que Homero criou
em Ilíada[1]
– era um sujeito complicado. Não vou aqui[2]
contar o quanto pode ter contribuído para essa complicação a mãe dele, a Ninfa Tétis, obrigada por Hera a se casar
com um mortal, Peleu, o rei de Ftia.[3]
Nem entrar muito a fundo no rancor que ele foi acumulando em sua curta vida por
ser um quase-deus, um quase-imortal (havia o Calcanhar de Aquiles).[4]
Basta dizer que ele, podendo escolher seu destino, decidiu morrer jovem – se com
isso se tornasse um guerreiro eternizado pelas suas proezas em batalha -; daí, recebeu
a profecia que lhe revelava que, se fosse para Tróia, lutar junto aos gregos, não
retornaria de lá, e para Troia ele foi, sem hesitar; noutro recadinho, lhe os deuses comunicaram que,
se matasse Heitor, o príncipe e grande herói de Troia, morreria a seguir. E foi
exatamente o que ele fez, cuidando de temperar o ato com requintes de
desrespeito ao cadáver do inimigo, a tal ponto que os deuses do Olimpo se
sentiram insultados, e mais ávidos de acabar com o rebelado Aquiles.
As
profecias – dicas sobre o futuro concedidas pelos deuses aos mortais, via
videntes ou outros – perseguiram Aquiles.[5]
A tal ponto que, na cena em que Aquiles parte para a frente de luta, decidido a
matar Heitor, até mesmo seu cavalo, Xanto, ganha voz para adverti-lo:[6]
A isso, contido pelo cabresto, o veloz Xanto
respondeu,
abaixando sua cabeça de modo que sua crina
se derramou, alcançando o chão, e Hera,
de braços brancos como o mármore, lhe concedeu
voz para dizer: “Sim, poderoso Aquiles,
protegeremos sua vida, hoje,
outra vez. No entanto, o seu fim se
aproxima.
A sua morte está cada vez mais próxima. E
não seremos a causa dela, mas sim um grande deus, a Onipotente Fortuna. Assim
como não foi
por falta de empenho nem de esforço nosso
que os troianos despiram Pátroclo de sua
armadura.
Não, o magnífico deus gerado por Leto
matou-o em meio à batalha
e transferiu a glória a Heitor.
Devemos trotar ligeiros como o vento oeste,
Mais rápidos, aliás, do que qualquer vento;
mas
Ainda assim é seu destino ser abatido por
golpes
De um deus e de um homem.”[7]
E
Aquiles, que não aguenta mais escutar que a morte o espreita e que vai pegá-lo
em breve, responde:
Nisso,
as Fúrias forçaram Xanto a se calar.
Com raiva sombria, Aquiles lhe replicou:
“Xanto, por que profetizas minha morte? É
desnecessário. Sei, e muito bem, o que me
está reservado:
morrer aqui, longe de meu amado pai e
também
de minha mãe. Não importa. Tudo o que
interessa
é que não ordenarei a interrupção dos
combates
hoje, antes que os troianos estejam
enojados de
tanta guerra!”
E
com um grito, conduziu suas tropas montadas em corcéis
de poderosos cascos à linha de frente da
batalha.
Uma biografia Romanceada, ficcional do Mestre em dizer falsidades como se deve... A aventura de compor Ilíada e Odisseia... Monstros, Heróis e Deuses da Mitologia criada por Homero
E lá se
vai ele, em busca de seu destino. Como sabemos, ele o encontra.
Haveria
milhares de coisas a se dizer sobre esse trecho, infinitos comentários a se
fazer sobre Aquiles e sobre o Ilíada.
Quero, no entanto, me concentrar num aspecto específico: o que levou
Aristóteles a proclamar que Homero foi o
grande mestre dos demais poetas, em dizer falsidades como se deve. [8]
Em
outras palavras, Homero, nos seus dois poemas, Ilíada e Odisseia, [9]
criou os recursos da arte de contação de histórias que deram origem à narrativa
longa, o épico, que por sua vez deram no romance, na novela e no conto.
A poesia arcaica grega era restrita a hinos de
adoração aos deuses. O poeta estava ostensivamente presente, homenageando sem
cessar os deuses olímpicos e agregados, seus atributos, sua beleza, sublimidade,
seu poder, numa postura de submissão e adoração religiosa. A poesia era a revelação de momentos dos imortais, para
pasmo e assombro das criaturas humanas, que não participavam dessas cenas, a
não ser muito, muito raramente.[10]
Redescoberto pelo Classicismo Grego – Atenas, sec. V a.C. –, quando os poemas de
Homero ganharam pela primeira vez versão escrita e estonteante influência sobre
os cidadãos,[11]
descobriu-se também em Homero a fonte de técnicas e recursos para se compor cenas, para envolver o espectador[12],
emocionalmente, nos conflitos da trama, nos dilemas dos personagens, na agudeza
de um diálogo...
Hoje,
lemos uma passagem como essa, de Aquiles e seu corcel de batalhas dialogando,
sem estranheza. Mas, nada disso existiu antes de Homero. A personalidade de
Aquiles foi lapidada por Homero, e expressa por ele em ação, em cenas (não mais
em declarações, ou hinos) – um recurso
muito mais envolvente. A ação, o
movimento da cena, sem a infiltração constante e, de certo modo, monocórdia, de
um poeta – o deixar a cena correr por si, a ação puxar a trama, ganhar vida, o desempenho dos
personagens livres de interferências e interpretações on line no texto... Tudo isso é exaltado por Aristóteles como a
arte da verossimilhança, de criar um
momento que não está no real, nem na mentira... De possibilitar ao leitor viver a cena como se ela fosse de verdade...
De dizer falsidades como se deve.
Homero,
segundo Heródoto, com esses dois poemas, cunhou os próprios deuses [13]. Para
tanto, compilou lendas regionais (como Afrodite e o próprio Zeus), histórias de
deuses vindos do Oriente (como Dioniso) e a tradição oral. Alguns deuses
ganharam trono no Olimpo, outros não. Alguns foram ratificados, outros
rebaixados, ou mesmo relegados a plano inferior (como Mnemosine, a Memória, mãe das Musas,
importantíssimas na tradição grega). Os imortais ganharam atributos, poderes,
características físicas e de temperamento.[14]
Ou seja, de retalhos, ele compôs um conjunto, um contexto – fundou a Mitologia.[15]
A dicotomia Imortal x Mortal (ou imortalidade x perecibilidade, um tema permanente e universal da Literatura), com todas as suas consequências e derivações, ficou de uma vez por todas estabelecida como a separação entre o divino e o mundano. Esse talvez seja o aspecto mais amplo da criação de Homero. Já, pontualmente, Zeus, por exemplo, será sempre
Zeus, vaidoso, ardiloso, infiel a Hera, explosivo, um cara que desdenha os
mortais e é um canalha com as mulheres – suas amantes – e os filhos que faz por
aí, deixando uns e outros se ferrarem,
nas mãos da esposa traída – isso, em qualquer trama da qual participe.[16]
Um Zeus generoso e compassivo, humilde, simplesmente seria anti-homérico, não convenceria ninguém... não existe!
resgata uma princesa do reino da Morte...
através das peças do teatro clássico estreladas por ele...
A
Mitologia Grega, por causa de Homero, ganhou uma influência cultural que
atravessou eras, culturas. Foi do momento arcaico grego para o Momento Clássico,
daí para Roma, daí para o Renascimento... e se formos seguir esse rastro vamos
passar tanto por Monteiro Lobato no Brasil,[17]
como por Percy Jackson – entre muitos e muitos ramos dessa árvore genealógica
monumental.
A todo instante, usamos alguma referência da Mitologia Grega...
seja ao dizer que estudar para determinada prova foi um esforço hercúleo... seja ao contar que conseguir que a operadora
de celular aceitasse nosso direito de cancelar um contrato, depois de uma
infinidade sofrida de contatos com o SAC deles, foi uma odisseia...
Para não falar nas Olimpíadas, o maior espetáculo esportivo do Planeta, e que
tem como origem e inspiração a Civilização Grega e portanto a sua Mitologia.
os Jogos Olímpicos... TUDO... da Mitologia Grega a Rio-2016
[1] A
História da guerra dos gregos contra a cidade de Ílion, ou, como a conhecemos,
Tróia.
[2]
Mas, conto bem essa história em Homero, aventura
mitológica.
[3]
Zeus estava de olho em Tétis; daí, a mulher dele, Hera, não sendo nada boba,
enganchou a ninfa à força em Peleu.
[4] Quase, sempre quase... É como Homero repetidamente o chama, como se fizesse
questão de acentuar a frustração do filho de Tétis de não ser um Deus completo.
Ou como se quisesse persegui-lo, deixa-lo ainda mais louco de raiva, ao longo
de todo o poema, com essa pecha... tipo bullying contra Aquiles!
[5]
Nas histórias da Mitologia, as profecias, muitas vezes pareciam maneiras de os
deuses interferirem no caminho dos mortais, manipulando suas ações e decisões. Verdadeiras armadilhas, joguetes dos olimpianos para afastar o ´pocio decorrente da imortalidade.
[6] Ilíada, Canto XIX, versos 404-424. Botar
um animal para falar, e contracenando com um herói é uma ousadia bem homérica.
Uma possibilidade (licença) poética inventada por ele...!
[7] O
deus foi Apolo, que deu um empurrãozinho para Aquiles ser ludibriado nesse
episódio crucial e cumprir o roteiro que lhe fora reservado. O homem foi Páris,
o mesmo que raptou Helena, um inepto geral, que precisou de Apolo para firmar o
arco no qual dispararia a seta envenenada contra o calcanhar do quase-deus.
MITOS de todo o mundo transformados em aventuras...
[9] Odisseia, por sua vez, é a história do
retorno de Odisseu – nome grego de Ulisses - para casa, a ilha na qual era rei, Ítaca, e
para sua esposa, Penélope. Não vou entrar aqui na chamada Questão Homérica – Homero existiu ou não? Os dois poemas, Ilíada e Odisseia,
foram escritos pelo mesmo autor? A Guerra de Troia aconteceu mesmo? O inventor
da História, Heródoto, e o universal Aristóteles não questionam a existência de
Homero. Poética, de Aristóteles, uma
das obras fundamentais do pensamento estético da Humanidade, é, todo ele, uma
homenagem a Homero. Com essas referências, por que vou dar valor a esse desconstrutivismo
ocioso e chato?
[10] Assim
são os poemas de Hesíodo, Teogonia e O
trabalho e os dias.
[11]
Nascidos em Atenas, homens, livres e
proprietários. Na época, não se entendia a educação dos jovens cidadãos , a sua preparação para assumir
a condução dos rumos de Atenas, sem a leitura de Homero.
[12]
Aquele que assistia à recitação (musicada) do poema, a apresentação do aedo – aquele que compõe e canta os
poemas, geralmente um artista mendicante, visitando cidades e apresentando-se
em troca de comida e um canto para dormir, como se descreve Homero, a partir de
um retrato que ele mesmo criou e transmitiu, em Odisseia, Canto VIII, com o personagem
Demódocos... Havia outro artista semelhante, o rapsodo, que entretanto não compunha suas próprias obras.
[13] E
também Hesíodo, segundo o Pai da História.
Histórias, Livro II, 53.
[14]
Homero coloca deuses e mortais para contracenarem em diversos momentos, o que não seria de bom
tom, ou seja, seria visto como indevida promiscuidade (entre o divino e o mundano). Mas, foi esse um dos elementos que tornaram os deuses tão
atraentes – tão humanizados, em seus
defeitos e paixões. Foi isso, enfim, que tornou os deuses gregos, realmente,
imortais.
[15] É
o que faz a diferença entre lendas e
uma Mitologia, esse conjunto, essa consistência, e é delicioso saber que isso é
obra, não extraterrena, nem sobrenatural, mas de um poeta genial: Homero.
[16]
Hera nunca parte para cima de Zeus – sempre se vinga nas mulheres que o Senhor
dos Deuses seduziu, transformado em chuva de ouro, cisne e outros deslumbres...
E nenhum filho bastardo de Zeus sofrerá tanto quanto Hércules.
[17] Hoje,
Lobato pode ser uma leitura difícil para alguns jovens. Mas vale a pena o
esforço: topar o desafio. Os 12 trabalhos
de Hércules, o Minotauro... estão entre as melhores aventuras com a
Mitologia Grega que se pode ler. E nenhum Hércules será tão dramático, tão
cativante e heroico quanto o de Lobato...
ONDE COMPRAR
http://www.saraiva.com.br/homero-aventura-mitologica-7579966.html
http://www.travessa.com.br/odisseia-olimpica/artigo/38384e61-7084-4fba-adc9-3bd261f206a8
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http://www.extra.com.br/livros/ArtesCinemaTeatro/LivrodeTeatro/Livro-Hercules-Luiz-Antonio-Aguiar-4289788.html
http://www.buscape.com.br/que-haja-a-escrita-luiz-antonio-aguiar-8530504453
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