quinta-feira, 14 de abril de 2016

HOMERO
 O Mestre em Contar Falsidades
ou
OS Ancestrais do Ladrão de Raios




                Aquiles – ou pelo menos o Aquiles que Homero criou em Ilíada[1] – era um sujeito complicado. Não vou aqui[2] contar o quanto pode ter contribuído para essa complicação a mãe dele, a Ninfa Tétis, obrigada por Hera a se casar com um mortal, Peleu, o rei de Ftia.[3] Nem entrar muito a fundo no rancor que ele foi acumulando em sua curta vida por ser um quase-deus, um quase-imortal (havia o Calcanhar de Aquiles).[4] Basta dizer que ele, podendo escolher seu destino, decidiu morrer jovem – se com isso se tornasse um guerreiro eternizado pelas suas proezas em batalha -; daí, recebeu a profecia que lhe revelava que, se fosse para Tróia, lutar junto aos gregos, não retornaria de lá, e para Troia ele foi, sem hesitar; noutro recadinho, lhe os deuses comunicaram que, se matasse Heitor, o príncipe e grande herói de Troia, morreria a seguir. E foi exatamente o que ele fez, cuidando de temperar o ato com requintes de desrespeito ao cadáver do inimigo, a tal ponto que os deuses do Olimpo se sentiram insultados, e mais ávidos de acabar com o rebelado Aquiles.
                As profecias – dicas sobre o futuro concedidas pelos deuses aos mortais, via videntes ou outros – perseguiram Aquiles.[5] A tal ponto que, na cena em que Aquiles parte para a frente de luta, decidido a matar Heitor, até mesmo seu cavalo, Xanto, ganha voz para adverti-lo:[6]

A isso, contido pelo cabresto, o veloz Xanto respondeu,
abaixando sua cabeça de modo que sua crina
se derramou, alcançando o chão, e Hera,
de braços brancos como o mármore,  lhe concedeu
voz para dizer: “Sim, poderoso Aquiles, protegeremos sua vida, hoje,
outra vez. No entanto, o seu fim se aproxima.
A sua morte está cada vez mais próxima. E não seremos a causa dela, mas sim um grande deus, a Onipotente Fortuna. Assim como não foi
por falta de empenho nem de esforço nosso
que os troianos despiram Pátroclo de sua armadura.
Não, o magnífico deus gerado por Leto matou-o em meio à batalha
e transferiu a glória a Heitor.
Devemos trotar ligeiros como o vento oeste,
Mais rápidos, aliás, do que qualquer vento; mas
Ainda assim é seu destino ser abatido por golpes
De um deus e de um homem.”[7]

                E Aquiles, que não aguenta mais escutar que a morte o espreita e que vai pegá-lo em breve, responde:

               Nisso, as Fúrias forçaram Xanto a se calar.
Com raiva sombria, Aquiles lhe replicou:
“Xanto, por que profetizas minha morte? É
desnecessário. Sei, e muito bem, o que me está reservado:
morrer aqui, longe de meu amado pai e também
de minha mãe. Não importa. Tudo o que interessa
é que não ordenarei a interrupção dos combates
hoje, antes que os troianos estejam enojados de
tanta guerra!”
               E com um grito, conduziu suas tropas montadas em corcéis
de poderosos cascos à linha de frente da batalha.


Uma biografia Romanceada, ficcional do Mestre em dizer falsidades como se deve... A aventura de compor Ilíada e Odisseia... Monstros, Heróis e Deuses da Mitologia criada por Homero



                E lá se vai ele, em busca de seu destino. Como sabemos, ele o encontra.
                Haveria milhares de coisas a se dizer sobre esse trecho, infinitos comentários a se fazer sobre Aquiles e sobre o Ilíada. Quero, no entanto, me concentrar num aspecto específico: o que levou Aristóteles a proclamar que Homero foi o grande mestre dos demais poetas, em dizer falsidades como se deve. [8]
                Em outras palavras, Homero, nos seus dois poemas, Ilíada  e Odisseia, [9] criou os recursos da arte de contação de histórias que deram origem à narrativa longa, o épico, que por sua vez deram no romance, na novela e no conto.  
                A  poesia arcaica grega era restrita a hinos de adoração aos deuses. O poeta estava ostensivamente presente, homenageando sem cessar os deuses olímpicos e agregados, seus atributos, sua beleza, sublimidade, seu poder, numa postura de submissão e adoração religiosa. A poesia era a revelação de momentos dos imortais, para pasmo e assombro das criaturas humanas, que não participavam dessas cenas, a não ser muito, muito raramente.[10] Redescoberto pelo  Classicismo Grego – Atenas, sec. V a.C. –, quando os poemas de Homero ganharam pela primeira vez versão escrita e estonteante influência sobre os cidadãos,[11] descobriu-se também em Homero a fonte de técnicas e recursos para se compor cenas, para envolver o espectador[12], emocionalmente, nos conflitos da trama, nos dilemas dos personagens, na agudeza de um diálogo...
                Hoje, lemos uma passagem como essa, de Aquiles e seu corcel de batalhas dialogando, sem estranheza. Mas, nada disso existiu antes de Homero. A personalidade de Aquiles foi lapidada por Homero, e expressa por ele em ação, em cenas (não mais em declarações, ou hinos) – um recurso muito mais envolvente. A ação, o movimento da cena, sem a infiltração constante e, de certo modo, monocórdia, de um poeta – o deixar a cena correr por si, a ação puxar a trama, ganhar vida, o desempenho dos personagens livres de interferências e interpretações on line no texto... Tudo isso é exaltado por Aristóteles como a arte da verossimilhança, de criar um momento que não está no real, nem na mentira... De possibilitar ao leitor viver  a cena como se ela fosse de verdade...
                De dizer falsidades como se deve.
                Homero, segundo Heródoto, com esses dois poemas, cunhou os próprios deuses [13]. Para tanto, compilou lendas regionais (como Afrodite e o próprio Zeus), histórias de deuses vindos do Oriente (como Dioniso) e a tradição oral. Alguns deuses ganharam trono no Olimpo, outros não. Alguns foram ratificados, outros rebaixados, ou mesmo relegados a plano inferior (como Mnemosine, a Memória, mãe das Musas, importantíssimas na tradição grega). Os imortais ganharam atributos, poderes, características físicas e de temperamento.[14] Ou seja, de retalhos, ele compôs um conjunto, um contexto – fundou a Mitologia.[15]
A dicotomia Imortal x Mortal (ou imortalidade x perecibilidade, um tema permanente e universal da Literatura), com todas as suas consequências e derivações, ficou de uma vez por todas estabelecida como a separação entre o divino e o  mundano. Esse talvez seja o aspecto mais amplo da criação de Homero. Já, pontualmente,  Zeus, por exemplo, será sempre Zeus, vaidoso, ardiloso, infiel a Hera, explosivo, um cara que desdenha os mortais e é um canalha com as mulheres – suas amantes – e os filhos que faz por aí, deixando uns e outros  se ferrarem, nas mãos da esposa traída – isso, em qualquer trama da qual participe.[16] Um Zeus generoso e compassivo, humilde, simplesmente seria anti-homérico, não convenceria ninguém... não existe!


Em "Alceste", Hércules 
resgata uma princesa do reino da Morte...

Uma Biografia do Heróii 
através das peças do teatro clássico estreladas por ele... 

                A Mitologia Grega, por causa de Homero, ganhou uma influência cultural que atravessou eras, culturas. Foi do momento arcaico grego para o Momento Clássico, daí para Roma, daí para o Renascimento... e se formos seguir esse rastro vamos passar tanto por Monteiro Lobato no Brasil,[17] como por Percy Jackson – entre muitos e muitos ramos dessa árvore genealógica monumental.



A todo instante,  usamos alguma referência da Mitologia Grega... seja ao dizer que estudar para determinada prova foi um esforço hercúleo...  seja ao contar que conseguir que a operadora de celular aceitasse nosso direito de cancelar um contrato, depois de uma infinidade sofrida de contatos com o SAC deles,  foi uma odisseia... Para não falar nas Olimpíadas, o maior espetáculo esportivo do Planeta, e que tem como origem e inspiração a Civilização Grega e portanto a sua Mitologia.

O Mais Completo Almanaque sobre 
os Jogos Olímpicos... TUDO... da Mitologia Grega a Rio-2016



                Então, foi assim que aconteceu ... Para que a Mitologia Grega entrasse para o nosso dia a dia, um poeta que ninguém garante que tenha existido compôs  em poesia deuses e heróis, da maneira como os imaginou, lutando numa guerra que é bem possível que ele tenha inventado... E por causa disso, muitos povos sonharam, aprenderam mais sobre a vida e sobre o mundo, reinventaram esse mundo... E foi assim, ainda, que o mestre em dizer falsidades como se deve criou também a Literatura.






[1] A História da guerra dos gregos contra a cidade de Ílion, ou, como a conhecemos, Tróia.
[2] Mas, conto bem essa história em Homero, aventura mitológica.
[3] Zeus estava de olho em Tétis; daí, a mulher dele, Hera,  não sendo nada boba, enganchou a ninfa à força em Peleu.
[4] Quase, sempre quase... É como Homero repetidamente o chama, como se fizesse questão de acentuar a frustração do filho de Tétis de não ser um Deus completo. Ou como se quisesse persegui-lo, deixa-lo ainda mais louco de raiva, ao longo de todo o poema, com essa pecha... tipo bullying contra Aquiles!
[5] Nas histórias da Mitologia, as profecias, muitas vezes pareciam maneiras de os deuses interferirem no caminho dos mortais, manipulando suas ações e decisões. Verdadeiras armadilhas,  joguetes dos olimpianos para afastar o ´pocio decorrente da imortalidade. 
[6] Ilíada, Canto XIX, versos 404-424. Botar um animal para falar, e contracenando com um  herói é uma ousadia bem homérica. Uma possibilidade (licença) poética inventada por ele...!
[7] O deus foi Apolo, que deu um empurrãozinho para Aquiles ser ludibriado nesse episódio crucial e cumprir o roteiro que lhe fora reservado. O homem foi Páris, o mesmo que raptou Helena, um inepto geral, que precisou de Apolo para firmar o arco no qual dispararia a seta envenenada contra o calcanhar do quase-deus.  


MITOS de todo o mundo transformados em aventuras...







[9] Odisseia, por sua vez, é a história do retorno de Odisseu – nome grego de Ulisses -  para casa, a ilha na qual era rei, Ítaca, e para sua esposa, Penélope. Não vou entrar aqui na chamada Questão Homérica – Homero existiu ou não? Os dois poemas, Ilíada  e Odisseia, foram escritos pelo mesmo autor? A Guerra de Troia aconteceu mesmo? O inventor da História, Heródoto, e o universal Aristóteles não questionam a existência de Homero. Poética, de Aristóteles, uma das obras fundamentais do pensamento estético da Humanidade, é, todo ele, uma homenagem a Homero. Com essas referências, por que vou dar valor a esse desconstrutivismo ocioso e chato?
[10] Assim são os poemas de Hesíodo, Teogonia  e O trabalho e os dias.  
[11] Nascidos em Atenas, homens,  livres e proprietários. Na época, não se entendia a educação dos jovens cidadãos , a sua preparação para assumir a condução dos rumos de Atenas, sem a leitura de Homero.
[12] Aquele que assistia à recitação (musicada) do poema, a apresentação do aedo – aquele que compõe e canta os poemas, geralmente um artista mendicante, visitando cidades e apresentando-se em troca de comida e um canto para dormir, como se descreve Homero, a partir de um retrato que ele mesmo criou e transmitiu, em Odisseia, Canto VIII, com o personagem Demódocos... Havia outro artista semelhante, o rapsodo, que entretanto não compunha suas próprias obras.
[13] E também Hesíodo, segundo o Pai da História. Histórias,  Livro II, 53.
[14] Homero coloca deuses e mortais para contracenarem  em diversos momentos, o que não seria de bom tom, ou seja, seria visto como indevida promiscuidade (entre o divino e o mundano). Mas, foi esse um dos elementos que tornaram os deuses tão atraentes – tão humanizados, em seus defeitos e paixões. Foi isso, enfim, que tornou os deuses gregos, realmente, imortais.  
[15] É o que faz a diferença entre lendas e uma Mitologia, esse conjunto, essa consistência, e é delicioso saber que isso é obra, não extraterrena, nem sobrenatural, mas de um poeta genial: Homero.
[16] Hera nunca parte para cima de Zeus – sempre se vinga nas mulheres que o Senhor dos Deuses seduziu, transformado em chuva de ouro, cisne e outros deslumbres... E nenhum filho bastardo de Zeus sofrerá tanto quanto Hércules.



[17] Hoje, Lobato pode ser uma leitura difícil para alguns jovens. Mas vale a pena o esforço: topar o desafio. Os 12 trabalhos de Hércules, o Minotauro... estão entre as melhores aventuras com a Mitologia Grega que se pode ler. E nenhum Hércules será tão dramático, tão cativante e heroico quanto o de Lobato...


ONDE COMPRAR

http://www.saraiva.com.br/homero-aventura-mitologica-7579966.html
http://www.travessa.com.br/odisseia-olimpica/artigo/38384e61-7084-4fba-adc9-3bd261f206a8
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http://www.buscape.com.br/que-haja-a-escrita-luiz-antonio-aguiar-8530504453

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