sábado, 22 de maio de 2021

 





ROTEIRO DA PARTICIPAÇÃO


UFRJ 21 05 2021 Conversa com quem gosta de ensinar.

 

1)      Generosidade da Literatura: o livro não se esgota numa única e singular leitura. Se houvesse UMA única leitura, UMA única interpretação, não seria necessário mais de UM leitor, e o livro estaria esterilizado. CONCLUÍDO. Assim... Cada qual com a sua leitura, sem certo e errado.

2)      Assim, também, é um tanto antiLiteratura essa obsessão por se dizer o que a criança ou o jovem DEVE ler, e nunca se buscar conhecer e entender o que eles QUEREM ler. O que eles querem ler faz parte da Literatura, da generosidade da Literatura, QUE NÃO É UMA;  SÃO VÁRIAS, inclusive a Literatura que a criança e o jovem que está próximo a você QUER LER. Como todo leitor normal, ele lê O QUE QUER LER.

3)      O que vale para a Literatura e para os Leitores vale também para os autores. Não há UMA única e singular Literatura. Cada qual escreve o que quiser, e não estou aqui para dizer o que outros devem escrever.

4)      Mas, o que eu gostaria é de propor uma PAUTA para reflexão de todos os envolvidos nessa ligação entre a Literatura e os Leitores. Uma pauta que pode ou não ser contemplada, e que não e critério para se dizer o que é ou não é Literatura, nem para imposição de leitura de livro algum, de tema algum. É somente uma proposta, em que vou expor MINHAS prioridades.

5)      É preciso antes de tudo ver que estamos atravessando um momento crítico no país. A democracia está em risco. Há a clara intenção de subjugar tanto a cultura, quanto a arte e a ciência a padrões, mais do que autoritários, de extrema direita, fanáticos, tirânicos, perversos e obscurantistas.

6)      A CENSURA é o resultado óbvio disso. Se nós, autores de Literatura para crianças e jovens, desde sempre a enfrentamos, a censura, em algum grau, o que se pretende agora é impor um cercadinho à  Literatura, de maneira a que ela somente trate daquilo que pode favorecer esse projeto ditatorial. Ou seja, uma censura que, mais do que proibir certos temas, imponha temas aos autores e, principalmente, aos leitores.

7)      Esse projeto adota o negacionismo não somente da ciência, mas também da tendência à planetarização da consciência humana, e ainda das tendências mundiais ao aprofundamento da democracia, seja institucional, seja em questões como a do enfrentamento do racismo, em sua forma estrutural – e não somente legal; da desvalorização da mulher, da homofobia, da preservação ecológica da vida.

8)      Resistir a esse negacionismo, repito, fanático, extremista, obscurantista, é portanto uma questão de sobrevivência. Da vida, como vemos no caso do genocídio de mais de já quase 400 mil brasileiros, e que pode a chegar a 1 milhão, até o final do ano, a persistirem as tendências atuais. Mas, também da cultura, do espírito progressista, de todo o processo existencial, humanista, de afirmação da individualidade, da fraternidade, da humanidade e do humanismo, e da Liberdade.

9)      E nesse CONTEXTO de agressão à Liberdade por um lado, e de Resistência, por outro, que proponho esta pauta, como sugestão para temas que a Literatura, especialmente para crianças e jovens, pode abordar. Naturalmente, há que sempre se negociar com a possibilidade, com a viabilidade de qualquer projeto de resistência, dentro da realidade e intenções de cada um.

10)   Como primeiro ponto dessa sugestão de pauta temática, trago a questão do aprofundamento da Democracia, especialmente no Brasil, com ampliação da discussão tanto da proteção às instituições democráticas, quanto ao combate à misoginia, expressa na violência e nas muitas formas de discriminação da mulher, da homofobia, dos atavismos racistas estruturais de nosso provo, da pobreza e do preconceito em relação à pobreza, especialmente às suas vítimas – temos um ministro que reclama que um filho de porteiro possa entrar na faculdade, em vez de louvar seu esforço, sua superação! - , da falta de acesso à informação, ao conhecimento, à arte e à cultura de grande parte da população brasileira,

11)   e até mesmo da discussão franca, sem dissimulações nem disfarces, do lugar que o conservadorismo ocupa na mentalidade e nos costumes de grande parcela de nossa população.

12)   Podemos muito bem participar, em nossos livros, da luta contra as desigualdades sociais que no Brasil se aprofundaram, devido à pandemia e à gestão antipovo da economia. Precisamos combater a ideia de que a miséria, a fome e a exclusão isempre existiram, são irremediáveis.  São eternas e sem solução. Precisamos desnaturalizar as desigualdades em nossa cultura.

13)   A democracia, é claro, se aprofunda também com a  democratização da Literatura no país, coisa que tem sido negada por um lado pela manutenção metódica da deseducação e, por outra, pela precariedade de oportunidades para a maioria do povo brasileiro.

14)   Outra questão para mim, importante, é justamente dar às lutas sociais,o caráter de atualidade. Temos os povos tradicionais brasileiros, indígenas e quilombolas, sob a ameaça  de genocídio; temos os negros , no país, sob massacre constante, principalmente os jovens, nas comunidades, e os negros, de maneira geral, ainda sob o impacto de um antirracismo estrutural, do qual, desgraçadamente, parcelas significativas de nossa população se recusa a tomar consciência. Enfim, proponho dar  espaço, não somente, para a cultura tradicional das etnias que compõem nosso povo, mas para seu momento atual, no país e de integração com o mundo.  Enfim, assumir o antirracismo e a reversão das discriminações étnicas como um tema LITERÁRIO.

15)   Vamos lembrar que, a partir do assassinato de George Floyd, nos EUA, uma palavra de ordem despertou quase imediatamente movimentos antirracistas no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Foi a primeira vez, desde a Revolta da Juventude, dos anos 1960, que o mundo inteiro se uniu de novo, numa única luta.

16)   A questão étnica se mostrou para uma maioria, até então alheia a isso, como luta!   

17)   Vamos lembrar, ainda, que bem aqui do lado, o Chile, graças à intervenção combativa das mulheres chilenas, o país está removendo, da Constituição chilena,  finalmente, o restolho  fascista e antipopular que veio de 1973, da mais sangrenta ditadura da América Latina, os anos ferozes do general Augusto Pinochet, postos abaixo pelo movimento feminino, por protestos de ruas, por um povo que é politizado e consciente porque é culto, instruído.

18)   Só um povo assim imporia uma paridade de representação entre homens e mulheres, como na Constituinte chilena.

19)   Enfim, ainda como tema, temos, crucialmente a questão de uma Fraternidade Planetária Humanista e Democrática se formando. Nos referirmos a esse mundialismo das questões, que já não são tratadas nem isoladamente, em cada país, e que se tornam mundiais, graças à tecnologia, quase que em tempo real. O planetarismo, a união de lutas é um tema lindo inspirado em nossa atualidade.

20)    Nunca foi tão possível de ser incorporada à nossa percepção de mundo o verso de John Donne: “Nenhum homem é uma ilha!”.

21)   Hoje, ser progressista é ser solidário: com os refugiados, com as crianças expelidas de seus lares, em todo o mundo, com as lutas antirracistas, pelos direitos das mulheres, contra a homofobia, contra todo tipo de desumanização da pessoa, contra as perseguições religiosas, étnicas e culturais, seja onde for da Terra. Contra a devastação  da natureza, em nome da nossa sobrevivência e de nossos filhos e netos.

22)   Nossa INTEGRAÇÃO cada vez maior ao mundo é um importante passo para as mudanças que nosso povo tanto precisa. 

23)   Todas as lutas importantes hoje são planetárias. A perspectiva da universalização é fundamental para uma nova visão de mundo. E que vai trazer suas contradições, suas dificuldades, conflitos, contradições. É tema LITERÁRIO!

24)   Assim como é tema LITERÁRIO o futuro. Mais ainda, um presente que tenha desejos e ambições voltados para o futuro.

25)   Enquanto as forças reacionárias neste país tentam voltar atrás nas conquistas sociais e mentalidades, num passadismo delirante que só poderá triunfar à força – já que, do outro lado, temos o mundo democrático a nos seduzir, a nos impregnar - , é hora, para mim, cada vez mais de darmos lugar à ciência nas temáticas de nossos livros. A ciência é a ponte maior, a conquista humanizadora do presente e do futuro. É a conquista de vacinas, remédios e tratamentos para doenças, que ainda são um flagelo para o ser humano. É a engenharia genética, a medicina robótica, e uma infinidade de avanços, os quais, se trouxermos para o conhecimento e para o cotidiano de nossos leitores, com maior facilidade, habilidade, poderemos construir nossa INTEGRAÇÃO – e novamente, esta palavra – ao fluxo de modernização constante da vida.

26)   E percebam que falo aqui de dotar essa MODERNIZAÇÃO  de um sentido humanista e humanitário, e não como mais um privilégio de elites, no país. Falo dessa modernização como a universalização e democratização dos benefícios da ciência e do conhecimento.

27)   Falo de possiblidades, a INTEGRAÇÃO de parcelas cada vez maiores de nossa população à cultura digital. Ao sonho de alcançarmos outros planetas – de participarmos da aventura, já em curso,  da colonização de Marte – quantos têm atenções voltadas para isso, neste país? - e de descobrirmos outras formas de vida no Cosmos.  Falo de fontes de energia limpa e amplas, acessíveis a todos. 

28)   Enfim, a esse direito de sonhar com um futuro e um mundo melhores. A Ciência, seja a arqueologia, que vasculha o passado para reconstruir, permanentemente, o presente, seja a física, que cria novas tecnologias e novas fronteiras.

29)   Futuro e Ciência são temas Literários.

30)   Enfim, reforço, que se trata aqui de uma proposta de pauta. Uma sugestão. A cada um, sua Literatura! Se não, a Literatura não existe!  Na minha proposta, ela existirá com mais substância, com mais impacto e importância para os leitores, principalmente crianças e jovens, com temas que abordem essa atração – e seus conflitos, sempre é necessário ressalvar -  à integração planetária, à integração à atualidade, que ambiciona um futuro, à Ciência, como marco cultural hoje da espécie humana, à solidariedade internacional; enfim, ao que eu chamo dessa tendência em formação, em crescimento, em disseminação, de uma Fraternidade Planetária Humanista e Democrática.

31)   Muito obrigado.   


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