ROTEIRO DA PARTICIPAÇÃO
UFRJ 21 05 2021 Conversa com quem gosta de ensinar.
1)
Generosidade da Literatura: o livro não se
esgota numa única e singular leitura. Se houvesse UMA única leitura, UMA única interpretação,
não seria necessário mais de UM leitor, e o livro estaria esterilizado. CONCLUÍDO.
Assim... Cada qual com a sua leitura, sem certo e errado.
2)
Assim, também, é um tanto antiLiteratura essa
obsessão por se dizer o que a criança ou o jovem DEVE ler, e nunca se buscar
conhecer e entender o que eles QUEREM ler. O que eles querem ler faz parte da
Literatura, da generosidade da Literatura, QUE NÃO É UMA; SÃO VÁRIAS, inclusive a Literatura que a
criança e o jovem que está próximo a você QUER LER. Como todo leitor normal,
ele lê O QUE QUER LER.
3)
O que vale para a Literatura e para os Leitores
vale também para os autores. Não há UMA única e singular Literatura. Cada qual
escreve o que quiser, e não estou aqui para dizer o que outros devem escrever.
4)
Mas, o que eu gostaria é de propor uma PAUTA
para reflexão de todos os envolvidos nessa ligação entre a Literatura e os
Leitores. Uma pauta que pode ou não ser contemplada, e que não e critério para
se dizer o que é ou não é Literatura, nem para imposição de leitura de livro
algum, de tema algum. É somente uma proposta, em que vou expor MINHAS
prioridades.
5)
É preciso antes de tudo ver que estamos
atravessando um momento crítico no país. A democracia está em risco. Há a clara
intenção de subjugar tanto a cultura, quanto a arte e a ciência a padrões, mais
do que autoritários, de extrema direita, fanáticos, tirânicos, perversos e
obscurantistas.
6)
A CENSURA é o resultado óbvio disso. Se nós,
autores de Literatura para crianças e jovens, desde sempre a enfrentamos, a
censura, em algum grau, o que se pretende agora é impor um cercadinho à Literatura, de
maneira a que ela somente trate daquilo que pode favorecer esse projeto
ditatorial. Ou seja, uma censura que, mais do que proibir certos temas, imponha
temas aos autores e, principalmente, aos leitores.
7)
Esse projeto adota o negacionismo não somente da
ciência, mas também da tendência à planetarização da consciência humana, e
ainda das tendências mundiais ao aprofundamento da democracia, seja
institucional, seja em questões como a do enfrentamento do racismo, em sua
forma estrutural – e não somente legal; da desvalorização da mulher, da
homofobia, da preservação ecológica da vida.
8)
Resistir a esse negacionismo, repito, fanático,
extremista, obscurantista, é portanto uma questão de sobrevivência. Da vida,
como vemos no caso do genocídio de mais de já quase 400 mil brasileiros, e que
pode a chegar a 1 milhão, até o final do ano, a persistirem as tendências
atuais. Mas, também da cultura, do espírito progressista, de todo o processo
existencial, humanista, de afirmação da individualidade, da fraternidade, da
humanidade e do humanismo, e da Liberdade.
9)
E nesse CONTEXTO de agressão à Liberdade por um
lado, e de Resistência, por outro, que proponho esta pauta, como sugestão para
temas que a Literatura, especialmente para crianças e jovens, pode abordar.
Naturalmente, há que sempre se negociar com a possibilidade, com a viabilidade
de qualquer projeto de resistência, dentro da realidade e intenções de cada um.
10)
Como primeiro ponto dessa sugestão de pauta
temática, trago a questão do aprofundamento da Democracia, especialmente no
Brasil, com ampliação da discussão tanto da proteção às instituições
democráticas, quanto ao combate à misoginia, expressa na violência e nas muitas
formas de discriminação da mulher, da homofobia, dos atavismos racistas
estruturais de nosso provo, da pobreza e do preconceito em relação à pobreza,
especialmente às suas vítimas – temos um ministro que reclama que um filho de
porteiro possa entrar na faculdade, em vez de louvar seu esforço, sua
superação! - , da falta de acesso à informação, ao conhecimento, à arte e à
cultura de grande parte da população brasileira,
11)
e até mesmo da discussão franca, sem
dissimulações nem disfarces, do lugar que o conservadorismo ocupa na
mentalidade e nos costumes de grande parcela de nossa população.
12)
Podemos muito bem participar, em nossos livros,
da luta contra as desigualdades sociais que no Brasil se aprofundaram, devido à
pandemia e à gestão antipovo da economia. Precisamos combater a ideia de que a
miséria, a fome e a exclusão isempre existiram, são irremediáveis. São
eternas e sem solução. Precisamos desnaturalizar
as desigualdades em nossa cultura.
13)
A democracia, é claro, se aprofunda também com a democratização da Literatura no país, coisa
que tem sido negada por um lado pela manutenção metódica da deseducação e, por
outra, pela precariedade de oportunidades para a maioria do povo brasileiro.
14)
Outra questão para mim, importante, é justamente
dar às lutas sociais,o caráter de atualidade. Temos os povos tradicionais
brasileiros, indígenas e quilombolas, sob a ameaça de genocídio; temos os negros , no país, sob
massacre constante, principalmente os jovens, nas comunidades, e os negros, de
maneira geral, ainda sob o impacto de um antirracismo estrutural, do qual,
desgraçadamente, parcelas significativas de nossa população se recusa a tomar
consciência. Enfim, proponho dar espaço,
não somente, para a cultura tradicional das etnias que compõem nosso povo, mas para
seu momento atual, no país e de integração com o mundo. Enfim, assumir o antirracismo e a reversão
das discriminações étnicas como um tema LITERÁRIO.
15)
Vamos lembrar que, a partir do assassinato de
George Floyd, nos EUA, uma palavra de ordem despertou quase imediatamente
movimentos antirracistas no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Foi a primeira
vez, desde a Revolta da Juventude, dos anos 1960, que o mundo inteiro se uniu
de novo, numa única luta.
16)
A questão étnica se mostrou para uma maioria,
até então alheia a isso, como luta!
17)
Vamos lembrar, ainda, que bem aqui do lado, o
Chile, graças à intervenção combativa das mulheres chilenas, o país está
removendo, da Constituição chilena,
finalmente, o restolho fascista e
antipopular que veio de 1973, da mais sangrenta ditadura da América Latina, os
anos ferozes do general Augusto Pinochet, postos abaixo pelo movimento
feminino, por protestos de ruas, por um povo que é politizado e consciente
porque é culto, instruído.
18)
Só um povo assim imporia uma paridade de
representação entre homens e mulheres, como na Constituinte chilena.
19)
Enfim, ainda como tema, temos, crucialmente a
questão de uma Fraternidade Planetária Humanista e Democrática se formando. Nos
referirmos a esse mundialismo das questões, que já não são tratadas nem
isoladamente, em cada país, e que se tornam mundiais, graças à tecnologia,
quase que em tempo real. O planetarismo, a união de lutas é um tema lindo inspirado
em nossa atualidade.
20)
Nunca foi
tão possível de ser incorporada à nossa percepção de mundo o verso de John
Donne: “Nenhum homem é uma ilha!”.
21)
Hoje, ser progressista é ser solidário: com os
refugiados, com as crianças expelidas de seus lares, em todo o mundo, com as
lutas antirracistas, pelos direitos das mulheres, contra a homofobia, contra
todo tipo de desumanização da pessoa, contra as perseguições religiosas,
étnicas e culturais, seja onde for da Terra. Contra a devastação da natureza, em nome da nossa sobrevivência e
de nossos filhos e netos.
22)
Nossa INTEGRAÇÃO cada vez maior ao mundo é um
importante passo para as mudanças que nosso povo tanto precisa.
23)
Todas as lutas importantes hoje são planetárias.
A perspectiva da universalização é fundamental para uma nova visão de mundo. E
que vai trazer suas contradições, suas dificuldades, conflitos, contradições. É
tema LITERÁRIO!
24)
Assim como é tema LITERÁRIO o futuro. Mais ainda,
um presente que tenha desejos e ambições voltados para o futuro.
25)
Enquanto as forças reacionárias neste país
tentam voltar atrás nas conquistas sociais e mentalidades, num passadismo
delirante que só poderá triunfar à força – já que, do outro lado, temos o mundo
democrático a nos seduzir, a nos impregnar - , é hora, para mim, cada vez mais
de darmos lugar à ciência nas temáticas de nossos livros. A ciência é a ponte
maior, a conquista humanizadora do presente e do futuro. É a conquista de
vacinas, remédios e tratamentos para doenças, que ainda são um flagelo para o
ser humano. É a engenharia genética, a medicina robótica, e uma infinidade de
avanços, os quais, se trouxermos para o conhecimento e para o cotidiano de
nossos leitores, com maior facilidade, habilidade, poderemos construir nossa
INTEGRAÇÃO – e novamente, esta palavra – ao fluxo de modernização constante da
vida.
26)
E percebam que falo aqui de dotar essa
MODERNIZAÇÃO de um sentido humanista e
humanitário, e não como mais um privilégio de elites, no país. Falo dessa
modernização como a universalização e democratização dos benefícios da ciência
e do conhecimento.
27)
Falo de possiblidades, a INTEGRAÇÃO de parcelas
cada vez maiores de nossa população à cultura digital. Ao sonho de alcançarmos
outros planetas – de participarmos da aventura, já em curso, da colonização de Marte – quantos têm
atenções voltadas para isso, neste país? - e de descobrirmos outras formas de
vida no Cosmos. Falo de fontes de
energia limpa e amplas, acessíveis a todos.
28)
Enfim, a esse direito de sonhar com um futuro e
um mundo melhores. A Ciência, seja a arqueologia, que vasculha o passado para
reconstruir, permanentemente, o presente, seja a física, que cria novas
tecnologias e novas fronteiras.
29)
Futuro e Ciência são temas Literários.
30)
Enfim, reforço, que se trata aqui de uma proposta
de pauta. Uma sugestão. A cada um, sua Literatura! Se não, a Literatura não
existe! Na minha proposta, ela existirá
com mais substância, com mais impacto e importância para os leitores,
principalmente crianças e jovens, com temas que abordem essa atração – e seus
conflitos, sempre é necessário ressalvar -
à integração planetária, à integração à atualidade, que ambiciona um
futuro, à Ciência, como marco cultural hoje da espécie humana, à solidariedade
internacional; enfim, ao que eu chamo dessa tendência em formação, em
crescimento, em disseminação, de uma Fraternidade Planetária Humanista e
Democrática.
31)
Muito obrigado.