ADAPTAÇÕES
Meu Primeiro Clássico
de Estimação: Robinson Crusoe
Eu
devia ter menos de dez anos quando ganhei de meu pai um livrinho – (eu o tenho
até hoje, cerca de 50 páginas, com
ilustrações) – da Biblioteca Infantil
da Melhoramentos. Era uma adaptação de Robinson
Crusoe, assinada por Barros Ferreira. Li aquela história, assim como li
outras, da mesma Biblioteca, submergindo nela, como se estivesse naquela mesma
ilha em que o náufrago passou vinte e oito anos, distante da civilização onde
nascera e de tudo o que conhecia. E foi graças àquela adaptação de Robinson
Crusoe que, décadas depois, li o original, em versão integral. Foram duas
aventuras bem diferentes.
Pausa...
Para registrar que, entre uma e outra, li também a adaptação generosa,
vibrante, de Monteiro Lobato. Grande leitor, Lobato acreditava em colocar os
grandes clássicos da Literatura ao alcance das crianças e jovens leitores. Foi
por isso que nos trouxe ainda Dom Quixote e outros, fora as participações
especiais de personagens da Literatura Internacional, de fadas e princesas, Sherazade
e Peter Pan, a heróis mitológicos, que
volta e meia surgiam no Sítio do Picapau Amarelo.
É o que
este FORA DE ORDEM pretende: defender as boas adaptações de clássicos
internacionais. Claro que há aquelas que massacram a obra original. Mas, há
também as que tentam resgatar para o leitor o coração da obra: a composição e o
carisma de seus personagens, o ritmo da narrativa (que tem a ver com a visão de
mundo da época e daquela cultura), algo do estilo, a pulsação do enredo. Em
suma, um tanto daquilo que faz da obra um livro imortal, e que pode acender a
chamazinha-piloto que um dia vai levar, um dia, aquela pessoa – pelo desejo de
vivenciar mais e mais longamente o clássico que a envolveu anos ou décadas
antes – a empreender a leitura da versão original, o texto integral, com
centenas ou mesmo milhares de páginas.
Por
definição, clássicos são leituras mais difíceis para a garotada. Difíceis
porque distantes. Porque, necessariamente, são livros escritos em outra época,
quando o próprio tempo passava mais devagar, as perspectivas de olhar o mundo
eram diferentes e as pessoas agiam ou reagiam de modo diverso. No entanto,
guardam uma pérola de dragão, nessa
caverna. Algo universal, humano e permanente, que torna essas obras capazes de
atravessar eras diferentes e transitarem entre diferentes culturas, idiomas e
civilizações, e continuarem tocantes.
Justamente por essa resistência do essencial, se tornam imortais, clássicos.
Ao
contrário dos livros que desaparecem depois de alguns anos ou poucas décadas, e
ninguém mais tem interesse em lê-los.
É necessário construirmos pontes entre os clássicos e os leitores jovens: marketing de
sedução, informações contextuais, adaptações. E outras. Uma professora ou bibliotecária
apaixonado pela leitura, com vocação para contaminar o próximo com essa paixão,
cumpre lindamente esse papel. Conheço muitas e muitos assim!
Daniel
Defoe – que entre seus muitos ofícios trabalhou como espião e agente secreto em
conspirações no Reino Unido – publicou Robinson
Crusoe em 1719. Por esta obra e outras, é considerado um dos fundadores do
romance britânico, antecessor ilustre de Johathan Swift e de seu As viagens de Gulliver (1726 e 1735). Na
linhagem das aventuras marítimas, fundada em Odisseia, por Homero, é também ancestral de Moby Dick (1851) do americano Herman Melville. E de inúmeros outros
livros e filmes Literatura e Cultura Pop, em que uma pessoa, reduzida à solidão
absoluta, parecendo totalmente desprovido de recursos para sua sobrevivência,
recria à custa de tenacidade, um mundo à sua volta. É um carisma lindo, eficaz,
bom toda vida de ser replicado.
Robinson
Crusoe sempre teve um encanto especial para mim. Sempre foi, portanto, uma
ideia, em mim, algo que eu sabia que aconteceria, um encontro marcado, ler a
versão integral, até para descobrir o que mais havia nesse livro. E aconteceram
de fato incríveis descobertas – até mesmo o maior tempo de duração de leitura,
a produzir um alongamento da vivência do livro, uma outra experiência de transporte.
Então, lá temos aquele homem
próspero, que sai do Brasil em busca de negócios escusos – até mesmo no seu
tempo. Crusoe ia para a África sequestrar pessoas para submetê-las à
escravidão, já que era um negócio dos mais lucrativos, na época. Mas, castigo
divino ou seja o que for, naufragou, em meio a uma tempestade, e foi parar numa
ilha fora das rotas de navegação e aparentemente desabitada (ou nem tão
desabitada assim, como veríamos mais adiante).
Robinson logo compreende que dificilmente
será resgatado. E aqui, uma primeira espiadela no túnel do tempo, nos sugere
conduzir a garotada, a quem queremos facilitar a leitura desse livro, a esse
tempo quando não existiam “GPSs” nem “Celulares”. A uma outra realidade,
aparentemente distante no tempo e no modo cultural. Naquela pré-história em que
se podia viver desconectado. Robinson é rapidamente reduzido ao desespero, e
logo decide que vai se deixar morrer, naquela praia.
No entanto, a sede o faz procurar
água, no interior da ilha. Encontrando uma fonte, decide que para ter chances
de ser salvo, precisa montar vigília na praia, de modo a avistar algum navio
que passe ao longe – algo que não acontecerá pelos próximos 28 anos. Por isso,
resolve fabricar um pote para trazer consigo a água. Mas, fabricar um pote para
quem nunca o fez, e da maneira mais rudimentar, partindo da terra e dali para o
barro, dali para a modelagem etc, é uma tarefa e tanto. Mais adiante, ele
construirá – algo também que teve de aprender como se faz – um sistema de
canalização para trazer a água. E aos poucos vai reconstruindo um mundo
inteiro, por pura gana de sobrevivência.
Essa reconstrução do mundo é toda
a beleza humana e universal de Robinson Crusoe. Claro que mais adiante entra na
história Sexta-Feira (Ah, a antológica cena da pegada na areia, tão famosa
quanto a minvestida de D. Quixote contra os moinhos de vento!), que acrescenta
outros aspectos, alguns até mesmo mais complexos, na relação entre aquele
europeu, cristão, incapaz de incorporar outros modos de pensar além do seu, e o
“selvagem”. Que além de tudo era um canibal. E há, é claro, as peripécias
aventurescas envolvendo o enfrentamento de canibais.
Bem, não quero entrar aqui nesse
debate de choques culturais e “etnocentrismo”. O que me interessa mesmo é
ressaltar que um clássico pode chegar ao seu leitor por meio de adaptações. E,
considerando a sua riqueza, instalar-se na vida dele para sempre, ir se transformando,
crescendo, acompanhando o amadurecimento da capacidade de leitura desse leitor.
O que mais importa aqui é que a maioria dos leitores de Robinson Crusoe se tornou aficionada dessa história tendo seu primeiro contato com ela - justamente o amor à primeira vista - por meio de adaptações. E não é à toa que Crusoe se tornou um personagem tão popular e seu drama, um modelo para uma infinidade de outros heróis, inclusive na cultura pop. Afinal, o que é o ótimo filme Perdido em Marte ("The Martian", título muito melhor: estrelando Matt Damon, dirigido por Ridley [Alien] Scott), se não um Robinson Crusoe passado em outro planeta? As adaptações dão cria.
O que mais importa aqui é que a maioria dos leitores de Robinson Crusoe se tornou aficionada dessa história tendo seu primeiro contato com ela - justamente o amor à primeira vista - por meio de adaptações. E não é à toa que Crusoe se tornou um personagem tão popular e seu drama, um modelo para uma infinidade de outros heróis, inclusive na cultura pop. Afinal, o que é o ótimo filme Perdido em Marte ("The Martian", título muito melhor: estrelando Matt Damon, dirigido por Ridley [Alien] Scott), se não um Robinson Crusoe passado em outro planeta? As adaptações dão cria.
Que bom que existam boas
adaptações!
Aventurescas leituras para
vocês!
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