MEU MONSTRO FAVORITO
Vampiros
são os astros mais bem sucedidos de qualquer superprodução pop. E também,
ultimamente, os zumbis – os Walking Deads
da vida. Ou melhor, não rigorosamente da vida.
Tem ainda múmias, Frankenstein’s e fantasmas de todos os tipos, desde os
Perverso-Cômicos como Sir Simon de
Canterville, em O fantasma de
Canterville, de Oscar Wilde, até os tradicionais, os lúgubres, como
os dos contos de Charles Dickens. Mas, embora ame todos esses, nenhum me
comove, remexe, me invade e assombra tanto quanto os Lobisomens.
Os Lobisomens
são meus monstros favoritos.
ENTRANHAS
Quando a vertigem
sideral me abandona, desperto
imundo, cheirando a esgoto e coberto
de restos humanos
decompostos. Além do fedor do suor
do meu corpo
hediondo. Tão penetrante. Tão brutal .
Nunca me recordo do
que fiz em possessão,
mas todos os gritos e
toda dor que inflijo cravaram-se em meu coração.
No homem persiste a exultação da fera; a fúria lunática
geminiza a repulsa
insone do homem.
Pela eternidade, a
peçonha que repugna outros monstros
foge de uma lembrança: seu horror de origem, seu
horror maior...
(a verdade é que
viver duas vidas é viver nenhuma)
Resistem entranhas que não são minhas dentro de minhas
entranhas.
Eu as profanei embora
fossem a minha vida antes de ser dividida.
Não consigo digeri-las.
Minha consciência é penumbra.(1)
Cada um
terá o seu (favorito). Vou aqui dar as minhas razões. Algumas são literárias;
outras, nem tanto; mas todas são pop.
A
primeira é que adoro botá-los nos
elencos de minhas histórias. Eles rendem
muito drama!
Diferente das suas monstruosas
concorrentes, o Loboisomem tem um dilema (que pode ser explorado tanto pelo
lado trágico, como pelo cômico, como qualquer que seja a vontade do autor...)
inerente ao fato de não ser um morto-vivo.
O humano
contaminado por um vampiro morre primeiro, para renascer como vampiro. O zumbi,
nem se fala: é um morto que anda. Sem consciência, sem mente nem espírito. Múmias, fantasmas, todos esses deixaram para trás sua natureza humana, para se
tornar em assombrações. Mas, não o Lobisomem.
O Lobisomem
é um ser humano que, numa certa fase da Lua – mais ou menos correspondente a
uma semana no mês – se transforma em fera. E, possuído dessa sua ferocidade,
pode trucidar e devorar qualquer um, até mesmo alguém que ame. Mas, terá que conviver com
isso, durante as suas fases humanas. Mortos que andam e vampiros não são
caracterizados pela culpa em relação às vítimas que abateram. São essencialmente
predadores. Já o Lobisomem sofre, e muito, por força da bestialidade que toma
conta dele e faz sua faceta humana perder o controle sobre sua consciência e seus atos. Nada de morto-vivo aqui. Ele tem sangue quente. Respira.
Muitos fogem do convívio humano, se acorrentam nas noites de Lua Cheia, etc... E cada recalque desses é uma novela fantástica.
Muitos fogem do convívio humano, se acorrentam nas noites de Lua Cheia, etc... E cada recalque desses é uma novela fantástica.
SUBTERRÂNEOS
Quando eu era homem
não comia ratos;
passeava pela superfície,
transitava entre gentes, calçava sapatos.
Habitar subterrâneos,
no entanto, é nada
comparado ao abismo
voraz do vazio onde antes havia minha alma.
Retornar à luz? Mas
que luz pode tornar a existir?
Não há mais luz no
mundo.
Para mim, não há mais
mundo.
Tampouco há retornos:
a fera é minha refém,
meu álibi na
escuridão habitada.
Trevas! Trevas! É
olhar meu rosto e enxergar
o pressuposto da alma
exilada em algum perdido além.
É deparar-se com meu
eu enfurecido
e adivinhar,
pressentir que mais brutal
é o humano íntimo
antro corrompido. (2)
É um tema
quase universal. O monstro que habita.,
oculto, dissimulado, nosso íntimo. O mal que, existindo em nós, estando nós contaminados por ele, pode então nos dominar totalmente. Esse é um dos nossos maiores terrores: que nosso mal íntimo aflore (vide O Médico e o Monstro, de Stevenson). Trata-se do mote maior da Literatura Gótica do Romantismo, os clássicos do terror do século XIX, e de pops como os livros de Stephen King. Uma Literatura com longa e nobre linhagem, difícil de se criar, de se ler; bastante refinada.
É muito mais do que saber dar sustos no leitor. É tocar uma corda submersa. Muuuuuito submersa.
Já o dilema inerente, íntimo, grudado ao espírito... o ser ou não ser... enriquece um personagem. Torna-o surpreendente – em suas falas, ações, em sua colocação no enredo e nas cenas.
Já o dilema inerente, íntimo, grudado ao espírito... o ser ou não ser... enriquece um personagem. Torna-o surpreendente – em suas falas, ações, em sua colocação no enredo e nas cenas.
Acho Drácula, de Bram Stoker
um prodígio único (à altura de Hamlet,
de Shakespeare, ou de D. Quixote, de
Cervantes). Só um gênio (mas valendo-se de uma linhagem de
criadores de vampiros na Literatura) para compor um personagem ao mesmo tempo
tão inumano, que nos olha como invólucros encarregados de manter o sangue
aquecido e não-coagulado, e ao mesmo tempo portador de uma sedução maligna, da
capacidade de atrair e fascinar suas vítimas e
o leitor.
No entanto, a empatia de enxergarmos uma criatura
dilacerada é própria dos personagens Lobisomens. Drácula não se dilacera – seu leitor,
talvez, entre o medo e a tentação, mas não o Sugador de Sangue.
Além
disso, há várias fontes para as lendas dos lobisomens. Até mesmo mitológicas.
Trata-se do mito de Lykos, um rei que teria sacrificado humanos a Zeus, e
comido a carne deles (assim como se banqueteavam com o gado sacrificado aos
deuses). Como castigo, Zeus o condenou a, uma vez por mês, se transformar em
fera e, assim possuído, ser capaz até mesmo de matar aqueles a quem amava. De
Lykos, vem a palavra licantropia, e
os licantropos, outra maneira de chamar os lobisomens.
Há outras
histórias nas lendas ciganas e orientais. E alguma menção à submissão dos
lobisomens aos vampiros, na Literatura – como em O convidado de Drácula, de Bram Stoker (ver em Góticos 1, coletânea de contos clássicos de terror gótico, com
ensaios e notas, editado pela Melhoramentos). É um personagem talhado para o papel de estrela de uma história.
Não é à toa, ora ... Se o vampiro
clássico só sai da tumba à noite, se o zumbi é facilmente reconhecível como inumano,
o Lobisomem pode ser um amigo, um parente – pode estar no metrô, no cinema às
escuras...
Bem entre nós.
(1) e (2) em Sonetos
nas Trevas, Edelbra. Ver anúncio/resenha na Etiqueta INÍCIO ou abaixo.
Belo artigo, meu caro Luiz
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