GRÉCIA
Para Não Dizerem Que
Não Falei de Raízes
Os gregos,
em geral, fora os de Creta, não me pareceram nada simpáticos.
Generalizações são um pezinho buscando
atravessar a linha do preconceito, mas a verdade é que, tendo sonhado toda a
minha vida em conhecer a Grécia – ou pelo menos desde que li Os 12 Trabalhos de Hércules e O Minotauro, de Monteiro Lobato, ainda
garoto – fiquei decepcionado ao ter de reconhecer que o ateniense é um mal-humorado, por natureza, que tem bronca especial
contra os turistas que “invadem” seus monumentos, apesar de essa ser a
principal fonte de renda e de empregos do país; que os punguistas – me
alertaram, mas eu tinha de constatar por experiência própria, não tinha? – do metrô de Atenas são os melhores do mundo.
Que você pode ver o Partenon de toda a cidade, e, aceso, à noite, é um dos
milagres da civilização, mas, encontrar a subida – íngreme, penosa – até lá, é
uma proeza, devido à falta de placas orientando o turista, ou de atenienses dispostos
a lhe dar informações; que uma vez lá no alto, na cidadela, embriagado de tanta beleza e aura, você se
perde para ir de um monumento ao outro, por conta da mesma má-vontade de
distribuir placas indicativas e de alguém, mesmo funcionários, propenso a lhe dar uma indicação clara. E que,
finalmente, o grego, o idioma, aquele que eu sonhei para a Ilíada e Odisseia, embora o grego moderno e o arcaicos não se biquem, soa
tão áspero aos nossos ouvidos, que eles parecem que estão sempre brigando, e às
vezes estão mesmo – o ateniense é brigão - , embora com alguns dias de experiência,
você reconheça quando é uma conversação trivial e que é injustificado o susto
que você leva se alguém lhe diz “por favor”, num rugido brutal, que nos soa,
mais ou menos como “parakaló!!!!!”.
E daí? Estávamos
na Grécia. Chegamos à Creta e conhecemos, em Cnossos, o labirinto do Minotauro
e o Palácio de Minos (mesmo sabendo que 70% das ruínas foram falsificadas pelo
arqueólogo amador que as descobriu, o inglês Arthur Evans, que resolveu completar o cenário). E tivemos o
sorriso provocante e as cutucadas nas ruas das cretenses (esses,sim), sua hospitalidade
generosa e alegria - além de um dos mais interessantes museus arqueológicos do
mundo, com peças da Civilização Minoica, em Heraklion. Pode-se até aprender a
gostar dos ventos poderosos que varrem Creta, pensando que eles também fizeram
Ulisses perder seu caminho pelo Mediterrâneo.
Conhecemos, nos museus espalhados
pelas ilhas, por exemplo, a Arte Cicládica, de 3000 anos atrás, e, apesar da
monotonia das imagens sem feições, nem detalhes particulares, constatar que o
que esse povo genial produzia, em termos de equilíbrio e simetria, é de fato a
inspiração de uma arte Clássica grega, que estabeleceu as pontes da compreensão e da sensibilidade
humanas entre o divino e o mundo, nosso mundano mundo. E vimos peças e
monumentos que a gente, lá no fundo, nas leituras, nos livros, que guardamos no
coração, sabemos que estamos revisitando. Afinal de contas, vivemos, em eras
passadas, na Grécia. E Atenas histórica é tudo o que se imagina, embora os
logradouros urbanos, principalmente os bairros de comércio, pareçam um SAARA (o
do Centro do Rio) apinhado. Em vésperas de Natal ou de Carnaval. Fervendo. Quem
o conhece, sabe do que falo.
Homero
inventou os deuses, a Mitologia, a Literatura, como a conhecemos. E os gregos
inventaram, apesar do seu mau humor e todo o restante, prolífica parte do imaginário humano,
principalmente o ocidental. Já escrevi sobre a metáfora das raízes, e a complicação
de a aplicarmos à cultura. Árvores, plantas, têm suas raízes, na maioria dos
casos, presas ao solo. A polinização se faz às vezes por insetos, que vêm
recolher o pólen e voam para longe, disseminando a espécie. Ocorre que uma
árvore não pode escolher onde fincar suas raízes. Nem mesmo dirigir o vôo dos
insetos. Mas, nós, seres humanos – ou
seja, fanáticos, fundamentalistas, terraplanistas e obscurantistas à parte –, principalmente em questão de referências
culturais, podemos escolher as nossas. E até mesmo muda-las, no decorrer da
vida. A cultura e a produção artísticas, claro, inclusive a literária, são
escolhas, tendências que reforçamos, ou escolhemos reforçar. Encantamentos. Não
tem necessariamente a ver com etnias.
Consta que por lá nasceu, em Atenas, também, a democracia. Desconfio de uma democracia onde havia escravos (Viva o Esopo Rebelde!!! Não o domesticado!!!) e que proibia o acesso às decisõs das mulheres e dos nascidos fora de Atenas. Mas, aprendi que a democracia, mundial, internacionalista, planetária, ampla, geral e irrestrita, continua em construção; é uma utopia a ser concretizada - e assim o provam os movimentos antirracistas que tomaram nossos Continentes em minutos, depois de o assassinato de George Floyd, nos EUA, ter sido transmitido via Internet, interligando pontoa cardeais e polos num único grito: "Vidas Negras Importam!!!".
Minhas
raízes – volto a dizer, desde Lobato – estão na Arte e na Mitologia Gregas. Nas
tragédias, que nomearam teorias de Freud e dos filósofos do século XX. Nos
heróis que forneceram o modelo para a cultura pop. Nos monstros e na cosmologia
que, até hoje, nos mesmeriza, simboliza, representa os segredos do nosso
íntimo. Não importa onde nasci. Mas, para onde voei.
Minha
solidariedade e militância política, cultural, humanista, internacionalista, a
crença numa fraternidade planetária, apontando para um futuro de descobertas da
ciência e avanços na expansão e senso de aventura do nosso conhecimento
universo afora, me dão material intelectual para grande parte do que escrevo...
e sonho. Tive minhas razões para me decepcionar com o jeito tosco dos
atenienses (embora, os cretenses tenham salvado a fatura)... Já tinha mais de
50 anos, quando consegui realizar meu sonho de ir à Grécia. Fui com minha
mulher, que ansiava pelas ruínas tanto quanto eu. Juntos, enfrentamos o agente
de turismo que tentou nos fazer engolir um roteiro de praias e mais praias, e
três horas somente em Creta – onde permanecemos 3 dias, e foi pouco. Então, depois
de tudo isso, e mesmo naquela idade, vai ver que eu achava que, mal pusesse o
pé nos cenários onde Péricles e Fídias caminharam, nos jardins por onde
Aristóteles, o peripatético, torcia a mente de seus discípulos, onde Homero,
declamado na Ágora, ganhou a primeira versão por escrito de seus épicos –
pilares da Literatura ocidental -, onde foi inventada a História e a
Filosofia... eu esperava, em algum lugar dentro de mim, que me reconhecessem. Mas,
não... assim como eu não tive maiores amores pela culinária grega, já que a
árabe original, principalmente no viés libanês, como o era meu avô, mascate de
Beirute, e a italiana, como o era minha avó, cozinheira napolitana, serão para
sempre minha paixão. Questão (sempre!) de escolha... cultural. Não de raízes.
Ou seja,
o punguista que me levou o passaporte e os cartões de crédito, prodigiosamente
surrupiando-os de um bolsão na parte dianteira da minha calça, fechado com
velcro, sem que eu sentisse, roubou um... quase...
compatriota. A Grécia hoje vive problemas econômicos e sociais gravíssimos. Foi
um dos países da Europa onde a pandemia grassou fortemente. Mesmo que não me
sentisse ligado culturalmente a eles, minha solidariedade humana seria o
bastante para abraçá-los, assim como me esforço para colocar o antirracismo na
minha pauta cotidiana, e, no Brasil, assim como sofro com e tento ajudar a
denunciar o genocídio indígena, a perseguição aos homossexuais, aos
não-cristãos e a devastação do patrimônio ecológico que eu esperava que pudesse
ser usufruído pelos meus netos.
Grécia.
Para não dizer que não falei de raízes, lá estão as minhas... e um tanto mais, espraiadas
pelo mundo. Ou até, quem sabe, por OUTROS mundos?